Matéria extraída do Fisioinforma, http://fisioterapiajoaomaia.blogspot.com.br
Blog Português. (Obs: vou reproduzir fielmente sem fazer qualquer correção do idioma)
Entrevista com Dra. Maria Ribeiro da Cunha
P.: Existem vários tipos de sexualidade, e a de um lesionado medular
será necessariamente diferente. Isto é muitas vezes um factor de insegurança,
tanto para o lesionado, como para a(o) sua(seu) companheira(o). Qual entende
que seja a melhor abordagem à questão? Para a Dra. que realiza trabalho nesta
área, existe algum profissional de saúde mais vocacionado para este tipo de
questões?
Em 2002 a OMS definiu a sexualidade como sendo: “um aspecto central do ser
humano ao longo da vida, englobando o sexo, identificação do género e seu
papel, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução”.
A lesão medular tem um impacto muito significativo na diminuição do desejo
sexual por algumas das suas consequências físicas e psicológicas, como sendo: a
dependência de 3ª pessoa, a inversão dos papéis nas relações pessoais, a dor, a
espasticidade, a limitação da mobilidade, as deformidades físicas, o medo de
descontrolo esfincteriano, a depressão, entre outras.
Assim, a questão da função sexual, entendida pelos lesionados medulares como
uma das suas principais preocupações na fase subaguda e crónica da lesão,
deverá ser abordada no contexto da sua reabilitação integral e abrangente, de
uma forma natural e, como em todas as outras vertentes, recorrendo a uma equipa
pluriprofissional.
Além da explicação daquilo que acontece em termos fisiopatológicos na lesão
medular, com repercussão na função sexual, deverá ainda ser aconselhado tentar
uma mudança na conceptualização da sexualidade, no sentido de uma menor
“genitalização” do acto sexual, procurando outras formas e manifestações de
relação com a(o) parceira(o), de prazer e de satisfação.
O modelo PLISSIT sugere o profissional com competências mais adequadas à abordagem desta área:
Existem ainda programas de reabilitação psicossexual muito válidos. Têm geralmente a duração de seis-oito semanas, com sessões de grupo (misto) semanais, com duração de uma hora, sendo encorajada a participação dos doentes e respectivo(a)s companheiro(a)s.
Nestas sessões, são geralmente abordados diferentes temas como por exemplo: a resposta sexual humana e factores que podem afectar essa resposta, efeitos da lesão medular sobre a sexualidade, sexualidade e incontinência, e sexualidade, casamento e divórcio, procurando-se aqui incentivar a partilha de experiências e a interacção dos doentes.
P.: A lesão medular implica limitações físicas, em que se incluem a função sexual. Obviamente, a gravidade desta disfunção irá variar com o tipo de lesão. Pode traçar-nos um esquema das principais repercussões nesta vertente, distinguindo o que pode acontecer no caso do homem e no caso da mulher?
De uma forma genérica, e para lesões completas, podemos resumir as alterações mais frequentes segundo o quadro seguinte:
Nas lesões incompletas, os achados são variáveis, dependendo do grau de preservação medular.
P.: Para as pessoas nesta condição que pensam em ter filhos, as dúvidas são muitas e frequentemente pouco esclarecidas. A nível físico, quais os condicionamentos de um lesionado medular para a maternidade ou paternidade?
Geralmente, lesionados medulares do género masculino apresentam subfertilidade devido a alterações ejaculatórias e patologia seminal. Muitos doentes são jovens e desejam a paternidade biológica. Nestes casos, deve ser avaliada a possibilidade de ejaculação por métodos naturais (possível em poucos casos), ou utilizando diferentes métodos de obtenção seminal (vibroestimulador, electroestimulador anal). Quando é necessário melhorar qualidade do sémen, pode ser implementado um protocolo para diminuir a estase do fluído prostático, através de ejaculações regulares (aproximadamente uma extracção por semana) com o auxílio de electroejaculadores ou vibradores penianos.
Nas situações em que nenhum dos métodos atrás referidos é eficaz, os doentes são encaminhados para uma instituição especializada para realização de punção-aspiração testicular com agulha fina e técnicas de fertilização por microinjeção espermática.
No caso das mulheres, há que esclarecer que a fertilidade, após um período de amenorreia inicial pós-lesão (4, 6 ou 8 meses), não será geralmente afectada, pelo que precisam de usar um método contraceptivo (de preferência preservativo lubrificado) se não quiserem engravidar. Os anticoncepcionais orais estão desaconselhados pelo risco aumentado de trombose venosa profunda ou tromboembolismo pulmonar. Além disso, apesar de não ser obviamente desencorajado, devem referir-se os riscos em que as lesionadas medulares podem incorrer com uma gravidez, como por exemplo: maior probabilidade de úlceras de pressão, insuficiência venosa, tromboembolismo, infecções urinárias, aumento da espasticidade ou diminuição da função pulmonar.
P.: Para terminar, tem conhecimento de algum tipo de produto de apoio nesta área que possa ser útil? Existe algum grupo de apoio que se debruce sobre este tema?
A medicação oral é a primeira linha no tratamento da disfunção sexual masculina pós-lesão medular, seguida da medicação intracavernosa.
Muito raramente (em casos refractários à medicação ou se esta está contra-indicada), podem ser utilizados anéis constritores ou sistema de vácuo para obter uma erecção suficiente para a penetração. O último recurso será o tratamento cirúrgico, com colocação de prótese peniana ou de estimulador de raízes sagradas.
Não tenho conhecimento que haja actualmente algum grupo de
apoio especificamente neste área em Portugal, além das existentes consultas de
Reabilitação Sexual em Serviços de Medicina Física e de Reabilitação
(infelizmente ainda escassas) e algumas associações/grupos de lesionados
medulares que divulgam informação de diversos temas. Poderá ser uma boa ideia
para um projecto futuro!
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