Ally e Ryan

Ally e Ryan

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Conceituando deficiência múltipla e necessidades educacionais especiais

O termo deficiência múltipla tem sido utilizado, com frequência, para caracterizar o conjunto de duas ou mais deficiências associadas, de ordem física, sensorial, intelectual, emocional ou de comportamento social. No entanto, não é o somatório dessas alterações que caracterizam a múltipla deficiência, mas sim o nível de desenvolvimento, as possibilidades funcionais, de comunicação, interação social e de aprendizagem que determinam as necessidades educacionais dessas pessoas.

O desempenho e as competências dessas crianças são heterogêneos e variáveis. Alunos, com níveis funcionais básicos e possibilidades de adaptação ao meio podem e devem ser educados em classe comum, mediante a necessária adaptação e suplementação curricular. Outros, entretanto, com mais dificuldades, poderão necessitar de processos especiais de ensino, apoios intensos, contínuos e currículo alternativo que correspondam às suas necessidades na classe comum.
As necessidades educacionais

Na abordagem sociohistórica, o desenvolvimento humano é uma construção de natureza social que ocorre no contato com o outro. Tanto para Vygotsky (1991) como para Bakhtin (1988) o desenvolvimento cultural é mediado pela linguagem, pelos signos e significados construídos na interação contínua e permanente com o outro, abrindo novas possibilidades na constituição do sujeito.

Analisando a educação de pessoas com múltipla deficiência no Brasil, sob a essa perspectiva, Kassar (1999) afirma que o aprendizado escolar (praticamente silenciado pela nossa legislação para as pessoas que freqüentam instituições especializadas) “pode ser um tipo de aprendizado novo na vida do sujeito, por ser acompanhado e sistematizado. Quando bem planejado, propicia o desenvolvimento do sujeito, possibilitando seu acesso sistematizado à cultura produzida historicamente”.

Torna-se necessário então, além da participação da vida cultural, que esses alunos convivam com expectativas positivas, “com formas adequadas de comunicação e interação, com ajudas e trocas sociais diferenciadas, com situações de aprendizagem desafiadoras: solicitados a formular escolhas, pensar, resolver problemas, expressar sentimentos, desejos e tomar iniciativas.” (Bruno, 2001a, p.56).

As crianças com deficiências múltiplas podem necessitar de mais tempo para adquirir mecanismos de adaptação às novas situações, mas com uma boa mediação de professores e pais poderão criar estratégias de ação e pensamento; assim, poderão autorregular com ajuda seu comportamento e desenvolver a autonomia pessoal, social e intelectual.

Dessa forma, a primeira etapa de educação de crianças com múltipla deficiência consiste na crença de que todas as crianças são capazes de aprender, não importando o grau de severidade da deficiência. “A educação deveria ser individualizada para focalizar o desenvolvimento das capacidades únicas de cada criança. Essa educação deveria ser desenvolvida no contexto com outras crianças para promover as relações sociais e de amigos”. (Masini, 2002, p.117).

A inclusão de alunos com deficiência múltipla na educação infantil


Algumas reflexões:

A inclusão de alunos com deficiência múltipla que apresentam necessidades educacionais acentuadas é um fato relativamente recente e novo na educação brasileira. É natural que a escola, educadores e pais se sintam receosos e apreensivos com relação à possibilidade de sucesso nessa tarefa.

São muitas as dúvidas que assaltam a todos: será que crianças com tantas dificuldades podem se beneficiar do sistema comum de ensino? Podem obter sucesso em classes regulares com professores não especializados? Como são elas? De que gostam? Como agem? Como podem brincar com as demais crianças? Como podem aprender? Como professor, o que posso fazer para ajudá-las nesse processo?

Quando a escola recebe, pela primeira vez, uma criança com discrepâncias significativas no processo de desenvolvimento e aprendizagem em relação aos demais alunos da mesma faixa etária é natural que muitas dúvidas surjam. O professor, geralmente, sente-se ansioso e temeroso diante de nova situação para a qual não se encontra preparado. Inicialmente, alguns professores pensam ser necessário se especializarem para poderem melhor atender o aluno com necessidades educativas especiais.

Com a convivência, a experiência e ajuda de profissionais especializados e da família, o professor verifica que o processo de inclusão não é tão difícil como parecia. Boa parte dos alunos com múltipla deficiência adapta-se muito bem às creches. Essas crianças se sentem felizes por poderem participar da vida, conviver e brincar com outras crianças. Isso é perfeitamente possível, desde que o professor seja orientado e ajudado na tarefa pedagógica.

As situações devem ser cuidadosamente planejadas e as atividades ajustadas e adaptadas para que atendam às necessidades específicas desses alunos.

Hoje, é indiscutível o benefício que traz, para qualquer criança, independentemente de sua condição física, intelectual ou emocional, um bom programa de educação infantil do nascimento aos seis anos de idade. Efetivamente, esses programas têm por objetivos o cuidar, o desenvolvimento das possibilidades humanas, de habilidades, da promoção da aprendizagem, da autonomia moral, intelectual e, principalmente, valorizam as diferentes formas de comunicação e de expressão artística.

O mesmo Referencial curricular nacional para a educação infantil (BRASIL, 1998) recomendado para as outras crianças é essencial para estas com alterações significativas no processo de desenvolvimento e aprendizagem, pois valoriza: “o brincar como forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil, e a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma.”

Para que esses princípios se concretizem, torna-se fundamental a elaboração, por toda comunidade escolar, de um projeto pedagógico de inclusão contando com a participação efetiva dos pais, profissionais ou instituições especializadas que realizam o atendimento complementar, tendo em vista a avaliação das necessidades educacionais específicas desses educandos para as adaptações e complementações curriculares que se fizerem necessárias.

O olhar do outro

Jairo Marques - Folha de São Paulo - Cotidiano

Com o tempo, a gente consegue decodificar esse olhar [compadecido] em segundos e é chato, chato
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É "DI CERTEZA", como diz um velho amigo meu, que o que mais aporrinha nessa história de viver montado numa cadeira de rodas nem é a falta de rampas, os banheiros estreitos, a falta de sinalização em braile, pois tudo isso, martelando firme, o tempo há de trazer.

Mas aqueles olhares que parecem dizer "Quem botou essa pessoa aqui? O que eu faço com isso? Ele fugiu do hospital?", esses sim enchem o saco e machucam o coraçãozinho do povo mal-acabado das pernas, dos braços, dos olhos, dos ouvidos e da maquinaria em geral.

Certa vez, eu aguardava para fazer uma entrevista na antessala do gabinete de um ex-governador e manobrista de peixeira, quando o homem surgiu e me fuzilou com um olhar daqueles bem distantes do lirismo da famosa poesia do Vinicius de Moraes. "Manda esse menino para a Assistência Social, o que ele veio fazer aqui?", disse o então mandatário para um assessor.
Ter algum tipo de deficiência é conviver quase o tempo todo com uma roupa de palhaço de circo de pobre -sem nenhum glamour, mas que resolve. Claro que, como prega aquele lugar-comum, "tudo que é diferente chama a atenção", mas acontece que o olhar que nos dirigem é carregado de significados além da curiosidade pura e simples.

Também não estou tratando daqueles "oooolha, mãe", disparados pela criançada no shopping ou na rua quando veem um cadeirante. Aqueles que os pais, mais do que depressa, tentam erroneamente disfarçar ou punir. Nesses casos, o que constrói um novo pensamento é mostrar pra molecada que existem pessoas com características físicas ou sensoriais diversas no mundo.
Falo do olhar compadecido, de incômodo, de estorvo, de café com leite para tudo e para qualquer coisa, de incapaz. Com o tempo, a gente consegue decodificar esse olhar em segundos e é chato, chato.

Imagino, com certa convicção, que os autores desses olhares não saibam que, na maioria das vezes, conseguimos "ouvir" suas intenções com clareza, afinal, podem ser anos de prática. E também imagino que podem não saber que uma pessoa com deficiência pode ter uma vida absolutamente comum, com apenas algumas adaptações.

No sábado, um dos mais importantes movimentos pela inclusão no país, o "Superação", vai agitar suas bandeiras por mais acessibilidade, a partir das 11h, em uma passeata que sairá da praça da República, no centro de São Paulo.

Tomara que os olhares lançados sobre o povo que não anda -ou que anda meio atrapalhado-, que puxa cachorro-guia -ou que é guiado por uma bengala-, sejam de incentivo pela participação no ato, sejam de solidariedade na batalha por um mundo mais acessível, sejam de aprovação para a "teimosia" de querermos ser iguais.

Lá no blog, está rolando um concurso cultural "maraviwonderful" que vai premiar com uma "handbike" (uma bicicleta que é pedalada com as mãos!) o leitor que for mais criativo. Aí é que vão olhar mesmo esse povo abatido pela guerra!

O lance é inventar uma resposta para a pergunta que está detalhada lá no "Assim como Você", que pode ser dada com uma frase, um vídeo, um desenho, uma ilustração. As inscrições vão até o dia 15 de dezembro.

assimcomovoce.folha.blog.uol.com.br

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Abordagens teóricas para crianças com deficiência física em decorrência da paralisia cerebral


É hoje consensual, de acordo com os grandes teóricos do desenvolvimento humano, que a ontogênese e a socialização estão fundidas na realização do ser humano. A ontogênese traduz o conjunto de transformações embrionárias e pós-embrionárias pelas quais passa o organismo vertebrado desde a fase do ovo até a forma adulta (GOULD, 1977).

Duas correntes teóricas no interacionismo, a elaborada por Piaget e seus seguidores e a defendida por teóricos soviéticos, em especial Vygotsky, dão sustentação aos referenciais teóricos analisados e apropriados quanto à solicitação da criança com deficiência física.

Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo da criança ocorre por meio de constantes desequilíbrios e equilibrações. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica na criança ou a mudança de alguma característica do meio ambiente, por mínima que seja, provoca a ruptura do estado de repouso - da harmonia entre o organismo e o meio - causando um desequilíbrio. São dois os mecanismos acionados para alcançar um novo estado de equilíbrio.

O primeiro recebe o nome de assimilação e o outro, acomodação. Piaget ainda divide a fase de desenvolvimento em dois períodos: período da inteligência sensorial-motora, que vai do nascimento até os dois anos de idade (constituído de seis estágios), e período pré-operacional, compreendido entre dois e sete anos de idade.

No interacionismo proposto por Vygotsky encontramos uma visão de desenvolvimento baseada na concepção de um organismo ativo, cujo pensamento é construído paulatinamente num ambiente que é histórico e, em essência, social. Nessa teoria é dado destaque às possibilidades que a criança dispõe a partir do ambiente em que vive. O pensamento infantil, amplamente guiado pela fala e pelo comportamento dos mais experientes, gradativamente adquire a capacidade de se auto-regular. Para Vygotsky o processo de formação do pensamento é, portanto despertado e acentuado pela vida social e pela constante comunicação que se estabelece entre crianças e adultos, a qual permite a assimilação da experiência de muitas gerações.

A inclusão de crianças com deficiência cresce e muda a prática das creches e pré-escolas


O número de crianças com algum tipo de deficiência na rede regular de ensino do País cresce a cada ano. O impacto da política de inclusão na educação infantil pode ser medido pelo crescimento das matrículas entre 2002 e 2006. O crescimento não é casual, mas resultado da mobilização da sociedade brasileira. A Constituição Brasileira de 1988 garante o acesso ao ensino fundamental regular a todas as crianças e adolescentes, sem exceção, e deixa claro que a criança com necessidade educacional especial deve receber atendimento especializado complementar, de preferência dentro da escola. A inclusão ganhou reforços com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e com a Convenção da Guatemala, de 2001, que proíbem qualquer tipo de diferenciação, de exclusão ou de restrição baseadas na deficiência das pessoas.

Segundo Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, procuradora da República responsável pelos direitos do cidadão no Estado de São Paulo, no biênio 2002–2004, “o acesso das pessoas com deficiência ao ensino formal é garantido até pela legislação penal, pois o artigo 8o, da Lei no 7.853/89, prevê como crime condutas que frustram, sem justa causa, a matrícula de aluno com deficiência”. Sendo assim, a exclusão é crime.

Alunos com deficiência do Ensino Infantil


O conceito de educação infantil como direito social é relativamente recente na realidade educacional brasileira, pois as crianças, do nascimento aos seis anos de idade, adquiriram, com a Constituição Federal de 1988, o direito de serem educadas em creches e pré-escolas na sua comunidade. O caráter reducionista do assistencialismo voltado para a prevenção da carência ambiental, da doença, da fome como forma de compensar as mazelas sociais vem assim, gradativamente, sendo rompido. É um avanço na educação e que paulatinamente vem sendo adotado no Brasil.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/96) e o Referencial curricular nacional para a educação infantil (BRASIL, 1998) representam um grande avanço conceitual, colocando a educação infantil como primeira etapa da educação básica. Esta tem por finalidade o desenvolvimento integral de “todas” as crianças, do nascimento aos seis anos (art.58), inclusive crianças com deficiência, promovendo seus aspectos físico, psicológico, social, intelectual e cultural.

Dessa forma, a educação infantil enfrenta hoje um grande desafio: a inclusão de alunos com deficiência nas creches e pré-escolas. Compreendemos que essa nova situação − a construção do conhecimento de alunos que apresentam níveis e possibilidades diferentes tem trazido para o professor muita ansiedade, medo e alguns questionamentos.
Entretanto, os caminhos e formas para implementar projetos e ações práticas contemplando as necessidades específicas e educativas que garantam uma educação verdadeiramente inclusiva já começam a ser debatidos e construídos por muitas escolas e professores. Esse papel social deve ser desempenhado pela escola e assumido integralmente pelos órgãos competentes pelas ações nos Municípios para garantir o acesso, a permanência e a qualidade da educação oferecida a todas as crianças na educação infantil.

A educação e os cuidados na infância são amplamente reconhecidos como fatores fundamentais do desenvolvimento global da criança, o que coloca para os sistemas de ensino o desafio de organizar projetos pedagógicos que promovam a inclusão de todas as crianças. Não é mais possível pensar a escola como um ambiente para algumas crianças, todos devem estudar compreendendo que a diversidade humana é fator dominante na humanidade, e isso deve ser incentivado no começo da vida escolar, ou seja, na Educação Infantil.

No âmbito da educação infantil e especial, a democratização do ensino traz consigo o conceito de educação como direito social, passando do modelo médico do cuidar, do clínico e terapêutico para a abordagem social e cultural que valoriza a diversidade como forma de aprendizagem, de fortalecimento e modificação do ambiente escolar e da comunidade para a promoção da aprendizagem. Nesse enfoque sociológico, o meio, o ambiente inadequado e a falta de condições materiais são também fatores produtores de limitação e determinantes do fracasso escolar.

“O termo necessidades educacionais especiais refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem. As escolas têm de encontrar maneira de educar com êxito todas as crianças, inclusive as que têm deficiências graves.” (BRASIL, 1994)

Observa-se, nesse conceito, uma mudança de foco, que deixa de ser a deficiência e passa a centrar-se no aluno e no êxito do processo ensino e aprendizagem, para o qual o meio ambiente deve ser adaptado às necessidades específicas do educando, tanto no contexto escolar e familiar, como no comunitário.

domingo, 28 de novembro de 2010

Inclusão e diversidade - algumas considerações

Conceito de Diversidade

O conceito de diversidade, como afirma Sacristán (2002), está relacionado com as aspirações dos povos e das pessoas à liberdade para exercer sua autodeterminação. Está ligado ainda à aspiração de democracia e à necessidade de administrar coletivamente realidades sociais que são plurais e de respeitar as liberdades básicas. A diversidade é também vista como uma estratégia para adaptar o ensino aos estudantes.

No contexto das políticas públicas educacionais, a diversidade surge como uma questão de direito, constituindo uma forma de entender a educação, ao tempo em que alimenta os seus objetivos, a organização das instituições escolares e a estrutura do próprio sistema de ensino. A diversidade age no sentido de orientar e organizar a prática educativa, dotando-a de conteúdos e de uma visão critica para entender a cultura, a sociedade e os vínculos sociais que a constroem. A diversidade é, pois, uma cultura que a educação é solicitada a tornar possível.

Considerações importantes sobre inclusão

De certo que a inclusão se concilia com uma educação para todos e com um ensino especializado no aluno, mas não se consegue implantar uma opção de inserção tão revolucionária sem enfrentar um desafio ainda maior: o que recai sobre o fator humano. Os recursos físicos e os meios materiais para a efetivação de um processo escolar de qualidade cedem sua prioridade ao desenvolvimento de novas atitudes e formas de interação, na escola, exigindo mudanças no relacionamento pessoal e social e na maneira de se efetivar os processos de ensino e aprendizagem. Nesse contexto, a formação do pessoal envolvido com a educação é de fundamental importância, assim como a assistência às famílias, enfim, uma sustentação aos que estarão diretamente implicados com as mudanças é condição necessária para que estas não sejam impostas, mas imponham-se como resultado de uma consciência cada vez mais evoluída de educação e de desenvolvimento humano. (Maria Teresa Égler Mantoan, doutora em educação e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade - LEPED/Unicamp).

Assim o corpo docente deve dialogar com os alunos com deficiência, respeitando-o como cidadão capaz de tomar suas próprias decisões.

sábado, 27 de novembro de 2010

Educação inclusiva na prática


O mundo caminha para a construção de uma sociedade cada vez mais inclusiva. Sinais desse processo de construção são visíveis com frequência crescente, por exemplo, nas escolas, na mídia, nas nossas vizinhanças, nos recursos da comunidade e nos programas e serviços.

Muitos países já adotaram a abordagem inclusiva em suas escolas e o Brasil já começou a buscar o seu caminho, mesmo com pouca ajuda técnica ou financeira, porém com grande determinação por parte de muitos diretores, professores e pais, assim como do Governo Federal (através da Secretaria de Educação Especial, do Ministério da Educação), de Secretarias Estaduais (por exemplo, Goiás) e Municipais de Educação, além de muitas escolas particulares em inúmeras regiões do País.

Os resultados ainda são pequenos, porém crescentes e animadores. A cada dia que passa, fico sabendo de mais um grupo de pessoas neste imenso país desejando conhecer e aplicar a filosofia e a metodologia da inclusão escolar, partindo do pressuposto de que todos os jovens e as crianças, com ou sem deficiência, têm o direito de estudar juntos para crescerem como cidadãos felizes e capazes de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade. É bastante visível o crescente movimento inclusivista, alimentado pela adesão de setores da sociedade (escolas, associações, empresas, órgãos governamentais, instituições especializadas, mídia etc.) aos princípios da inclusão social.

Quando os princípios da educação inclusiva são corretamente implementados, surgem os seguintes resultados imediatos:

 As escolas regulares estão se transformando em unidades inclusivas enquanto escolas especiais vão se tornando centros de apoio e capacitação para professores, profissionais e demais componentes dos sistemas escolares.

 Estão sendo tomadas as mais diversas medidas de adequação dos sistemas escolares às necessidades dos alunos, nas seis dimensões de acessibilidade. Acessibilidade arquitetônica: sem barreiras ambientais físicas em todos os recintos internos e externos da escola e nos transportes coletivos. Acessibilidade comunicacional: sem barreiras na comunicação interpessoal (face-a-face, língua de sinais, linguagem corporal, linguagem gestual etc.), na comunicação escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila etc., incluindo textos em braile, textos com letras ampliadas para quem tem baixa visão, notebook e outras tecnologias assistivas para comunicar) e na comunicação virtual (acessibilidade digital). Acessibilidade metodológica: sem barreiras nos métodos e técnicas de estudo (adaptações curriculares, aulas baseadas nas inteligências múltiplas, uso de todos os estilos de aprendizagem, participação do todo de cada aluno, novo conceito de avaliação de aprendizagem, novo conceito de educação, novo conceito de logística didática etc.), de ação comunitária (metodologia social, cultural, artística etc. baseada em participação ativa) e de educação dos filhos (novos métodos e técnicas nas relações familiares etc.). Acessibilidade instrumental: sem barreiras nos instrumentos e utensílios de estudo (lápis, caneta, transferidor, régua, teclado de computador, materiais pedagógicos), de atividades da vida diária (tecnologia assistiva para comunicar, fazer a higiene pessoal, vestir, comer, andar, tomar banho etc.) e de lazer, esporte e recreação (dispositivos que atendam às limitações sensoriais, físicas e mentais etc.). Acessibilidade programática: sem barreiras invisíveis embutidas em políticas públicas (leis, decretos, portarias, resoluções, medidas provisórias etc.), em regulamentos (institucionais, escolares, empresariais, comunitários etc.) e em normas de um geral. Acessibilidade atitudinal: através de programas e práticas de sensibilização e de conscientização das pessoas em geral e da convivência na diversidade humana resultando em quebra de preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações.

 Aplicação da teoria das inteligências múltiplas na elaboração, apresentação e avaliação das aulas, fato que vem ampliando as formas de aprendizagem dos alunos e de ensino por parte dos professores, assim como as formas de relacionamento dos pais com seus filhos, as relações de amizade e de estudo entre os alunos etc.

 Incorporação dos conceitos de autonomia, independência e empoderamento nas relações entre todas as pessoas que compõem cada comunidade escolar.

 Práticas baseadas na valorização da diversidade humana, no respeito pelas diferenças individuais, no desejo de acolher todas as pessoas (princípio da rejeição zero), na convivência harmoniosa (princípio da cooperação e colaboração), na participação ativa e central das famílias e da comunidade local em todas as etapas do processo de aprendizagem e, finalmente, na crença de que qualquer pessoa, por mais limitada que seja em sua funcionalidade acadêmica, social ou orgânica, tem uma contribuição significativa a dar a si mesma, às demais pessoas e à sociedade como um todo.

Após conhecer a inclusão, não consigo imaginar a volta da sociedade para práticas não-inclusivas. Felizmente, a inclusão é um processo mundial irreversível. Veio para ficar e multiplicar-se abrindo caminhos para a construção de uma sociedade verdadeiramente para todos, sem exceção sob nenhuma hipótese.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Companhia de engenharia de tráfego

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Acessibilidade


A acessibilidade é uma condição básica para a inclusão social das pessoas com deficiências. Numa sociedade em que cada vez mais estamos utilizando modernas tecnologias de informação e de comunicação para estudarmos, informar-nos, trabalharmos e entreter-nos, acaba sendo prioritário para todos garantir a acessibilidade plena, inclusive para a Internet.

Em termos gerais, acessibilidade significa “garantir a possibilidade do acesso, da aproximação, da utilização e do manuseio de qualquer objeto”. Esta definição genérica caberia a qualquer pessoa, mas, no Brasil, esse conceito se associa mais diretamente às pessoas com deficiência.

Acessibilidade significa então a condição do indivíduo se movimentar, locomover e atingir um destino desejado, “dentro de suas capacidades individuais”, isto é, realizar qualquer movimentação ou deslocamento por seus próprios meios, com total autonomia e em condições seguras, mesmo que para isso precise se utilizar de objetos e aparelhos específicos.

É comum serem encontradas nas cidades brasileiras espaços que, pelas suas condições físicas, são inacessíveis para pessoas que possuam limitações em seus movimentos.

Constituem barreiras, isto é, definidas como “qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento, a circulação com segurança e a possibilidade de as pessoas se comunicarem ou terem acesso à informação” (Decreto nº 5.296/2004, artigo 8º, inciso II). As barreiras podem ser físicas, no interior das edificações ou nas vias públicas, ou técnicas, neste caso caracterizadas pela adoção de tecnologias que, pela dificuldade de sua compreensão, impeçam o acesso.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Aspectos relevantes sobre os direitos da Pessoa com Deficiência


No nosso país, temos inúmeros instrumentos legais que asseguram os direitos das pessoas com deficiência, entre os quais abordaremos os que consideramos mais relevantes, os quais certamente foram influenciados pelo texto da Constituição Federal Brasileira de 1988 que estabelece:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

A lei, portanto, configura-se como importante ferramenta de inclusão social da pessoa com deficiência no contexto maior da sociedade. A Constituição Federal, objeto de um Congresso Nacional democraticamente eleito em 1986 legitima e inicia um novo processo de igualdade e equidade na inclusão. A partir dela outras leis foram sendo criadas com o intuito de construir uma sociedade mais justa e fraterna.

A Lei 7853/89 que muitos desconhecem, foi fundamental porque foi criada logo após o advento da Constituição, com a finalidade de garantir às pessoas com deficiência a sua integração social. O documento tem como normas gerais assegurar o pleno exercício dos direitos básicos desse grupo social, incluindo o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer e à previdência social.

O avanço na legislação deveria representar um avanço na inclusão de pessoas com deficiência nos sistemas educacionais assim como – se considerado os textos legais – o acesso, a permanência e o sucesso escolar do corpo discente com deficiência deveriam estar representados no panorama educacional atual.

Todavia, apesar de todo o arsenal legislativo, a realidade e os dados disponíveis revelam que, para a grande maioria da população, as leis e os procedimentos legais não são conhecidos e, consequentemente, os direitos das pessoas com deficiência continuam sendo violados de inúmeras formas.

Como resultado de tal estado da arte, as crenças e mitos sobre as ‘incapacidades’ das pessoas com deficiência continuam a perpassar o cotidiano escolar e a se manifestar na forma de discriminações que geram a exclusão daqueles que, a muito custo, conseguiram romper as barreiras de acesso à escolarização. Assim, é necessário e urgente conhecer como a discriminação se materializa no contexto escolar.

Se considerarmos hoje a diversidade de origem social, diversidade de deficiências e habilidades de qualquer ser humano, estaremos em condições de compreender e aceitar as características humanas e pessoais de cada um, as características culturais e econômicas, e outras. Compreenderemos que todos/as somos diferentes uns dos outros e começaremos, então, a ser capazes de aceitar as pessoas com deficiências em sua plenitude, sem discriminá-las.

Dessa forma, a promoção e defesa dos direitos das crianças, assim como as
medidas de proteção às crianças, jovens e adultos com deficiência devem se constituir meta governamental e estar no centro da agenda das políticas públicas (federal, estadual e municipal), dos projetos políticos pedagógicos das escolas e das missões de organizações do terceiro setor.

Vítimas de discriminação ao longo da história da humanidade e de suas vidas, as pessoas com deficiência - diferentemente do que se acredita - possuem clara visão acerca da discriminação, preconceito e tratamento desigual que sofrem nas organizações escolares em qualquer nível e modalidade educacional.

Evidentemente, as pessoas com deficiência e suas famílias se ressentem das
experiências de discriminação e, sozinhos, buscam formas para a superação
das barreiras que encontram no cotidiano, as quais são, em grande parte, geradas exatamente por aquele(a)s que deviam protegê-los: pais e mães, gestore(a)s, educadore(a)s, docentes, colegas e familiares de seus colegas.

No atual momento histórico da educação brasileira, embora a legislação garanta os direitos das pessoas com deficiência à educação e muito se digladia sobre a inclusão educacional no Brasil, a maioria dos educadore(a)s ainda não possui clareza conceitual sobre o que inclusão quer dizer na esfera do cotidiano escolar e ainda não possui conhecimentos relevantes e consistentes acerca dos direitos humanos e dos direitos das pessoas com deficiência, que como vimos, hoje representa um amplo conjunto de dispositivos legais e diretrizes.

Nesse contexto, a educação, a escola, os educadores, em parcerias efetiva com as famílias de estudantes com deficiência e com os próprios estudantes sem deficiência, passam a constituir elementos chave no combate a todas as formas de discriminação, à violência e à violação dos direitos desse grupo social no contexto educacional. Na condição de elementos-chave, os educadores devem se transformar em agentes de proteção de alunos e alunas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade na escola. Nesse papel, os educadores devem se comprometer com a identificação, a busca de soluções e a remoção das situações que geram tal vulnerabilidade, ao mesmo tempo em que asseguram sua educação em condições igualitárias.

Dessa forma, a aquisição de conhecimentos sobre os direitos humanos, os direitos da criança e os direitos das pessoas com deficiência é crucial para que compreendam a extensão, o valor e a importância de seu papel como agentes de proteção e promoção dos direitos humanos no contexto educacional.

O combate à discriminação de pessoas com deficiência no espaço escolar só será possível através de ações pedagógicas participativas, que privilegiem as vozes daqueles que as experienciam: os próprios estudantes e suas famílias.

Essas ações devem ter como objetivo a conscientização da comunidade escolar e o seu envolvimento como um todo no processo de construção da cultura inclusiva, a partir da qual todos os membros da comunidade passam a acreditar e compreender as razões pelas quais todos devem ser igualmente valorizados, reconhecidos como iguais, devem se apoiar mutuamente, colaborar entre si e, acima de tudo, devem encontrar as mesmas oportunidades de formação humana, de aprendizagem e de participação na vida escolar (incluindo a sala de aula e o acesso ao currículo), a fim de poderem, no futuro, encontrar chances para se tornarem cidadãos ou cidadãs ativo(a)s e produtivo(a)s na vida adulta.

Conheça um pouco sobre o Sistema FM para pessoas com deficiência auditiva

Nem mesmo os aparelhos auditivos mais avançados são capazes de resolver todas as dificuldades causadas pela perda auditiva. Para amenizar isso, existe o sistema FM.


Nem mesmo os aparelhos auditivos mais avançados são capazes de resolver todas as dificuldades causadas pela perda auditiva. Mesmo para a pessoa que desfruta das inúmeras vantagens de um aparelho auditivo, certas situações podem dificultar a clareza no ouvir. Lugares com muito ruído ambiente e a distância da fonte sonora, por exemplo. O chamado ruído de fundo pode dificultar a compreensão e quanto maior a distância da fonte sonora, menor o volume de som ouvido. Para amenizar ao máximo esse tipo de problemas, existe o sistema FM.

O que é o sistema FM?

O sistema FM (transmissor de FM/receptor de FM) funciona, basicamente, como um microfone sem fio, que transmite o som diretamente para o ouvido. Um microfone (utilizado pela fonte sonora) capta o sinal desejado e o envia diretamente a um ou dois receptores (conectados ao aparelho auditivo). Com a amplificação adequada, o resultado é uma conexão clara e direta entre a fonte sonora e quem usa o aparelho; a voz é transmitida ao receptor como se quem está falando estivesse bem perto do ouvinte, sem a interferência do ruído de fundo e nem a diminuição do volume causada pela distância.

Por que utilizar o sistema FM nas escolas?

O ambiente de uma sala de aula apresenta dois problemas básicos para a criança que usa aparelho auditivo: o ruído de fundo e a distância entre o professor e o aluno. O ruído de fundo normal de uma sala de aula, que nem precisa ser alto, gera desconforto e dificuldade de compreensão. A distância entre o interlocutor e o ouvinte também agrava esses problemas, já que quanto maior a distância entre o professor e o aluno, menor será o volume de sua voz ouvido pela criança. O sistema FM é de fundamental importância porque elimina essas duas dificuldades na plena compreensão do que é falado, já que elimina o ruído e supera a perda de energia do som causada pela distância.

O sistema FM no mundo

Pesquisas apontam que o uso do sistema FM nas escolas tem trazido enormes benefícios às crianças com problemas auditivos. As crianças apresentam melhor desenvolvimento da linguagem e da fala, fundamentais no processo de aprendizado. Nos países em que o sistema FM é utilizado em sala de aula, a criança com deficiência auditiva apresenta menos cansaço depois das aulas, o que resulta em melhor desempenho nos estudos.

O sistema FM é atualmente a melhor tecnologia disponível para aprimorar a compreensão da fala em ambientes com acústica desfavorável. Nos países desenvolvidos o FM já é uma realidade e vem sendo recomendado pelos profissionais que trabalham com audiologia pediátrica como fundamental no desenvolvimento escolar de crianças com perda auditiva.

O Brasil e o suporte às pessoas com perda auditiva

O Governo brasileiro, através de um programa muito bem estruturado, a “Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva” (Portaria nº 2.073./2004 do Ministério da Saúde), financia aparelhos auditivos e implantes cocleares para deficientes auditivos, proporcionando assim qualidade de vida a pessoas que, devido às limitações impostas pela perda auditiva, muitas vezes se isolavam do convívio social e familiar. O programa foi um grande avanço social em prol dos deficientes auditivos, porém ainda não cobre os sistemas de FM.

Dos direitos do cidadão com deficiência

A educação consta como direito social garantido pelo artigo 6º da Constituição Federal e entende-se que, ao garantir a educação, está se garantindo também todos os mecanismos necessários para o aprendizado, no caso de pessoas com deficiência. No caso de pessoas com deficiência auditiva, principalmente as crianças em idade escolar, a utilização do sistema FM se encaixa perfeitamente no artigo 208, que estabelece:

“O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) Inciso III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;(...)”

No artigo 17 da Lei nº 10.098 fica estabelecido claramente que:

“O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.”

Fonte: www.adap.org.br

A questão étnico-racial na educação do país

TENDÊNCIAS/DEBATES - Jornal Folha de São Paulo

ANTONIO CARLOS C. RONCA, FRANCISCO APARECIDO CORDÃO e NILMA GOMES

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É preciso considerar quem são os leitores e que efeitos de sentidos, usos e funções serão atribuídos a uma determinada obra literária na atualidade
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O Conselho Nacional de Educação (CNE) tem função normativa e é sua atribuição, como órgão de Estado, pronunciar-se sobre temas relativos à educação nacional. A questão étnico-racial é um desses temas.

Recentemente, a Câmara de Educação Básica (CEB) aprovou, por unanimidade, o parecer CNE/CEB nº 15/2010, com orientações quanto às políticas públicas para uma educação antirracista, no qual faz referência ao livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato.

O referido parecer foi elaborado a partir de denúncia recebida, e no seu posicionamento apresenta ações e recomendações; dentre estas, reafirma os critérios anteriormente definidos pelo MEC para análise de obras literárias a serem adotadas no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).

Em nenhum momento a CEB cogitou a hipótese de impor veto a essa obra literária ou a outra similar, impondo qualquer forma de censura, discriminação e segregação, seja com relação a grupos, segmentos e classes sociais, seja com relação às suas distintas formas de livre criação, manifestação e expressão.

O CNE entende que uma sociedade democrática deve proteger o direito de liberdade de expressão e, nesse sentido, não cabe veto à circulação de nenhuma obra literária e artística. Porém, essa mesma sociedade deve também garantir o direito à não discriminação, nos termos constitucionais.

Reconhecendo o importante valor literário da obra de Monteiro Lobato, especificamente do livro "Caçadas de Pedrinho", mas também sendo coerente com todos os avanços da legislação educacional brasileira, o parecer discute a presença de estereótipos raciais na literatura e apresenta sugestões e orientações ao MEC, à editora e aos que atuam na formação de professores.

Uma dessas orientações é a de que a editora tome o mesmo cuidado em relação à temática étnico-racial como o que já foi adotado em relação à questão ambiental no livro, sugerindo a inclusão, na apresentação, de uma nota de esclarecimento, a fim de contextualizar a obra, sem perder de vista o seu valor literário.

Mais do que focar a análise no autor em si, o que está em questão é colocar em pauta a necessária discussão sobre a temática étnico-racial na educação e sua efetivação como política pública.

O CNE está aberto ao debate. A repercussão do seu posicionamento revela o quanto ainda é preciso falar sobre a questão racial e discutir formas de superação do racismo e o quanto esse é um tema de interesse nacional.

Os receios, as ressalvas e os apoios feitos ao parecer são compreendidos pelo CNE, especialmente no que tange à necessidade de se contextualizar obras clássicas.

Entendemos que, assim como é importante o contexto histórico em que se produziu a obra, tão ou mais importante é o contexto histórico em que se produz a leitura dessa obra. É preciso considerar quem são os leitores e que efeitos de sentidos, usos e funções serão atribuídos a determinada obra na atualidade. A obra permanece, mas os leitores e a sociedade mudam.

É em função desse novo contexto que cabe, sim, interrogar em que condições a sociedade e, sobretudo, a escola lerão obras produzidas em momentos nos quais pouco se questionava o preconceito racial e o racismo. O propósito central do parecer e do CNE é, portanto, pautar a questão étnico-racial como tema relevante da educação nacional.

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ANTONIO CARLOS CARUSO RONCA é presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE).
FRANCISCO APARECIDO CORDÃO é presidente da Câmara de Educação Básica do CNE.
NILMA GOMES é a relatora do parecer nº 15 da Câmara de Educação Básica do CNE.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Pesquisa do Instituto Ethos e IBOPE Inteligência alerta para o descumprimento da lei de cotas para pessoas com deficiência

500 maiores empresas desvalorizam a diversidade e descumprem leis que garantem acesso a Pessoa com Deficiência

Apesar do discurso politicamente correto de valorização da responsabilidade social, parte significativa das 500 maiores empresas brasileiras ignoram completamente a inserção da diversidade entre seus quadros funcionais, fechando os olhos inclusive para o cumprimento de leis que garantem a presença de parte dessa diversidade, como a Lei de Cotas (lei 8.213/91) e a Lei do Aprendiz (lei 1097/2000). É o que se conclui a partir do relatório “Perfil, Social, Racial e Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas”.

Divulgado no último dia 11, o estudo foi elaborado pelo Instituto Ethos e pelo Ibope Inteligência, que tomaram como base os questionários respondidos pelas 500 empresas participantes do ranking da revista Exame. O estudo analisou os dados de 623.960 pessoas, entre homens e mulheres do quadro funcional, supervisão, gerência e quadro executivo das maiores empresas, no período de 24 de fevereiro a 18 de junho de 2010.

As respostas ao questionário expressam como mulheres, jovens, profissionais com mais 45 anos ou mais, negros e pessoas com deficiência vivem no ambiente de trabalho no interior dessas grandes empresas: relegados ao segundo plano.

Em relação às pessoas com deficiência, o relatório aponta: “É de 14,5% a porcentagem de pessoas com deficiência na população brasileira. É muito nítida, apesar disso, a sub-representação desses indivíduos em todos os níveis hierárquicos das empresas da amostra: 1,5% no quadro funcional, 0,6% na supervisão, 0,4% na gerência e 1,3% no executivo”.

Tal sub-representação fica ainda mais gritante quando ela é tratada também como desrespeito à Constituição Federal, que proíbe qualquer discriminação para admissão e remuneração em razão de deficiência e garante a reserva de vagas na administração direta e indireta às pessoas com deficiência. Além disso, a Lei de Cotas obriga a empresa com 100 ou mais empregados a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: até 200 empregados, 2%; de 201 a 500, 3%; de 501 a 1.000, 4%; e acima de 1.000, 5%.

Outro dado escandaloso é que 81% das empresas que compõem a amostra da pesquisa são aquelas que devem ter entre seu quadro de funcionários 5% de pessoas com deficiência, já que no total têm mais de mil funcionários, em atendimento à Lei de Cotas. Porém, parte considerável dessas empresas diz não ter medidas para incentivar a participação de pessoas com deficiência.

Ao mesmo tempo, permanece adotando o discurso politicamente correto, já que na lista de ações afirmativas desenvolvidas pelas empresas a manutenção de programa especial para contratação dessas pessoas está em primeiro lugar, com 81% de menções.

É preciso atentar também para as empresas que fogem a esse perfil, já que entre aquelas que participam do grupo das 500 maiores estão empresas que hoje são exemplos na inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, mostrando que é possível fazer diferente e o quanto se ganha com a presença da diversidade no ambiente corporativo.

Em relação ao jovem, a Lei do Aprendiz também é ignorada. A lei garante que as grandes e médias empresas contratem um número de aprendizes equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento cujas funções demandem formação profissional específica. O texto legal visa facilitar o ingresso do jovem no mundo do trabalho, como meio de transformar sua realidade pessoal e social. Não se trata apenas de gerar empregos, mas de permitir a formação profissional do jovem, sem comprometer a empregabilidade e os ganhos futuros.

Mas os empresários fecham os olhos a essa finalidade, já que o relatório demonstra que 43% de empresas contratam menos do que manda a lei. A parcela majoritária, de 54%, está na faixa exigida pela lei, sendo que a grande maioria de 83% das empresas dessa faixa, não excede o mínimo de 5%.

Chama atenção o abismo que há entre essa realidade e a interpretação que o presidente de cada uma das empresas tem sobre ela. A pesquisa também questionou especificamente os responsáveis pelas corporações para saber como compreendiam determinadas situações relacionadas com os resultados identificados no estudo. As respostas demonstram completa ignorância da realidade dos funcionários e do potencial proporcionado pela diversidade. Por exemplo, em resposta a pergunta: “Se a proporção de pessoas com deficiência está abaixo do que deveria, a que atribui?”, 73% respondeu o seguinte: “À falta de qualificação profissional de pessoas com deficiência para os cargos”

Em síntese, respostas como estas demonstram que a responsabilidade social é mais discurso para a mídia do que prática cotidiana na maior parte das 500 maiores empresas brasileiras.

Fonte: http://www.ecidadania.org.br/ (23/11/10)
Referência: Rede Saci

PRESSUPOSTOS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Ensinamentos do prof. Romeu Sassaki

1. Frente à diversidade do alunado, o objetivo da escolarização é o de capacitar todos os alunos para participarem ativamente em suas comunidades como cidadãos desde pequenos.

2. Em cada sala de aula inclusiva, há alunos que variam significativamente de seus colegas quanto a estilos de interação social, estilos de aprendizagem, ritmos de aprendizagem, combinação das inteligências múltiplas e formas de acesso aos ambientes de aprendizagem.

3. Os alunos não são problemas; eles são desafios às habilidades dos professores em encontrar respostas educativas às necessidades individuais dos alunos.

4. O fracasso escolar não é um fracasso pessoal dos alunos e sim um fracasso da escola em atender às necessidades desses alunos.

5. O ensino de qualidade é primordial e o esforço para atender às necessidades dos alunos que apresentam desafios específicos beneficia todos os alunos.

6. Na condição de pensadores críticos, os professores não precisam de receitas prontas e sim de habilidades para avaliar situações novas, desenvolver estratégias e encontrar respostas educativas às necessidades de cada aluno.

7. Os bons professores são capazes de definir, projetar, avaliar e refletir sobre soluções para os desafios das escolas inclusivas e salas de aula inclusivas.

8. O respeito pelos alunos e pelas suas contribuições e potencialidades individuais constitui uma das atitudes básicas do professor inclusivo.

9. É o aluno que produz o resultado educacional, ou seja, a aprendizagem.

10. Os professores, trabalhando de forma integrada como membros de equipe com outros profissionais, atuam no papel de facilitadores da aprendizagem dos alunos. Entre esses profissionais estão: pedagogos, psicólogos, psicopedagogos, intérpretes da língua de sinais, instrutores da língua de sinais e assistentes sociais.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A última grande lição e Escritores da liberdade

Vygotsky X Escritores da Liberdade

PARADIGMAS DA RELAÇÃO DA SOCIEDADE COM AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Parte final

Maria Salete Fábio Aranha
UNESP-Marília


O modelo de atenção adotado passou a se constituir de três etapas: a primeira, de avaliação, onde uma equipe de profissionais identifica o que, em sua opinião, necessita ser modificado no sujeito ou em sua vida, de forma a torná-lo o mais “normal” possível. A fase seguinte, conseqüência desta e a ela conseqüente, chamada de intervenção (ensino, treinamento, capacitação, etc..), onde profissionais passam a oferecer atendimento formal e sistematizado ao sujeito em questão, norteados pelos resultados e decisões tomados na fase anterior. À medida que os objetivos vão sendo alcançados e a equipe considera que a pessoa se encontra pronta para a vida independente na comunidade, efetiva-se a última fase, constituída do encaminhamento ou re-encaminhamento desta para a vida na comunidade.

Constata-se, assim, que embora se tenha passado a assumir a importância do envolvimento maior e mais próximo da comunidade no trato da integração de seus membros com deficiência, o objeto principal da mudança centrava-se, ainda, essencialmente, no próprio sujeito.

O paradigma da Institucionalização se manteve sem contestação por vários séculos. O paradigma de serviços, entretanto, iniciado por volta da década de 60, logo começou a enfrentar críticas, desta vez provenientes da academia científica e das próprias pessoas com deficiência, organizadas em associações e outros órgãos de representação.

Parte delas provenientes das dificuldades encontradas no processo de busca de “normalização” da pessoa com deficiência.Conquanto muitos alcançavam os objetivos de vida independente e produtiva, quando submetidos à prestação de serviços formalmente organizada na comunidade, muitos ainda mostraram que dificilmente se pode esperar que alcance uma aparência e um funcionamento semelhante aos não deficientes, devido às próprias características do tipo de deficiência e seu grau de comprometimento.

Outra crítica importante referia-se à expectativa de que a pessoa com deficiência se assemelhasse ao não deficiente, como se fosse possível ao homem o “ser igual” e como se ser diferente fosse razão para decretar a menor valia enquanto ser humano e ser social.

Inúmeros autores foram em busca de compreensão sobre as razões que determinam a desqualificação da pessoa com deficiência.

Dentre estas, tem-se a reflexão etológica, apontando que muitas espécies excluem aqueles que representam menor valor de sobrevivência para a espécie (lêmures, elefantes).

Tem-se ainda leitura da deficiência como uma condição social que embora aparentemente iniciada na consideração da diferença, é construída socialmente, a partir da reação de desvalorização, por parte da audiência social (Omote, 1995) Aranha (1995) propõe ser a deficiência uma condição social caracterizada pela limitação ou impedimento da participação da pessoa diferente nas diferentes instâncias do debate de idéias e de tomada de decisões na sociedade. A autora atribui o processo de desqualificação ao fato da pessoa com deficiência ser considerada, no sistema capitalista, um peso à sociedade, quando não produz e não contribui com o aumento do capital.

Em função de tal debate, a idéia da normalização começou a perder força. Ampliou-se a discussão sobre o fato da pessoa com deficiência ser um cidadão como qualquer outro, detentor dos mesmos direitos de determinação e usufruto das oportunidades disponíveis na sociedade, independente do tipo de deficiência e de seu grau de comprometimento.

De modo geral, passou-se a discutir que as pessoas com deficiência necessitam, sim, de serviços de avaliação e de capacitação, oferecidos no contexto de suas comunidades.

Mas também se começou a defender que estas não são as únicas providências necessárias, caso a sociedade deseje manter com essa parcela de seus constituintes uma relação de respeito, de honestidade e de justiça. Cabe também à sociedade se reorganizar de forma a garantir o acesso de todos os cidadãos (inclusive os que têm uma deficiência) a tudo o que a constitui e caracteriza, independente de quão próximos estejam do nível de normalidade.

Assim, cabe à sociedade oferecer os serviços que os cidadãos com deficiência necessitarem (nas áreas física, psicológica, educacional, social, profissional). Mas lhe cabe, também, garantir-lhes o acesso a tudo de que dispõe, independente do tipo de deficiência e grau de comprometimento apresentado pelo cidadão.

Foi fundamentado nestas idéias que surgiu o terceiro paradigma, denominado Paradigma de Suporte. Este tem se caracterizado pelo pressuposto de que a pessoa com deficiência tem direito à convivência não segregada e ao acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos. Para tanto, fez-se necessário identificar o que poderia garantir tais prerrogativas. Foi nesta busca que se buscou a disponibilização de suportes, instrumentos que viabilizam a garantia de que a pessoa com deficiência possa acessar todo e qualquer recurso da comunidade. Os suportes podem ser de diferentes tipos (suporte social, econômico, físico, instrumental) e têm como função favorecer o que se passou a denominar inclusão social, processo de ajuste mútuo, onde cabe à pessoa com deficiência manifestar-se com relação a seus desejos e necessidades e à sociedade, a implementação dos ajustes e providências necessárias que a ela possibilitem o acesso e a convivência no espaço comum, não segregado.

A inclusão parte do mesmo pressuposto da integração, que é o direito da pessoa com deficiência ter igualdade de acesso ao espaço comum da vida em sociedade. Diferem, entretanto, no sentido de que o paradigma de serviços, onde se contextualiza a idéia da integração, pressupõe o investimento principal na promoção de mudanças do indivíduo, na direção de sua normalização.

Obviamente que no paradigma de serviços também se atua junto a diferentes instâncias da sociedade (família, escola, comunidade).

Entretanto, isto se dá na maioria das vezes em complementação ao processo de intervenção no sujeito. A ação de intervenção junto à comunidade tem mais a conotação de construir a aceitação e a participação externa como auxiliares de um processo de busca de normalização do sujeito. Já o paradigma de suportes, onde se contextualiza a idéia da inclusão, prevê intervenções decisivas e incisivas, em ambos os lados da equação: no processo de desenvolvimento do sujeito e no processo de reajuste da realidade social. Conquanto, então, preveja o trabalho direto com o sujeito, adota como objetivo primordial e de curto prazo, a intervenção junto às diferentes instâncias que contextualizam a vida desse sujeito na comunidade, no sentido de nelas promover os ajustes (físicos, materiais, humanos, sociais, legais, etc..) que se mostrem necessários para que a pessoa com deficiência possa imediatamente adquirir condições de acesso ao espaço comum da vida na sociedade.

Embora se possa encontrar muitos equívocos devidos à insuficiente compreensão do conceito, contextualizado em seu processo histórico de construção, a grande diferença de significação entre os termos integração e inclusão reside no fato de que enquanto que no primeiro se procura investir no “aprontamento” do sujeito para a vida na comunidade, no outro, além de se investir no processo de desenvolvimento do indivíduo, busca-se a criação imediata de condições que garantam o acesso e a participação da pessoa na vida comunitária, através da provisão de suportes físicos, psicológicos, sociais e instrumentais.

A inclusão social, portanto, não é processo que diga respeito somente à pessoa com deficiência, mas sim a todos os cidadãos. Não haverá inclusão da pessoa com deficiência enquanto a sociedade não for inclusiva, ou seja, realmente democrática, onde todos possam igualmente se manifestar nas diferentes instâncias de debate e de tomada de decisões da sociedade, tendo disponível o suporte que for necessário para viabilizar essa participação.

Assim, que as pessoas com deficiência freqüentem os serviços que necessitem para seu melhor tratamento e desenvolvimento. Mas que a sociedade também se reorganize de forma a garantir o acesso imediato da pessoa, através da provisão das adaptações que se mostrem necessárias.

Não adianta prover igualdade de oportunidades, se a sociedade não garantir o acesso da pessoa com deficiência a essas oportunidades. Muitos são os suportes necessários e possíveis de imediato. Outros, demandam maior planejamento a médio e longo prazos. Todos, entretanto, devem ser disponibilizados, caso se pretenda alcançar uma sociedade justa e democrática.

Não há modelos prontos, nem receitas em manuais. A sociedade brasileira ainda precisa tornar sua prática consistente com seu discurso legal. Há que buscar soluções para a convivência na diversidade que a caracteriza, enriquece, dá sentido e significado.

Há que efetivamente favorecer a convivência e a familiaridade com as pessoas com deficiência, derrubando as barreiras físicas, sociais, psicológicas e instrumentais que as impede de circular no espaço comum.

O Brasil mantém ainda, no panorama de suas relações com a parcela da população representada pelas pessoas com deficiência, resquícios do paradigma da institucionalização total e uma maior concentração do paradigma de serviços. Em qualquer área da atenção pública (educação, saúde, esporte, turismo, lazer, cultura) os programas, projetos e atividades são planejados para pessoas não deficientes. Quando abertos para o deficiente são, em geral, desnecessariamente segregados e/ou segregatórios, deixando para a pessoa com deficiência ou sua família quase que a exclusividade da responsabilidade sobre o alcance do acesso.

Embora encontre-se na literatura brasileira divergência entre os autores sobre as concepções de integração e de inclusão, constata-se, a partir da revisão aqui feita, que o país continua centrando na pessoa com deficiência os motivos e razões para sua segregação e exclusão. Busca-se aqui, sim, a integração, através da oferta de serviços, na comunidade, que objetivam “melhorar” o nível da pessoa com deficiência. Muito distante se está, entretanto, da implementação das adaptações, disponibilização dos suportes e planejamento de ações que garantam o acesso imediato de todas as pessoas aos recursos e instâncias da vida em comunidade, tenham elas deficiência ou não, no nível e grau que for.

A inclusão social da criança especial no Brasil, portanto, é um projeto a ser construído por todos: família, diferentes setores da vida pública e população leiga. Necessita planejamento, experimentação, de forma a se identificar o que precisa ser feito em cada comunidade, para garantir o acesso das pessoas com deficiência do local e de outras comunidades aos recursos e serviços nela disponíveis. Não se instala por decreto, nem de um dia para o outro. Mas há que se envolver efetiva e coletivamente, caso se pretenda um país mais humano, justo e compromissado com seu próprio futuro e bem-estar.

A democratização da sociedade brasileira passa pela construção de efetivo respeito a essa parcela da população, que a duras custas procura conquistar um espaço ao qual, por lei, tem direito.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Brasil tem cerca de 60 cães-guia para 1,4 milhão de cegos, segundo ONGs

Filas de espera para receber animal são de tempo indeterminado. Trazer cachorros do exterior é alternativa para quem pode pagar.


A pessoa com deficiência visual que pensa em trocar a bengala por um cão-guia tem duas alternativas no Brasil: aguardar pacientemente na fila de espera de uma ONG por tempo indeterminado ou comprar o animal fora do país. O número reduzido de cães-guia no Brasil é um reflexo da dificuldade que existe para conseguir um animal treinado. Para se ter uma ideia, há 1,4 milhão de pessoas com deficiência visual no país, segundo o Conselho Brasileiro de Oftalmologia; e cerca de 60 cães-guia, segundo ONGs.

E entrar na fila do Projeto Cão-Guia da ONG Integra, em Brasília, foi a opção escolhida pelo assessor parlamentar Luciano Ambrosio Campos, de 40 anos, que tem uma doença hereditária que provocou a perda gradativa de sua visão. Após três anos de espera, em dezembro de 2008, ele conseguiu trocar a bengala pela cadela Mits, de 3 anos.

“Minha vida se divide em dois momentos, antes e depois da Mits. Com ela, o mundo cresceu. Tive um ganho de autonomia e de locomoção que não dá para comparar com o que tinha antes”, afirma Campos.

Uma das maiores vantagens do cão-guia em relação à bengala, segundo Campos, é a possibilidade de desviar de objetos acima do chão. “Com a bengala, você tem domínio de 1,5 metro à frente e não detecta um orelhão ou um galho de árvore. Já a Mits me protege de todos os riscos, não bato a cabeça nas coisas”, diz.

Em troca da proteção, Campos também faz sua parte e zela por Mits. Para que trabalhe perfeitamente, ela precisa seguir a rotina rígida, receber alimentos nos horários corretos, além de fazer visitas frequentes ao veterinário e, ao menos uma vez por ano, passar por uma reciclagem do treinamento.

Já o professor de ioga Elias Ricardo Diel, de 36 anos, passou quatro anos esperando por um cachorro até a chegada da cadela Winter, da Austrália. Ela foi trazida a pedido de Diel pelo treinador de cães Fabiano Pereira, que tinha viajado ao exterior para fazer um curso de especialização e poder iniciar o treinamento na Escola de Cães Guia Helen Keller, em Balneário Camboriú (SC).

“Eu precisava de mais independência e queria segurança para me locomover e poder construir uma vida melhor, com mais qualidade. Minha esperança era que Fabiano voltasse e treinasse um cão para mim, mas ele conseguiu trazer a Winter de lá”, afirma Diel, que está com a cadela há pouco mais de 1 ano.

Orientado por Pereira, o próprio Diel faz a reciclagem do treinamento de Winter. “Há comandos e alguns passos que ela precisa seguir para manter a disciplina. Senão, ela esquece e volta a ser um cão normal”, diz Diel.

Cego desde os 16 anos, quando sofreu um acidente de carro, Diel conta que a principal vantagem do cão-guia em relação à bengala é a integração social. “Winter é a minha maior relações públicas. As pessoas ficam apaixonadas por ela e conversam comigo. Com a bengala, alguém sempre pergunta se você precisa de ajuda, mas a conversa acaba aí. Todos saem da frente e não falam nada.”

Custo do treinamento

Em média, o treinamento demora dois anos e custa o equivalente a R$ 25 mil no Brasil. Os deficientes visuais cadastrados no Projeto Cão-Guia e na Escola de Cães-Guia Helen Keller não pagam pelo animal, mas precisam enfrentar a fila de espera de tempo indeterminado.

A coordenadora do Projeto Cão-Guia, Michele Pöttker, afirma que há cerca de 300 deficientes visuais na fila de espera da instituição. A ONG teria capacidade para entregar 25 cachorros por ano, mas, por falta de recursos, em 2009, preparou apenas quatro. No total, em nove anos, o projeto beneficiou 35 pessoas.

“A solução para treinarmos mais seria o apoio financeiro do governo ou de empresas. Estamos buscando parceiros para dar continuidade ao projeto”, diz.

A Escola de Cães-Guia Hellen Keller, que também é uma instituição filantrópica, espera entregar os primeiros animais treinados a partir de agosto de 2011.

Já quem tem dinheiro para adquirir um cão no exterior precisa pagar a viagem e os gastos do período de adaptação de cerca de um mês para integrar animal e dono, além do valor cobrado pelo bicho.

“É complicado e oneroso. Lá fora, os estrangeiros não são prioridade e também podem ficar anos esperando”, afirma Pereira. Ele ressalta que, no exterior, só o cachorro tem um valor médio simbólico de US$ 5 mil, sem contar as despesas de viagem.

Características para se tornar um cão-guia

Além de saúde perfeita, o animal tem que ser isento de agressividade para se tornar um cão-guia. Segundo Pereira, várias raças podem ser usadas na função, tais como boxer, dálmata e pastor-alemão, mas o que realmente importa é o temperamento. Por isso, 90% dos animais treinados são das raças labrador e golden retriever, reconhecidas como muito dóceis e trabalhadoras. “Quando o leigo vê um labrador, sabe que é um cão bonzinho.”

Assim como Diel, Pereira ressalta que o animal ajuda a inserir a pessoa com deficiência visual no convívio social. “O papel do cão-guia não é apenas locomover, mas ajudar a integrar o cego na sociedade. Se a pessoa tem um cachorro, outras naturalmente chegam perto e iniciam uma conversa. Com a bengala, o cego fica sempre excluído.”

Fonte: G1

O DIREITO À EDUCAÇÃO INCLUSIVA, SEGUNDO A ONU


Romeu Kazumi Sassaki, 2007.
Publicado em “A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada” (Brasília: Corde, 2007
)

Em 13 de dezembro de 2006, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. No Artigo 24, a Convenção trata do “direito à educação”.

A inclusão escolar é o processo de adequação da escola para que todos os alunos possam receber uma educação de qualidade, cada um a partir da realidade com que ele chega à escola, independentemente de raça, etnia, gênero, situação socioeconômica, deficiências etc. É a escola que deve ser capaz de acolher todo tipo de aluno e de lhe oferecer uma educação de qualidade, ou seja, respostas educativas compatíveis com as suas habilidades, necessidades e expectativas. Por sua vez, a integração escolar é o processo tradicional de adequação do aluno às estruturas física, administrativa, curricular, pedagógica e política da escola. A integração trabalha com o pressuposto de que todos os alunos precisam ser capazes de aprender no nível pré-estabelecido pelo sistema de ensino. No caso de alunos com deficiência (intelectual, auditiva, visual, física ou múltipla), a escola comum condicionava a matrícula a uma certa prontidão que somente as escolas especiais (e, em alguns casos, as classes especiais) conseguiriam produzir.

Inspirada no lema do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (“Participação Plena e Igualdade”), tão disseminada em 1981, uma pequena parte da sociedade em muitos países começou a tomar algum conhecimento da necessidade de mudar o enfoque de seus esforços. Para que as pessoas com deficiência realmente pudessem ter participação plena e igualdade de oportunidades, seria necessário que não se pensasse tanto em adaptar as pessoas à sociedade e sim em adaptar a sociedade às pessoas. Isto deu início ao surgimento do conceito de inclusão a partir do final da década de 80.

O termo ‘necessidades especiais’ não substitui a palavra ‘deficiência’, como se imagina. A maioria das pessoas com deficiência pode apresentar necessidades especiais (na escola, no trabalho, no transporte etc.), mas nem todas as pessoas com necessidades especiais têm deficiência. As necessidades especiais são decorrentes de condições atípicas como, por exemplo: deficiências, insuficiências orgânicas, transtornos mentais, altas habilidades, experiências de vida marcantes etc. Estas condições podem ser agravadas e/ou resultantes de situações socialmente excludentes (trabalho infantil, prostituição, pobreza ou miséria, desnutrição, saneamento básico precário, abuso sexual, falta de estímulo do ambiente e de escolaridade). Na integração escolar, os alunos com deficiência eram o foco da atenção. Na inclusão escolar, o foco se amplia para os alunos com necessidades especiais (dos quais alguns têm deficiência), já que a inclusão traz para dentro da escola toda a diversidade humana.

A seguir, parágrafos e letras do Artigo 24 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência serão mencionados entre colchetes após os comentários.

Em primeiro lugar, a Convenção defende um sistema educacional inclusivo em todos os níveis [§ 5]. Em suas linhas, percebemos que a educação inclusiva é o conjunto de princípios e procedimentos implementados pelos sistemas de ensino para adequar a realidade das escolas à realidade do alunado que, por sua vez, deve representar toda a diversidade humana. Nenhum tipo de aluno poderá ser rejeitado pelas escolas [§ 2, “a”]. As escolas passam a ser chamadas inclusivas no momento em que decidem aprender com os alunos o que deve ser eliminado, modificado, substituído ou acrescentado no sistema escolar para que ele se torne totalmente acessível [§ 1; § 2, “b” e “c”; § 5]. Isto permite que cada aluno possa aprender mediante seu estilo de aprendizagem e com o uso de todas as suas inteligências [§ 1, “b”]. Portanto, a escola inclusiva percebe o aluno como um ser único e ajuda-o a aprender como uma pessoa por inteiro [§ 1, “a”].

Para a Convenção, um dos objetivos da educação é a participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre [§ 1, “c”; § 3], o que exige a construção de escolas capazes de garantir o desenvolvimento integral de todos os alunos, sem exceção.

Uma escola em processo de modificação sob o paradigma da inclusão é aquela que adota medidas concretas de acessibilidade [§ 2, “d” e “e”; § 4]. Quem deve adotar estas medidas? Professores, alunos, familiares, técnicos, funcionários, demais componentes da comunidade escolar, autoridades, entre outros. Cada uma destas pessoas tem a responsabilidade de contribuir com a sua parte, por menor que seja, para a construção da inclusividade em suas escolas. Exemplos:

Arquitetura. Ajudando a remover barreiras físicas ao redor e dentro da escola, tais como: degraus, buracos e desníveis no chão, pisos escorregadios, portas estreitas, sanitários minúsculos, má iluminação, má ventilação, má localização de móveis e equipamentos etc. [§ 1; § 2, “b” e “c”].

Comunicação. Aprendendo o básico da língua de sinais brasileira (Libras) para se comunicar com alunos surdos; entendendo o braile e o sorobã para facilitar o aprendizado de alunos cegos; usando letras em tamanho ampliado para facilitar a leitura para alunos com baixa visão; permitindo o uso de computadores de mesa e/ou notebooks para alunos com restrições motoras nas mãos; utilizando desenhos, fotos e figuras para facilitar a comunicação para alunos que tenham estilo visual de aprendizagem etc. [§ 3, “a”, “b” e “c”; § 4]

Métodos, técnicas e teorias. Aprendendo e aplicando os vários estilos de aprendizagem; aprendendo e aplicando a teoria das inteligências múltiplas; utilizando materiais didáticos adequados às necessidades especiais etc. [§ 1; § 2; § 3 e § 4].

Instrumentos. Adequando a forma como alguns alunos poderão usar o lápis, a caneta, a régua e todos os demais instrumentos de escrita, normalmente utilizados em sala de aula, na biblioteca, na secretaria administrativa, no serviço de reprografia, na lanchonete etc., na quadra de esportes etc. [§ 3, “a” e “c”; § 4]

Programas. Revendo atentamente todos os programas, regulamentos, portarias e normas da escola, a fim de garantir a eliminação de barreiras invisíveis neles contidas, que possam impedir ou dificultar a participação plena de todos os alunos, com ou sem deficiência, na vida escolar [§ 1].
Atitudes. Participando de atividades de sensibilização e conscientização, promovidas dentro e fora da escola a fim de eliminar preconceitos, estigmas e estereótipos, e estimular a convivência com alunos que tenham as mais diversas características atípicas (deficiência, síndrome, etnia, condição social etc.) para que todos aprendam a evitar comportamentos discriminatórios. Um ambiente escolar (e também familiar, comunitário etc.) que não seja preconceituoso melhora a auto-estima dos alunos e isto contribui para que eles realmente aprendam em menos tempo e com mais alegria, mais motivação, mais cooperação, mais amizade e mais felicidade [§ 4].

domingo, 21 de novembro de 2010

Seus direitos

Leis vigentes que envolvem a questão da deficiência
Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001 - Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.

Resolução 95 de 21/11/2000 - Dispõe sobre o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas da rede estadual de ensino e dá providências correlatas.

Lei no. 10.845, de 5 de março de 2004 - Institui o Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência, e dá outras providências.

Qual é a legislação vigente para o Ensino Superior da pessoa com deficiência?

O Ministério da Educação, através da PORTARIA No 3.284, de 7 de novembro de 2003, publicou no Diário Oficial da União, em 07 de Novembro de 2003 onde "Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições".

O Ministro de Estado da Educação, considerando o disposto na Lei no 9.131,de 24 de novembro de 1995, na Lei no 9.394, d e 20 de dezembro de 1996, e no Decreto no 2.306, de 19 de agosto de 1997, e a necessidade de assegurar às pessoas com deficiência física e sensorial condições básicas de acesso ao ensino superior, de mobilidade e de utilização de equipamentos e instalações das instituições de ensino, resolveu determinar que sejam incluídos os instrumentos destinados a avaliar as condições de oferta de cursos superiores, para fins de sua autorização e reconhecimento e para fins de credenciamento de instituições de ensino superior, bem como para sua renovação, e, exigir os requisitos de acessibilidade a essas pessoas.

A Secretaria de Educação Superior deste Ministério estabelecerá os requisitos, tendo como referência a Norma Brasil 9050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que trata da Acessibilidade de Pessoas Portadoras de Deficiências e Edificações, Espaço, Mobiliário e Equipamentos Urbanos, que preconiza que Fomentar a criação de condições necessárias à eliminação das barreiras de comunicação em geral (de índole pedagógica / psicológica / didática/ social etc.) e também das barreiras arquitetônicas que obstem à integração social e escolar dos estudantes portadores de deficiência que freqüentam a Universidade, será o grande desafio das Instituições de Ensino Superior. Uma dívida flutuante de séculos, deverá, a partir de agora, ser liquidada.

Quais são os crimes previstos na Legislação Federal contra as pessoas com deficiência?

Segundo o artigo oitavo da Lei Federal 7.853/89, constitui crime punível com reclusão de um a quatro anos e multa:
a) Recusar, suspender, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, porque é pessoa com deficiência.

Como a pessoa com deficiência pode agir contra tais crimes?

Ela pode apresentar uma representação junto a uma delegacia de polícia, ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público Estadual e à Comissão de Direitos Humanos da OAB. Consulte nossa página sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

A pessoa com deficiência tem o direito à educação profissional previsto nas leis brasileiras?

Sim, o artigo 59, inciso IV, da Lei Federal 9394/96, e o artigo 28 do Decreto 3.298/99, asseguram o acesso à educação especial para o trabalho, tanto em instituição pública quanto privada.

Existe uma lei que regulamente o uso da LIBRAS nas escolas?

Sim, a Lei nº 4.857. Em seu primeiro artigo, ela reconhece como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais e outros recursos de expressão a ela associados. Já no quarto artigo, ela estabelece que "O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente".
Fonte: Rede Saci

sábado, 20 de novembro de 2010

Mitos e Pré-conceitos em Torno do Aluno com Deficiência na Escola Regular e na Escola Especial

Francisco Lima fala dos estigmas e preconceitos que envolvem o aluno com deficiência

Francisco Lima

Resumo

O presente artigo constitui o sumário de um conjunto de reflexões a respeito dos mitos e preconceitos que envolvem a pessoa com deficiência na escola, tanto aquela conhecida como comum ou regular, quanto a chamada “escola especial”. Sendo um sumário, alguns pontos serão apenas mencionados, outros precisarão de conhecimento prévio do leitor e outros ainda, de elucidação e aprofundamento. O texto não tem o objetivo de esgotar as possibilidades de olhares sobre o tema, mas apontar alguns olhares que professores, pais e os próprios sujeitos com deficiência nos trazem. Assim, este artigo compõe uma leitura desses olhares, sob a égide da teoria da inclusão e de nossa experiência enquanto profissional da educação e da psicologia. É uma missiva, mais que um artigo técnico, visto que pretende servir de base para nossa palestra a respeito do tema e não um artigo científico para uma revista especializada. É importante, portanto, que não seja visto como um receituário de sugestões, nem como a única face de nosso sistema educacional e nem como um mero “atirar para todos os lados”. Pelo contrário, o presente texto deve ser tido e entendido como um alerta aos gestores da educação, em todos os níveis, e servir como um conjunto de “provocações”, ‘denúncias” e “cobranças” para a reflexão daqueles que se dizem inclusivos, ou que defendem a inclusão, mas que, em seus atos, desdizem teórica e praticamente os preceitos dos quais alegam ser partidários.

Mitos e Pré-conceitos em Torno do Aluno com Deficiência na Escola Regular e na Escola Especial
1- O preconceito para com os alunos com deficiência e a resistência em educá-los é atual e internacional.

2- Não há inclusão se não houver transformação e não há inclusão plena se a transformação não for contínua, consciente e concreta.

3- A inclusão não é uma mera teoria da moda, mas uma atitude de vida; uma expressão de sociedade e cidadania; uma compreensão de que todos os seres humanos são humanos e como tais devem ser tratados e respeitados; enfim, é um caminho para o sempre, para o infinito, para o eterno transformar do aqui e agora.

Introdução

Ao iniciarmos nossa apresentação, gostaríamos de oferecer algumas das fundações sobre as quais estaremos construindo nossas reflexões.

Assim, tomemos como primeira fonte de sustentação para nossa fala o significado de direitos humanos e pessoas humanas.

Aqui entenderemos direitos humanos, no seu sentido mais amplo, no sentido daquilo que cada um, ao olhar para dentro de si, sente como sendo o direito do conjunto de todas as pessoas, isto é, da humanidade: o direito à vida (o direito de ter e manter a vida); o direito à saúde (alcançar, ter e manter a saúde mental, física e psicológica); o direito ao trabalho (ter um emprego, preservar as condições de o manter, ser pago dignamente pelo trabalho feito); o direito à educação (ter acesso à escola e à educação com qualidade, ter condições de igualdade na aprendizagem, ter respeitado seu tempo e modo de adquirir e manifestar conhecimento e ser reconhecido no seu conhecimento manifesto ou adquirido); o direito ao lazer (ter acesso digno, respeitoso e com freqüência ao lazer e aos locais de lazer, sem restrições ou tutelas de outrem).

A pseudo-redundância da expressão “pessoa humana” se faz necessária, visto que nem todas as pessoas, no modelo social em que vivemos, são tratadas como humanos. Pelo contrário, há bem mais pessoas sendo tratadas como algo menos que animal que como humanos dotados dos direitos anteriormente mencionados.

Referimo-nos aos muitos alunos com deficiência, a quem é negado o direito à educação por diretores, coordenadores de curso, donos de escolas, professores, tutores legais, pais etc., por acharem que são eles que devem decidir a respeito da vida das pessoas com deficiência. E fazem isso, sob o argumento pueril de que “será melhor para o aluno com deficiência.”!

Referimo-nos como “pessoas humanas” àquelas muitas pessoas com deficiência a quem é negado o direito à saúde porque orientações religiosas, arcaicas e torpes, (fora do e infiltradas no meio científico) coíbem, dificultam impedem avanços científicos capazes de evitar, curar e impedir o agravamento de doenças e de outros quadros graves à saúde humana.

Referimo-nos como “pessoas humanas” àqueles muitos trabalhadores que, por conta de uma deficiência são “retirados” de seus empregos porque donos de empresas, médicos do trabalho e outros personagens de RH pensam que uma pessoa com deficiência perde sua eficiência quando perde um de seus sentidos ou uma parte de seu corpo, ou porque teve ou tem uma doença mental, ou ainda, porque tem uma deficiência mental.

Referimo-nos como “pessoas humanas” àquelas muitas pessoas a quem o direito ao lazer é denegado por donos de área de lazer, para quem seus parques aquáticos, seus “playcenters” etc. não estão preparados para “receber” pessoas com deficiência; referimo-nos como “pessoas humanas”, àquelas muitas pessoas com deficiência a quem os hotéis, centro de convenções, restaurantes, teatros, cinemas, órgãos de gerência municipal, estadual ou federal desrespeitam, negam, passam por cima do direito dessas pessoas de ir e vir para o trabalho, para escola para os estabelecimentos de saúde e de lazer, porque não tornam seus espaços físicos, acessíveis.

Referimo-nos como “pessoas humanas” aquelas muitas pessoas com deficiência a quem médicos e demais profissionais da saúde, da educação, da justiça, dos poderes legislativos e executivos maltratam, destratam, ou tratam mal, porque simplesmente desconsideram essas pessoas como sendo dignas de respeito, visto que, para eles, essas pessoas são “deficientes”, “menos válidos”, “menos gente”, portanto não merecendo que lhes sejam prestados cuidados em sua língua de comunicação social (Libras, por exemplo); em seu código de escrita acessível (em Braille, por exemplo) ou numa comunicação em linguagem acessível, como se deve usar em situações de atendimento médico, jurídico, educacional e outros (com pessoas com deficiência mental, com síndromes e com dificuldade de comunicação ou cognição).

Enfim, pessoas humanas são todas as pessoas, inclusive aquelas que no modelo social atual, estão fora.

Outro ponto de sustentação de nossa fala é o conceito de inclusão, o qual exige que a sociedade se transforme para respeitar, acolher e atender às necessidades de todos os seus membros, num contínuo fazendo. Sob a égide da inclusão, os limites de uma pessoa com deficiência estão na sociedade e não na deficiência do indivíduo.

Ao se entender isso, verifica-se que um aluno com deficiência pode não aprender, não por sua incapacidade de aprender, mas pela incapacidade de a escola o ensinar, respeitando o direito ao modo e tempo de aprendizagem individual do aluno.

Ao se reconhecer que está na sociedade o limite de uma pessoa com deficiência e não na sua própria deficiência, constata-se que um aluno “cadeirante”, por exemplo, só estará “incapacitado” de estudar comunicação se não houver acesso físico à sua sala de aula, ou aos locais de que necessite complementar seus estudos, como nas próprias salas de cinema.

Semelhantemente, no trabalho, uma pessoa surda só será “incapacitada” para trabalhar como locutora de rádio, se a ela não for dada a oportunidade de aprender a língua oral do grupo social em que está inserida e do qual faz parte. Se, pelo contrário, a ela for dada a oportunidade de ser falante da língua oral de comunicação de sua sociedade, então ela poderá ser locutora de rádio, como outro profissional qualquer.

Como se pode notar, a Inclusão é um transformar-se, e assim o sendo, significa pôr termo ao atual modelo social, o qual é excludente e que teve origem nos primórdios da raça humana, quando o homem pouco se diferenciava dos bichos.

Ocorre que os animais evoluíram, porém, muitas pessoas não acompanharam, sequer essa evolução, estando muito aquém dos animais, embora freqüentemente ofendam estes.

Sei que estas são palavras duras, porém, precisamos deixar de ser “diplomatas”, “políticos” ou “cautelosos” com o desrespeito aos direitos dos outros. Já é mais do que tarde para que deixemos de ser atores passivos dessa sociedade de exclusão que marginaliza pessoas que só querem (e devem) ter respeitado o seu direito de serem pessoas humanas.

Continuar com a passividade perante os que alegam, com seus discursos distorcidos, que “a inclusão tem de ser feita com vagar; com prudência; sem leviandade…” é sermos cúmplices da exclusão de centenas de milhares de pessoas, por conta de sua deficiência e coniventes com a exclusão de um sem número de outras pessoas, crianças, jovens e adultos que sequer aparecem nesta sociedade, defendida pelos que dessa forma discursam.

Faz parte, ainda, do discurso dos pretensos defensores da Inclusão, a que eles chamam de “inclusão responsável”, dizer que “não basta jogar uma criança na escola e depois deixá-la lá”, ou ainda, “que se deve preparar a escola primeiro, porque se a escola já não atende os alunos normais, que dirá a essas pessoas!” Dizem isso sem terem coragem de nomear os alunos com deficiência: “quem dirá a essas pessoas…” alardeiam, enquanto negam-lhe o direito à educação. Quando se promove a Inclusão, não se “joga” uma criança na sala de aula, nem a deixa sob a custódia de um estagiário ou babá. Quando se promove a Inclusão, ensina-se a todos os alunos sem distinção!

Como vimos anteriormente, portanto, a Inclusão pressupõe o respeito ao direito à educação com qualidade, pressupõe o respeito ao modo e tempo de aprendizagem do aluno, pressupõe dar condições de igualdade de acesso ao conhecimento etc., logo, qualquer dessas falas são despropositadas e nada têm que ver com Inclusão.

Também não cabe à Inclusão, a crítica que esta vem da imposição do governo; que vem de cima para baixo, à força, à goela abaixo etc.

Novamente, o discurso é destorcido, visto que é sabido que a inclusão é um movimento dos diversos grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade, que, ao longo dos séculos sempre lutaram para ser reconhecidas como pessoas humanas e que, no presente, vêm logrando êxito.

Com efeito, o estudo das diversas declarações de direitos, bem como das cartas, nacionais e internacionais, sobre a pessoa com deficiência não deixam dúvidas que os governos respondem apenas minimamente aos anseios dos grupos vulneráveis, dentre os quais os das pessoas com deficiência.

Portanto, falar de Inclusão é oferecer educação de qualidade a todos os alunos, inclusive aos com deficiência; é responder às necessidades de todos os alunos, à medida que elas aparecem, juntamente com o aluno, sua família e os demais agentes do ato educativo. Isto é, com todos os personagens do entorno do aluno, incluindo demais alunos, pessoal de apoio das escolas, amiguinhos, namorada ou namorado. Todos!

Tomemos agora o terceiro pilar de sustentação de nossas reflexões. De fato, o mais importante deles, já que é no reconhecimento deste pilar que os demais se solidificarão.

Estamos falando da crença inconteste, incondicional, plena e irrestrita à condição de ser humano da pessoa com deficiência; estamos falando da crença inconteste, incondicional, plena e irrestrita no potencial da pessoa com deficiência e estamos falando da crença inconteste, incondicional plena e irrestrita à capacidade de a pessoa com deficiência aprender.

Será apenas quando assumirmos que crianças, jovens e adultos com deficiência têm tanto para nos ensinar, quanto temos para ensiná-los; só quando olharmos para nossos alunos com deficiência como potenciais “ajudantes” nossos no processo educativo de todos os alunos; só quando aceitarmos que as pessoas com deficiência não são deficientes e podem mesmo nos superar em várias habilidades; só quando ensinar for nosso objetivo último na educação; só quando o alcançar quantitativo de resultados deixar de ser nosso objetivo tácito e valorizado na educação; só quando entendermos que a educação se faz trabalhando com o outro e não para o outro, ou pelo outro; só quando cooperar for a palavra de ordem, em lugar do competir é que estaremos vivenciando, manifestando, praticando a crença inconteste, incondicional, plena e irrestrita no potencial, na capacidade, na inteligência, enfim, na totalidade indivisível da pessoa com deficiência. Só então, estaremos deixando de ver a deficiência da pessoa, para ver a pessoa com deficiência.

Até que estejamos firmes sobre esse pilar, de alguma forma os demais não estarão firmes. E, estar firmes no pilar da crença no potencial e na capacidade da pessoa humana é estar em constante transformação para reconhecermos no outro, aquilo que nem sempre está aparente, mas que está lá, pronto para se nos mostrar, se quisermos ver.

O preconceito para com os alunos com deficiência e a resistência em educá-los é atual e internacional

Gostaria, agora, de levá-los a pensar quando e onde começou o preconceito para com a pessoa com deficiência. Também, gostaria que pensassem se, nos dias de hoje, abril de 2005, o preconceito em relação à pessoa com deficiência acabou, se ainda existe e se é igual ou diferente ao existente no passado.

É plausível que o preconceito em relação à pessoa com deficiência tenha começado há muitos milhares de anos. Talvez, com a própria humanidade.

Relatos históricos dão conta de que os espartanos jogavam os bebês com deficiência do alto da montanha, visto que não acreditavam que uma pessoa com deficiência poderia servir aos propósitos da sociedade de então.

Na Idade Média e até mais recentemente, os religiosos cristãos enclausuravam as pessoas com deficiência, sob o manto de os protegerem, mas tal fato servia também para retirarem da vista da sociedade, o que ela não queria ver à sua frente ou em seu meio. Isso sem contar aquelas que, tendo deficiência mental ou doença mental, eram sacrificadas, queimadas, sob a alegação de que eram possuídas pelo demônio.

Atualmente, verifica-se, mesmo em programas televisivos e outros, atuações de religiosos no exorcismo de demônios de pessoas supostamente possuídas, mas que pelos relatos dos que estão com elas, tais pessoas, ou apresentam doenças mentais, ou mesmo deficiências mentais.

Situações como essas fazem perdurar o preconceito para com as pessoas com deficiência, mormente as com deficiência mental ou síndromes.

Em muitos países da Europa e também nos Estados Unidos, ou aqui no Brasil, vê-se resquício do preconceito historicamente construído e propagandeado pela Bíblia e outros livros de grande penetração no imaginário social.

Exemplo disso é a crença de que os cegos são seres puros, dignos de pena, possuidores de dons sobrenaturais etc; que os surdos são pecadores, que, por não comunicarem pela língua oral, são uma “estirpe” de humanos diferentes etc.; que os deficientes mentais são possuídos pelo demônio; não são capazes de manifestar seus sentimentos, que são agressivos, que não “fazem parte deste mundo”, embora estejam fisicamente aqui, entre outros absurdos do senso comum, por vezes corroborados por chamados “especialistas”, como veremos mais à frente.

É fato, pois, que se analisarmos nossa literatura, nossas expressões idiomáticas, nossas manifestações culturais, religiosas etc., constataremos o tanto de idéias preconceituosas que aprendemos como sendo verdade a respeito das pessoas com deficiência. E isso não só é atual, como também é internacional. Ocorre agora, aqui, bem como em toda parte, em todos os lugares.

No entanto, em muitos países, se têm trabalhado para, cada vez mais, transformar essa situação de preconceito, tornando a sociedade mais baseada no reconhecimento de que todos somos diferentes e não de que todos somos iguais.

Com efeito, a única igualdade entre nós, ou o que nos torna a todos iguais, é o próprio fato de sermos diferentes. E esse é um dos pressupostos da Inclusão.

Na escola, esses preconceitos aparecem na fala de professores que alegam não poder ensinar alunos cegos porque não sabem o Braille, código de escrita em relevo que muitas pessoas cegas ou com muito baixa visão fazem uso. Sob o manto da dificuldade de saber um código, de um despreparo para a escrita e leitura nesse sistema de escrita, o professor desvela sua descrença de que um aluno cego possa aprender, tal como ele, professor que enxerga, que é “perfeito” etc. foi capaz de aprender. Revela, ainda, que teme o contato com esse aluno, talvez por um medo oculto de que venha “pegar” a deficiência ou de que os demais alunos seus precisarão “diminuir” o ritmo de aprendizagem para que o aluno com deficiência visual os acompanhe, sendo portanto, aqueles, prejudicados.

Outros professores, coordenadores de cursos etc., alegam não poderem ensinar um aluno surdo, pois não foram preparados para comunicar-se com esse aluno que, talvez, fale Libras e não português.

A desculpa da comunicação tem levado muita gente ao radicalismo de querer que filhos de pessoas surdas recebam tratamento genético para que nasçam igualmente surdos; que se construa cidades para surdos; que se construa universidades para surdos e, aqui, em nosso Brasil, carente que somos economicamente, se tem defendido a proliferação de escolas exclusivas para surdos.

Nunca, em parte alguma, se constituiu problema a coexistência do multilingüismo, a união de pessoas de origem lingüísticas diferentes, o ensino de estrangeiros de línguas diversas em uma só escola (como se vê com freqüência nas grandes universidades); entre outras manifestações sociais onde pessoas de origem lingüística diversas se unem e aprendem, em conjunto, objetos comuns do conhecimento.

No entanto, os apologistas do segregacionismo têm levado muitas pessoas com deficiência auditiva a pensarem que o respeito e a divulgação de sua língua deve caminhar pelo segregacionismo.

O equívoco, aí, resiste na promoção de um preconceito histórico em relação à pessoa surda, mormente relacionado a se pensar que a pessoa surda tem deficiências cognitivas; que não aprendem; que não são capazes de se desenvolver dentro da sociedade etc.

Por conta disso, ainda, crianças surdas são acusadas de agressivas e de que “são mesmo diferentes”, numa clara alusão aos indicativos de que as pessoas surdas teriam “desígnios” outros que o da pessoa “normal”.

Mas, se há resistência em ensinar os alunos deficientes auditivos sob a argumentação da dificuldade de comunicação oral; se há resistência em ensinar alunos com deficiência visual por conta de uma pseudo dificuldade de comunicação escrita, os alunos com deficiência intelectual ou síndromes sofrem ainda mais o preconceito e a resistência de professores que alegam temer pela integridade de seus alunos, e de sua própria, porque esses alunos seriam agressivos.

Fato que não tem base de comprovação, não mais que a possibilidade de que qualquer outro aluno agrida um seu colega, ou seu professor, como se vê com freqüência nos noticiários.

Ocorre que sob o manto da proteção do outro, esse professor desnuda toda sua capacidade de ser desumano, de jogar fora sua ética profissional, a qual deveria estar esteada no ensino e não na discriminação, enfim, revela a crueldade de tomar para si, o direito de decretar aos outros, em geral crianças indefesas, a morte social, o limbo cultural e mesmo, a própria morte física.

Obram aqueles professores, coordenadores, donos de escola etc. (que tiranicamente determinam ou tentam determinar quem vai aprender ou quem não vai) como déspotas, como carrascos de inocentes, quando deveriam ser os defensores de uma sociedade do conhecimento, onde o maior deles começasse pelo conhecimento do próprio homem quanto ser transformador do mundo para o bem da humanidade.

É essa transformação consciente que deve, portanto, pautar os educadores para que uma consciência inclusiva seja construída e a sociedade, hora excludente, passe a ser uma sociedade de cooperação, de respeito, de sabedoria.

Os mitos e preconceitos, que historicamente batem à nossa porta, encontram guarida nas casas dos que não têm bem fundados os pilares anteriormente mencionados; e como somos todos frutos dessa história, cabe a cada um de nós detectar onde estamos sendo promotores dessa sociedade segregacionista e excludente, para que possamos ser agentes operadores da transformação social, mesmo que para isso precisemos lutar contra nossos próprios “princípios” como lutaram aqueles que perceberam que era errado escravizar pessoas humanas, por conta de sua cor de pele.

Não há inclusão se não houver transformação e não há inclusão plena se a transformação não for contínua, consciente e concreta.

Agora, detenhamos-nos a examinar os 3 Cs da inclusão.

Tenho enfatizado aqui a idéia de que a sociedade como está, expulsa de seu meio muitos de seus membros, e a muitos mais nega a entrada. Tenho chamado sua atenção para a necessidade de transformação da sociedade atual, para uma sociedade de pessoas humanas e não de algumas pessoas tão somente.

Mudar, pois, é preciso e essa mudança tem de começar já. A hora é agora, o lugar é este e os agentes da mudança é cada um de vocês. Somos todos nós! Basta que sejamos corajosos para dizer em voz alta que esta sociedade, da qual fazemos parte, não nos serve mais; não responde à nossa compreensão de mundo, não contempla nosso entendimento de quem é pessoa humana entre nós, enfim, que esta sociedade está bichada e precisamos dedetizá-la.

Isso significa, portanto, que devamos aproveitar o que dela está bom e há muito de bom nela, mas que devemos igualmente reparar o que não presta e há muito que não presta nesta sociedade.

A transformação de que falo aqui é a própria transformação de nossos sentimentos, crenças e atitudes perante nossos pares, perante nós próprios, descobrindo, a cada momento, que somos capazes, pela descoberta de que o outro é capaz e descobrindo que temos um grande potencial, pela descoberta e reconhecimento do potencial do outro.

Trata-se, pois, de uma transformação contínua e consciente, e se trata também de uma transformação concreta, já que ela tem de refletir em nossas atitudes, em nossas ações, em nossas falas, e, acima de tudo, em nós mesmos.

A inclusão, portanto, não é algo de que se fala, mas algo que se vive, intensa e conscientemente, contínua e tenazmente, concreta e francamente. A Inclusão é a participação de todos pelo todo, com todos.

A inclusão não é uma mera teoria da moda, mas uma atitude de vida; uma expressão de sociedade e cidadania; uma compreensão de que todos os seres humanos são humanos sem distinção.

Caminhando para o fim de nossa fala, aprofundemos um pouco no que é isso que se tem chamado de Inclusão.

Já vimos que é um processo de transformação, já vimos que esse processo é contínuo, que deve ser consciente e que deve começar pela transformação em nós, para emanarmos para os outros, através de nossas ações concretas. Também, estabelecemos que a Inclusão pressupõe, na prática, reconhecer no outro, aluno ou não, o potencial para aprender e a capacidade de ser. Isso tudo significa quebrar tabus em relação à pessoa com deficiência, implica em pôr por terra barreiras atitudinais; pressupõe um novo modo de ser e viver. Viver na cooperação, na parceria, no respeito e, porque não, no amor.

Nesse momento, os que conseguiram chegar até aqui, devem estar pensando que a Inclusão pode ser fácil na fala, na teoria, mas que na realidade, ali na sala de aula, com aluno de verdade, isso é impossível.

Eu digo que na fala, na teoria é mais difícil que parece, e na realidade, tenho notícias para vocês, é possível sim. Exemplo disso é estarmos tratando desse assunto aqui e agora; é temos pessoas neste exato momento lutando a batalha da acessibilidade, do desenho universal, do respeito aos idosos, do acesso à educação com qualidade para todos, enfim, a batalha da sociedade de pessoas humanas contra a sociedade de alguns humanos, fortes sim, mas não invencíveis.

Cabe a vocês decidirem em que lado lutar, pois em um deles estarão, já que nesse embate, os “neutros” tomam o lado da sociedade excludente e segregadora, por omissão, conivência e cumplicidade, como vimos.

Na revolução do “todos somos diferentes” e não do “todos são iguais”, não se mata o “oponente”, ganha-se-lhe para nosso lado; não se tem o outro como “adversário”, mas como parceiro na solidificação de nossos princípios e ações, enfim, na revolução pela inclusão de todos no todo social vive-se a totalidade, não o totalitarismo; vive-se a participação de todos e não a de uma parte; vive-se e não apenas se aceita a sobrevivência.

Assim, sendo uma revolução que começou há muito tempo, mas que nos dias de hoje ganha cada vez mais força; sendo uma revolução do contínuo transformar-se; e sendo a revolução das pessoas humanas, o que hoje se chama de Inclusão, e que no futuro se poderá chamar de outra forma, não é uma moda, ou modismo, não é uma mera teoria, é o caminhar para o sempre, é o caminhar para a busca da felicidade de todos com todos e entre todos.

Considerações Finais
Intitulamos a presente fala como “Mitos e Pré-conceitos em Torno do Aluno com Deficiência na Escola Regular e na Escola Especial”, e, por esse momento, muitos devem estar se indagando se estão na palestra certa.

Aparentemente, se fez uma digressão do tema, no entanto, quero concluir, mostrando que o que apresentamos anteriormente relaciona-se direta e sintomaticamente na escola.

Frequentemente, deparamo-nos com situações onde alunos com deficiência são rejeitados por suas escolas, ou a elas são negados entrar, ainda hoje, educadores “acusam” pais de crianças com deficiência de não terem aceitado seus filhos, justificando por essa rejeição comportamentos, estereotipias etc. de alunos com deficiência.

Crianças autistas são recusadas nas escolas, ou dentro delas execradas, porque os “especialistas” que a acompanham ainda as vêem como seres agressivos, incomunicáveis, sem potencial ou incapazes de aprender.

Ainda hoje, nossa experiência tem mostrado, educadores fazendo análises “psicológicas” de deficiências mentais, síndromes e deficiências sensoriais. Querem esses especialistas expurgar/exorcizar a deficiência; pretendem eles encontrar uma causa, um diagnóstico, algo que lhes permita subsidiar/justificar suas ações excludentes.

Assim é que em abril de 2005, podemos afirmar que o preconceito é atual, visto que está ocorrendo agora, e é internacional, posto que não é “privilégio” do Brasil, ocorre aqui, nos países de primeiro mundo e nos de terceiro também.

Ainda hoje, educadores tratam as crianças com síndrome de Down ou com outras deficiências mentais, não como alunos em suas escolas, mas como “crianças que precisam socializar-se”, e que estão nessas escolas. Ainda promovem um “ensino paralelo” dessas crianças, ao invés de educá-las com os demais alunos. Com benevolência, esses educadores “recebem” aquelas crianças na escola, mas não as aceitam como pessoas humanas.

Em abril de 2005, educadores resistem a ensinar alunos com deficiência sensorial (cegos e surdos). Alegam estarem despreparados, afirmam não terem conhecimentos especializados nessas pessoas. Revelam, enfim, sua total descrença de que pessoas humanas são diferentes e podem apresentar deficiências, confirmando os preconceitos históricos que têm levado à exclusão as pessoas com deficiência, por conta do grande mito que é a crença de que a uma pessoa que falte um sentido, uma parte de seu corpo etc., falta-lhe a condição de pessoa humana.

Meus caros, acreditar na existência de uma escola especial separada, preparada para educar exclusivamente pessoas com deficiência, é acreditar numa sociedade de alguns; é negar a capacidade do Professor Humano em educar, ensinar, transmitir conhecimento, facilitar/mediar conhecimento etc. a todos e é acreditar que os alunos com deficiência não têm potencial para aprender, não são capazes, e não são Humanos, como conceituado anteriormente. é a essa sociedade que repudiamos, e é a essa sociedade que queremos pôr fim. Sejamos “Um Todo”, e estejamos com Todos, na educação, no trabalho, na saúde, no lazer, enfim na sociedade de Todos, na sociedade de Pessoas Humanas.

Dr. Francisco J. Lima

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Centro de Estudos Inclusivos (CEI/UFPE)

Fonte: Instituto Inclusão Brasil