Ally e Ryan

Ally e Ryan

domingo, 31 de julho de 2011

Obras malfeitas barram alunos deficientes em escolas públicas; veja

Pessoal, vejam o vídeo e depois leiam a matéria abaixo

Jornal Folha de São Paulo - Caderno Cotidiano

Matéria publicada hoje na Folha
Obs: a terminologia inadequada foi mantida por ser cópia fiel do jornal citado

Obra malfeita barra aluno deficiente em escola pública


FÁBIO TAKAHASHI


DE SÃO PAULO

Na escola estadual Brigadeiro Eduardo Gomes, zona norte da capital, o governo gastou com reformas para torná-la acessível a deficientes. Mas deixou uma escada com quatro lances, quase 50 degraus, como única forma de se chegar à quadra. O cadeirante precisa ser levado por colegas ou servidores.

Perto dali, a reforma do colégio Parque Anhanguera permite a circulação do cadeirante. Mas o deficiente visual não conta com indicação no solo para evitar choque com obstáculos ou evitar a queda em escadas.Os colégios integraram o programa de obras do governo paulista para tornar acessível parte da rede estadual de ensino, a maior do país. Foram gastos R$ 690 milhões desde 2007 (para acessibilidade e outras necessidades).

Elas integraram também o grupo de escolas onde as obras foram insuficientes ou mal feitas, segundo auditoria do Tribunal de Contas de SP.Foram analisados 100 dos 850 colégios reformados.

Em metade da amostra houve "irregularidades" no trabalho ou "oportunidade de melhoria que deixaria o prédio plenamente acessível".Dois dos princípios de um local adaptado é que o deficiente possa ter acesso a todos ambientes e autonomia para locomoção. Legislações federal, estadual e municipal exigem que prédios públicos já sejam adaptados.Na auditoria do tribunal, algumas das falhas mais encontradas foram ausência de piso tátil para deficientes visuais e de local adaptado para que cadeirantes possam socializar nas quadras.

OBRA INCOMPLETA

A Folha visitou semana passada duas das escolas reformadas. Na Parque Anhanguera, o cadeirante conta com rampas e elevador.

Mas o deficiente visual não possui indicações no solo para andar com segurança.O colégio tem hoje um aluno com essa deficiência. O diretor da escola, Reginaldo Lopes, diz que o estudante nunca teve problema porque os colegas o guiam. "Ao mesmo tempo que o jovem é cruel, também é acolhedor."Na Brigadeiro Eduardo Gomes, há indicação para o deficiente visual, mas o cadeirante não chega à quadra. A engenheira Sanrlei Polini, que acompanhou a Folha, destacou a quase ausência de identificação de ambientes adaptados (exigência legal). "Mas o governo está no caminho, só não pode parar", disse a especialista em regularização de imóveis.Outro problema apontado pela auditoria é o descumprimento da meta lançada em 2007 pelo então governo José Serra (PSDB) de tornar acessível 50% das escolas es0taduais até 2010.

Atualmente, a proporção está em 15%.A auditoria foi usada para julgamento das contas do 0governador em 2010, aprovadas no final de junho.

OUTRO LADO



Secretaria diz que as reformas serão feitas novamente


Caso sejam constatadas falhas na execução do que já foi realizado, empreiteiras serão responsabilizadas


DE SÃO PAULO


A Secretaria da Educação afirmou que fará novas intervenções para solucionar os problemas encontrados na acessibilidade das escolas.

"Vamos voltar e fazer o trabalho de novo. Se for falha de execução, acionaremos as empresas que fizeram o serviço", disse o chefe de gabinete da pasta, Fernando Padula. Segundo a secretaria, há também a possibilidade de ter havido erros nos projetos feitos pelo governo.

A gestão Geraldo Alckmin (PSDB) afirma que, quando se decide reformar uma escola, a ideia é torná-la acessível a qualquer deficiente.

"O processo nas escolas estaduais é dinâmico e grandioso. Erros podem ocorrer. Se houve, vamos arrumar", afirmou a gerente de projetos da FDE (fundação da pasta responsável pelas obras), Avany de Francisco Ferreira.

Em relação ao descumprimento da meta das obras, de tornar acessível 50% da rede, a pasta diz que houve redirecionamento de prioridades.

Parte dos recursos foram para ampliação ou construção de escolas (para desafogar outras) e eliminação de colégios padrão Nakamura (espécie de escola de lata).

ACORDO COM PROMOTOR

A Secretaria da Educação afirmou que apresentou à Promotoria plano para quase triplicar o número de escolas adaptadas em dez anos.

A pasta pretende oferecer ao menos uma unidade acessível em um raio de até 2 km em todas as áreas urbanas do Estado. Nas rurais, a distância aumenta para 15 km.

O plano prevê obras em 1.495 escolas, ao custo total de R$ 1,3 bilhão. A pasta planeja oferecer transporte para o deficiente chegar ao colégio adaptado. Atualmente, são cerca de 15 mil alunos deficientes na rede estadual.

O governo pretende assinar um termo de ajustamento de conduta com a Promotoria, comprometendo-se a cumprir o programa, para evitar novas ações judiciais.

"Hoje, promotores entram na Justiça e nos forçam a reformar escolas que não estavam no plano inicial", disse o diretor de obras da FDE, José Arlindo César Marcondes.

"Isso desorganiza o nosso planejamento e faz com que deixemos de reformar escolas realmente prioritárias."

O promotor Luiz Antonio Miguel Ferreira afirma que ele e outros colegas analisam a proposta. "Pessoalmente, acho o período de dez anos extenso. As escolas já deveriam ser acessíveis", disse Ferreira, coordenador da área de educação do centro de apoio cível da Promotoria. (FÁBIO TAKAHASHI)


Raphael Preto Pereira, 16,em calçada da Vila Guilherme, na zona norte de São Paulo



DEPOIMENTO



Mesmo os colégios particulares não estão prontos para incluir


'Na hora de fazer a matrícula e receber o dinheiro, todos se dizem acessíveis e preparados para receber deficientes físicos'


RAPHAEL PRETO PEREIRA


ESPECIAL PARA A FOLHA

Sou cadeirante. Minha primeira experiência escolar aconteceu numa instituição particular [na zona norte de SP; a escola faliu], ainda no ensino infantil. Eles me deixavam quieto num quarto, sozinho, e não podia chorar.

"Se chorar sua mãe não vem te buscar", dizia uma das "tias". Fiquei nessa escola durante seis meses.

Achamos uma outra escola rapidamente. Na hora de fazer a matrícula e receber o dinheiro, todas falam que são acessíveis e preparadas.

Fui para a Estrela dos Sonhos. Quando estudava na parte da manhã com a professora Ana Paula, foi uma coisa maravilhosa. Nem sei se ela tinha especialização.

Quando passei do jardim 1 para o 2, mudei de professora e passei a não conseguir acompanhar a turma.

Saí depois de um ano. Já vacinados, meus pais procuraram novamente escola não regular, o Centro de Reabilitação da Uniban.

A proposta era, no menor tempo possível, acostumar os deficientes com a rotina escolar e depois incluí-los numa escola regular. Fiquei lá no ano de 2002.

Voltei para o ensino regular particular, no Instituto Cultural Criando Arte, que possui rampa e se mostrou disposto a fazer outras adaptações. Me senti seguro.

Em 2006, fui para a escola estadual Buenos Aires, onde estou até hoje. Ela possui o mínimo de adaptações físicas e funcionários comprometidos com a inclusão.

Após a Folha publicar uma reportagem, o banheiro foi consertado [estava sem porta]. Mas a carência de materiais impede que deficientes com menos independência do que eu façam tarefas triviais como escrever.

O fato é que existem hoje poucas escolas inclusivas, públicas ou particulares.

RAPHAEL PRETO PEREIRA 16, cadeirante


ANÁLISE



Falta de acesso no ambiente escolar é paradoxo para educação


SHIRLEY SILVA


ESPECIAL PARA A FOLHA

Geralmente, não pensamos nos detalhes sobre ir e vir. Tampouco nos preocupamos se o local a ser visitado tem acesso fácil, se haverá comunicação entre os diferentes espaços.

A situação é diferente para pessoas com deficiências físicas, visuais ou com mobilidade reduzida. Elas precisam de locais projetados para permitir a acessibilidade e, também, que esse acesso possa ser realizado pela própria pessoa, de forma independente e autônoma.

Por serem espaços institucionais que têm como tarefa a produção de conhecimento, a construção de cidadania coletiva e a preparação para o trabalho, a situação das escolas é peculiar.

O reconhecimento do papel fundamental que a educação tem na vida das pessoas, em sociedades nas quais os princípios da democracia e da cidadania direcionam a organização política e a sociedade civil, torna-a compulsória (obrigatória), considerada direito público.

A não existência de acessibilidade em escolas públicas é um paradoxo, pois o próprio Estado que define a obrigatoriedade da educação acaba por não permitir que as famílias cumpram o dever constitucional de ter os seus filhos na escola.

O relatório do Tribunal de Contas do Estado aponta que, mesmo onde já houve obras, alunos com deficiência continuam com grandes dificuldades. A justificativa, por exemplo, da não instalação de pista podotátil para deficientes visuais devido à ausência de fornecimento pode soar como impossível.

De qualquer forma, é um avanço o poder público entender que escolas devam ser adaptadas. Mas continua a questão: o que fazer com quem não cumpre a lei (Decreto 5.296 de 2004, por exemplo) e não adapta escolas e outros espaços?

SHIRLEY SILVA é professora da Faculdade de Educação da USP, pesquisadora de políticas públicas e de educação inclusiva

sábado, 30 de julho de 2011

GUIA PARA O PLANO INDIVIDUALIZADO DE EDUCAÇÃO


Romeu Kazumi Sassaki

O presente texto e o modelo de Plano Individualizado de Educação foram adaptados de:

/A/ apostilas da Conferência Estadual de Educação Inclusiva (realizada em 1996 em Lafayette, Louisiana, EUA, e freqüentada pelo autor) e divulgadas de 1999 a 2002 para os Governos de Goiás, Minas Gerais e Paraná;

/B/ apostila “Curso de inteligências múltiplas na educação inclusiva” (Sassaki, 2001) e

/C/ livros “Managing and implementing inclusive education” (Coady & Denny, 1996), “Inclusão: um guia para educadores” (Stainback & Stainback, 1999), “Trabalhando com Hannah: uma criança especial em uma escola comum” (Wise & Glass, 2003) e “Educação inclusiva: contextos sociais” (Mittler, 2003).

Conceito de Plano Individualizado de Educação

O Plano Individualizado de Educação (PIE) é um compromisso individualizado sobre a disponibilização de serviços que atendam às necessidades especiais dos alunos, escrito conjuntamente por professores, outros profissionais da escola e pais. Uma das primeiras atividades do planejamento das aulas consiste em desenvolvermos um PIE para cada aluno com necessidades especiais.

Propósitos e funções do PIE

Segundo Bauer & Shea (1999, p. 30 e 72-73), o PIE oferece a base para se planejar o ensino. O processo de planejamento do PIE requer que as pessoas responsáveis pela educação do aluno se envolvam em duas atividades: 1) uma reunião durante a qual os pais e o pessoal da escola juntos determinam o programa educacional do aluno, e 2) preenchimento do PIE, que se torna um registro escrito sobre a reunião. O Centro Nacional de Informação para Crianças e Adolescentes com Deficiência - NICHCY (1990) descreve diversos propósitos e funções do PIE:

• O PIE é um meio de comunicação, que possibilita, aos pais e ao pessoal da escola anotarem conjuntamente (como parceiros iguais), as inteligências, as necessidades e as metas dos alunos, os serviços e recursos que lhes serão providos para atender àquelas necessidades e os resultados esperados.

• O PIE propicia uma oportunidade para resolver as diferenças que possam existir entre os pais do aluno e a escola.

• O PIE acolhe por escrito o compromisso de prover os recursos necessários que assegurem para o aluno o recebimento dos serviços especiais.

• O PIE é um instrumento de gestão que assegura aos alunos os serviços especiais que necessitarem.

• O PIE é um documento de monitoramento utilizado por pessoas autorizadas de vários órgãos governamentais para determinar se os alunos estão recebendo educação pública, adequada e gratuita, a respeito da qual os pais e a escola concordaram.

• O PIE serve como um dispositivo de avaliação para determinar a extensão do progresso dos alunos em direção aos resultados projetados (metas).

Justificativa do PIE - por que utilizá-lo?

O Plano Individualizado de Educação deve ser disponibilizado pela escola a todos os alunos com necessidades educacionais especiais a fim de garantir o sucesso deles no mesmo espaço escolar em que os demais alunos estejam estudando.

Tal imperativo é uma conseqüência natural do fato de que, no cenário das escolas voltadas à diversidade humana com todas as suas diferenças individuais, o novo alunado se caracteriza pela agregação de pessoas que até então estavam excluídas. A presença desse novo tipo de aluno, que tem o mesmo direito de acesso à educação que outros alunos já usufruíam, determina a disponibilização do PIE.

A partir da diretriz explicitada no art. 2 da Resolução n 2, do Conselho Nacional de Educação (“Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos”), entende-se que nenhuma escola poderá recusar a matrícula de crianças, adolescentes e jovens.

Esta diretriz já existia legalmente desde 1989 (Lei n 7.853, 24/10/89, art. 8, inc. I), regulamentada pelo Decreto n 3.298, 20/12/99, conforme segue:

“Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa:

I - recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta”.

Este dispositivo constitui uma aplicação da filosofia da exclusão zero, disseminada mundialmente a partir da segunda metade da década de 80.

Inicialmente, a exclusão zero (ou rejeição zero) consistia em não excluir uma pessoa, para qualquer finalidade ― por exemplo: emprego, terapia ou educação ― com base no fato de que ela possuía uma deficiência ou por causa do grau de severidade dessa deficiência (Alonso & Río [1991?] in Sassaki, 2002. p. 50). Mais tarde, o conceito passou a abranger as necessidades especiais, independentemente de suas causas, tais como: uma deficiência, uma situação social marginalizante ou excludente.

As necessidades especiais, no campo da educação, são aquelas decorrentes das seguintes três situações (art. 5 da citada Resolução):

“I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a) aquelas não-vinculadas a uma causa orgânica; b) aquelas relacionadas a condições, disfunções ou deficiências;

II - dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;

III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes”.

O espírito do PIE está subentendido no enunciado do art. 4 da já referida Resolução CNE/CEB n 2:

“Como modalidade da Educação Básica, a educação especial considerará as situações singulares, os perfis dos estudantes, as características biopsicossociais dos alunos e suas faixas etárias e se pautará em princípios éticos, políticos e estéticos de modo a assegurar:

I - a dignidade humana e a observância do direito de cada aluno de realizar seus projetos de estudo, de trabalho e de inserção na vida social;

II - a busca da identidade própria de cada educando, o reconhecimento e a valorização das suas diferenças e potencialidades, bem como de suas necessidades educacionais especiais no processo de ensino e aprendizagem, como base para a constituição e ampliação de valores, atitudes, conhecimentos, habilidades e competências;

III - o desenvolvimento para o exercício da cidadania, da capacidade de participação social, política e econômica e sua ampliação, mediante o cumprimento de seus deveres e o usufruto de seus direitos”.

Processo de desenvolvimento do PIE

O processo de desenvolvimento do PIE envolve professores, outros profissionais da escola e pais em diversas etapas e ações, a seguir descritas:

1. Preparação para o PIE

 Coleta de informações existentes sobre o aluno.

 Revisão das informações existentes sobre o aluno.

 Explicação aos pais sobre a importância do PIE para o seu filho.

 Sumarização dos PIEs, se o aluno já os teve em anos letivos anteriores.

 Marcação de data para a reunião do PIE com os pais.

2. Realização da reunião do PIE

 Distribuição de material pertinente ao PIE para ser utilizado na reunião.

 Discussão e preenchimento dos itens do PIE (seguindo o modelo adotado pela escola).

 Marcação de datas para as próximas reuniões do PIE deste aluno.

3. Providências posteriores à reunião do PIE

 Distribuição do PIE preenchido aos setores designados para executá-lo.

 Execução das atividades indicadas no PIE.

 Monitoramento dessa execução.

 Reunião da equipe escolar para corrigir rumos à medida das necessidades (Ver Processo de Revisão do PIE, adiante).

 Comunicação com os pais sobre essas correções de rumo.

 Decisão sobre a transição do aluno para outras séries ou níveis escolares ou para a educação profissional e/ou para o mercado de trabalho.

Processo de Revisão do PIE

O processo de revisão do PIE é como um plano de viagem que necessita ser revisto durante o percurso a fim de atender às novas circunstâncias que poderão surgir. O processo é circular no sentido de que ele não começo nem fim, enquanto perdurar a necessidade de “corrigir rumos” sempre no melhor interesse do aluno (suas habilidades, seus interesses, suas necessidades etc.).

São as seguintes as etapas deste processo circular:

 Avaliação da equipe sobre o PIE originalmente preenchido.

 Negociação dentro da equipe para concluir divergências.

 Negociação e recomendações do aluno, da família e da equipe escolar.

 Confirmação das decisões sobre o aluno: equilíbrio entre as atividades projetadas, adequação à idade, melhoria da imagem, melhoria da participação social, aumento das competências.

 Revisão, implementação e monitoramento trimestralmente.

 Consideração aos desejos e preferências do aluno e da família.

Ao participarem da reunião de revisão do PIE, será proveitoso levar em conta as seguintes questões:

a) Estão em equilíbrio as atividades de aprendizagem indicadas para a gestão pessoal (habilidades de lidar com assuntos pessoais), o lazer (habilidades de usar os momentos livres) e o trabalho (habilidades de execução das tarefas escolares)?

b) As atividades de aprendizagem estão levando em consideração os desejos, as inteligências e as preferências do aluno e da família?

c) As atividades de aprendizagem aumentarão as competências do aluno?

d) As atividades de aprendizagem promoverão a melhoria da imagem e da participação do aluno na sociedade?

e) As atividades de aprendizagem são apropriadas à idade (ou faixa etária) do aluno?

f) As atividades de aprendizagem levarão o aluno a resultados significados e valiosos para ele?

g) No contexto das atividades de aprendizagem, o aluno está utilizando o que está aprendendo?

Instrumental do PIE

O modelo de Plano Individualizado de Educação, fornecido separadamente, precisará ser adaptado às circunstâncias específicas da realidade de cada unidade escolar e/ou de cada rede educacional.

O Plano Individualizado de Educação (PIE) contém os seguintes itens para serem preenchidos por uma equipe composta de professores de sala de aula, profissionais de suporte e pais de cada aluno que apresente necessidades educacionais especiais:

I - AVALIAÇÃO DA DEFICIÊNCIA E/OU OUTRA CONDIÇÃO ATÍPICA

• Áreas de avaliação

• Testes

• Quem aplica os testes

• Avaliações externas (Entrevistas com os pais e a criança, observação sobre a criança, discussão com profissionais de anos anteriores, revisão do histórico escolar, demonstrações práticas da criança)

II – METAS

• Metas Anuais e Metas de Curto Prazo

III – SERVIÇOS

• Programas especialmente projetados

• Serviços educacionais comuns

• Outros serviços (fonoaudiologia, fisioterapia, orientação e mobilidade, aconselhamento, transporte, educação física adaptada etc.)

IV – DATAS

• Datas do início e do término do PIE

• Datas intermediárias das avaliações do PIE

V - PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO DO PIE

• Observação dos professores e observação dos pais

• Testes tirados dos livros-texto e testes criados pelos professores

• Questões individualizadas

VI - PARTICIPAÇÃO DOS PAIS

Preenchimento do PIE nos itens I, II, III e IV

sexta-feira, 29 de julho de 2011

De onde vem a força das mulheres que tem filhos com deficiência?

Conheça a vida selvagem: tenha filhos”. Sempre me divirto quando vejo esse adesivo colado no vidro de algum carro. Essa frase é a mais pura verdade. A maternidade nos aproxima das fêmeas de todas as espécies. Em nenhuma outra fase da vida percebemos tão claramente o papel animalesco que a natureza nos reserva.Viramos leoas que se desdobram para cuidar da cria, alimentá-la, protegê-la e – principalmente – amamentá-la.

Sim. Não importa se a mulher é uma executiva empertigada, uma intelectual inatingível, uma operária calejada. Quando o filho nasce, ela vira um peito. Ou melhor: dois. Nada do que a mulher fez na vida ou ainda pretende fazer tem importância diante da função especialíssima de ser a única fonte de alimento de um ser que acabou de chegar. Um ser que vai crescer, ajudar a povoar o mundo e tocar em frente a grande aventura do Homo sapiens.

Quando eu amamentava a Bia (hoje uma moça de 10 anos) eu me sentia um par de peitos. Nas primeiras semanas, ela mamava a cada hora e meia. Eu vivia para isso. Minha função nesse mundo – de manhã, de noite, de madrugada – era amamentar. E, claro, trocar fralda, embalar, acalmar o choro, dar banho, lavar roupa etc, etc, etc. Quando ela mamava e dormia, eu ganhava uns 90 minutos de folga. Aí não sabia o que fazer com eles. Tomar uma ducha? Almoçar? Colocar as pernas para cima?

Eu era tão “sem noção” que três dias antes da Bia nascer fui à livraria comprar Guerra e Paz. Achava que a licença-maternidade fosse uma espécie de período sabático, o momento ideal para ler aquelas 1.349 páginas que faziam tanta falta na minha cultura geral. Tolinha. Só fui conseguir preencher essa lacuna quando ela completou três anos.

Os primeiros tempos da maternidade foram, sem dúvida, a fase mais selvagem da minha vida. Acordava cheia de energia, pulava da cama e, quando a Bia deixava, tomava um banho revigorante. Às 7 horas tomava um café da manhã reforçado enquanto assistia ao Bom Dia Brasil. Depois passava o dia inteiro em função da cria. Decidi que nos primeiros meses não pediria ajuda a mãe, sogra ou babá. Queria ser mãe em tempo integral. Queria ter liberdade para errar, acertar, aprender.

Naquele inverno de 2000, meus dias eram amamentar. Nos intervalos, corria para o tanque (que ficava no quintal, ao ar livre) e lavava na mão, com sabão neutro, a montanha de roupinhas frágeis de bebê. O vento gelado batia no meu rosto, mas eu tinha uma disposição para cuidar das coisas da minha filha que só a natureza pode explicar. Meu gasto calórico devia ser brutal. Almoçava pratos gigantescos e, ainda assim, só emagrecia. No Spa da Selva, perdi rapidamente mais de 10 quilos.

À noite, a pilha acabava. Às 22 horas, estava exausta. Dormia profundamente e mal conseguia abrir os olhos durante a mamada da meia-noite. Eu e o pai da Bia desenvolvemos uma técnica animal. Eu levantava um pouco o tronco e recostava no travesseiro. Ele segurava a Bia e acoplava a boca dela no meu peito. Ela mamava, eu dormia. Ele ficava com ela no colo por um tempo e depois a devolvia no berço. Nessa hora eu já estava no melhor do sono. Às quatro da manhã, me sentia recuperada. Pronta para a maratona de mamadas e afazeres de mais um dia. Pronta para sobreviver na selva e garantir a sobrevivência da minha cria.

Com o tempo, as obrigações mudam. Mas a vida selvagem dura pelo menos até a criança completar três anos. Aos poucos fui recuperando várias liberdades que haviam sido confiscadas pela maternidade. Hoje, com uma filha de dez anos, estou praticamente alforriada. Aproveito para respirar profundamente. Afinal, há quem diga que a verdadeira vida selvagem começa quando o filho chega à adolescência. Será mesmo? Que venha a nova selva, então. No lugar da leoa incansável, ela vai encontrar a leoa maleável. Muito mais do que era a moça que pariu aos 30 anos. A natureza é mesmo sábia.

Por tudo isso (e muito mais), sempre me considerei uma mãe dedicada. Eu me achava uma ótima mãe até conhecer a mãe do Idryss Jordan. Perto do que ela faz pelo filho, o que fiz pela minha é uma espécie de passeio no parque, com direito a pipoca e algodão doce. Vida selvagem não é a minha. É a dela. Posso ser uma mãe dedicada. Ela é mãe coragem.

Idryss Jordan tem 11 anos. É autista. Não é um daqueles autistas portadores da síndrome de Asperger (que falam, avançam nos estudos e podem até chegar ao mestrado, como eu contei numa reportagem publicada em ÉPOCA há dois anos). Idryss é um autista de baixo rendimento. Não fala, usa fralda, precisa ser vestido, trocado, alimentado e cuidado 24 horas por dia. Muitas vezes se debate e se torna agressivo.

Aos 39 anos, Keli Mello, a mãe coragem, já precisou consertar os dentes da frente. Eles foram quebrados pelo filho. Se você acha que a criança que tem em casa lhe dá trabalho demais, espere até conhecer a história de Keli, uma gaúcha de Três de Maio que vive há duas décadas em São Paulo. Não sei de onde ela tira energia para enfrentar o que enfrenta. Por sorte (ou por destino), Keli é casada com Silvio Jerônimo de Teves, um pai coragem.

A dedicação e o amor incondicional que esse casal oferece ao filho fazem qualquer um se arrepender de algum dia ter dito que criança dá trabalho demais. Quem tem um filho saudável não sabe o que é trabalho. Keli e Silvio vivem para o filho (e para a filha Hyandra, de 5 anos, que não tem a doença). Não podem trabalhar fora de casa. Quando o autismo do filho se manifestou, Keli abandonou o trabalho de auxiliar de fisioterapia.

Virou artesã. No período em que Idryss está na escola, Keli faz panos de prato e toalhas. Silvio prepara o almoço e o jantar. Idryss não aceita comida esquentada. Se ela não for fresquinha, ele percebe e não come. Depois de cuidar da alimentação da família, Silvio sai para entregar as encomendas do artesanato que Keli produz. São movidos pelo amor e acreditam que o garoto é capaz de senti-lo e retribuí-lo. “Autista não é robô. Ele sabe amar. Se peço um beijo, Idryss me dá o rosto”, diz Keli.

Nos momentos de grande agitação – quando Idryss se morde e pode agredir quem estiver perto – a única coisa que o acalma é o metrô. Isso mesmo. Ele tem fixação pelo metrô. Quando não consegue controlar o garoto, o que Keli faz? Pega o metrô na estação Tucuruvi e vai até o Jabaquara. Depois volta até o Tucuruvi. Se precisar, vai novamente ao Jabaquara e retorna ao Tucuruvi.

Cruza São Paulo de norte a sul (são 23 estações em cada trecho) para acalmar Idryss. Na bolsa, leva o almoço do garoto acondicionado num pote plástico. Quando ele fica menos agitado, saltam na estação Parada Inglesa. Keli procura duas cadeiras vazias na beira dos trilhos, com vista privilegiada para o trem. Abre o pote, retira uma colher da bolsa e alimenta Idryss. A plataforma do metrô é sua sala de jantar.

Conheci essa família há alguns dias quando fazia uma reportagem sobre o trabalho da dentista Adriana Gledys Zink. Ela será publicada amanhã (10/07) na edição impressa de Época. As famílias dos autistas enfrentam todo tipo de desassistência. Não encontram vagas em escolas preparadas para lidar com o problema, não encontram atendimento médico adequado e, como é de se imaginar, não encontrar dentistas dispostos a atender autistas. Quando essas crianças precisam de tratamento odontológico (mesmo que seja uma simples limpeza) costumam ser internadas num hospital para receber anestesia geral.

“Mesmo quem pode pagar, não encontra dentistas dispostos a cuidar de autistas. Eles sequer vêem o paciente. Simplesmente informam que não os atendem”, diz Adriana. Ela decidiu tentar fazer diferente. Depois de se especializar em pacientes especiais na Associação Paulista dos Cirurgiões Dentistas (APCD), frequentar reuniões de famílias autistas e estudar os métodos de aprendizagem disponíveis, ela criou algumas técnicas que lhe permitem se aproximar desses pacientes. Na maior parte dos casos, ela consegue cuidar dos dentes dessas crianças (e também de adultos) no consultório, sem anestesia geral.

O processo é longo. Exige extrema dedicação das famílias e da dentista. Às vezes, ela precisa de quatro sessões (ou mais) só para conseguir levar a criança até a cadeira. Quando isso não é possível e o procedimento necessário é simples (uma limpeza, por exemplo), atende a criança no chão. O entusiasmo de Adriana surpreendeu a família de Idryss. “Essa dentista não existe. Acho que estou sonhando. Ela senta no chão com meu filho, tenta de tudo e não olha no relógio para ver se a sessão acabou”, diz Keli.

Se você quiser conhecer um pouco mais sobre o trabalho especialíssimo que Adriana e o marido (o dentista Marcelo Diniz de Pinho) realizam, acesse o blog. Para ver Adriana em ação e conhecer Keli e Idryss, assista a esse vídeo: http://www.youtube.com/user/zinkpinho#p/a/u/1/ou7PVTWnfoA

Keli, Idryss e Adriana me deram uma lição de vida. Agradeço todos os dias por ter uma profissão que me permite encontrar gente tão especial. Saio de cada reportagem melhor do que entrei. Graças à enorme generosidade dessa gente que confia em mim e divide tanto comigo. Muito obrigada a todos – mães e pais coragem, entrevistados e leitores. Saio de férias hoje. Essa coluna volta no dia 06 de agosto. Espero voltar com as baterias recarregadas e os sentidos bem calibrados para mais um semestre de intensa troca com vocês. Até lá.

Por Cristiane Segatto (Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo)

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Sala de aula diferenciada

Matéria publicada na Revista Sentidos

http://revistasentidos.uol.com.br/inclusao-social/65/artigo224408-1.asp  

Sávio Vinicius gosta de estudar e é bem recebido pelos colegas do colégio regular Clarisse Fecury
"Certo dia, estava na sala com outra professora e entregamos o notebook para o aluno Sávio. No equipamento, estava visível o programa que apresenta as letras de forma descontraída. No mesmo instante, ele digitou a inicial do seu nome e abriu um sorriso contagiante, com uma expressão de ‘eu posso’. Foi uma emoção que jamais esquecerei", foram as palavras da pedagoga Dulcilene Farias, ao relatar o progresso do aluno Sávio Vinicius Barbosa, de 8 anos, que tem paralisia cerebral.

O garoto, que só mexe os olhos, um pouco a mão e não fala, integra o grupo dos estudantes da “sala de recursos multifuncionais”, da Escola Estadual Clarisse Fecury, Rio Branco (AC). Esse ambiente especial faz parte do Programa de Implantação de Recursos Multifuncionais, do Ministério da Educação (MEC).


Maria Elciane adaptou a bicicleta para levar seu filho à escola
Exemplos consistentes de sucesso


Entre materiais didáticos, equipamentos e móveis que são instalados em um espaço da escola, realiza-se o atendimento especializado de alunos com deficiência, que habitualmente estudam em turmas comuns, para aprimoramento dos seus conhecimentos. O programa, que atende mais de 24 mil unidades de ensino pelo Brasil, foca o desenvolvimento cognitivo, o nível de escolaridade, os recursos específicos para o aprendizado e as atividades de complementação e suplementação curricular. Ou seja, o estudante com deficiência, que frequenta a escola comum, poderá contar com esse local para trabalhar suas dificuldades e desenvolver tarefas acadêmicas, consequentemente auxiliando o trabalho do professor dentro da sala de aula regular.

evolução dos atendidos não se limita ao âmbito escolar. O menino Sávio, que ingressou no colégio Clarisse Fecury este ano, atualmente demonstra em casa seu progresso. “Antes não me comunicava com ele; hoje, depois dos ensinamentos da Dulce Farias, com os programas de comunicação ele passou a pedir e responder com piscar de olhos, ou apontando figuras. Estou aprendendo a entendê-lo”, conta a mãe Maria Elciane Bezerra.

De acordo com ela, o que mais a incentiva na hora de levar seu filho ao colégio (a 30 minutos da sua casa indo de bicicleta) é ver a evolução dele, principalmente no convívio social. “A coordenação motora dele melhorou muito. Antes, onde eu o colocava ele ficava imóvel. Agora, tanto com a família como com as visitas, ele se mexe e procura interagir”. Sávio consegue colocar a mão em cima do teclado e apertar algumas teclas com apoio dos equipamentos de adaptação.

A sala pode atender, além de alunos com deficiência, aqueles que possuem altas habilidades (superdotação), dislexia, hiperatividade e déficit de atenção. Há uma lista de 42 itens para a formação dos recursos multifuncionais, que compreendem de jogos pedagógicos a lupas eletrônicas, para pessoas de baixa visão. Conheça alguns no quadro abaixo!

Para estudantes com deficiência física

• Teclado com colmeia – uma placa sobressalente de acrílico com furos, que é incorporada ao teclado convencional. Permite digitar uma tecla por vez.

• Plano inclinado – suporte que serve para encaixar o livro sobre a mesa. Possibilita a leitura independente de auxílio.

• Computadores – duas máquinas por sala, sendo uma delas um notebook. Contém artigos de adaptação, desde a mesa até a tela. Acompanha uma TV LCD para seguir a lição.

Para as crianças com baixa visão ou cegueira

• Impressão em braille – todo material digitado pelo professor é impresso em braille.

• Globo terrestre tátil – os traços dos territórios e pontos importantes são confeccionados em alto relevo, dando a ideia de dimensão.

• Soroban – para efetuar todo e qualquer tipo de cálculo matemático. Uma espécie de ábaco, retangular, com hastes verticais preenchidas por elementos móveis (bolinhas).

Para alunos com deficiência intelectual , na fala, autismo, síndrome de Down e surdos

• Softwares – de comunicação aumentativa e alternativa, que utilizam símbolos, possibilitando a construção de painéis de comunicação para serem utilizados no computador onde a seleção de uma figura através do teclado resulta em emissão de voz gravada ou sintetizada. Há também o teclado digital, que pode ser personalizado em cores e tamanhos.

• Jogos – dominós de associação de ideias e de frases, o sacolão criativo (peças de Lego para montar), dominó de animais e frutas em Libras, entre outros.

• Esquema corporal – uma espécie de quebra-cabeça, em que as peças são partes do corpo humano. Na versão de papel e de boneco. Fundamental para as aulas de biologia.

Do Oiapoque ao Chuí

Os recursos pedagógicos podem desenvolver a comunicação do estudante com o professor, isso quem nos diz é Giovanna Xavier, professora da Escola Municipal Tancredo Neves, de Belo Horizonte (MG). Ela reitera, assim como a mãe de Sávio, que após utilizar esses recursos, alguns alunos que têm dificuldade no relacionamento melhoraram a convivência social, e conta: “Meu esforço profissional foi plenamente retribuído quando um aluno com autismo, que nem sequer olhava nos meus olhos, se expressou claramente pela primeira vez”. A situação que relata foi de quando a mãe desse garotinho chegou para buscá-lo e ele pegou sua mochila, olhou para a docente e disse: “embora”.

“Antes não me comunicava com ele; hoje, estou aprendendo a entendê-lo”, mãe do Sávio

“Naquele momento, senti que meu objetivo começava a ser alcançado”, afirma Giovanna, com a emoção própria de quem trabalha com inclusão escolar.

Em Belo Horizonte, a Secretaria Municipal de Educação criou uma equipe de triagem, para encontrar os alunos com deficiência, em diversas escolas. Feito isso, organiza o transporte e direciona as crianças para os colégios que têm as salas multifuncionais, mesmo que elas não estejam matriculadas naquele colégio.

Outra capital onde o programa dá frutos é Florianópolis (SC). Rosane Farencena é professora e trabalha há sete anos na área de inclusão da Escola Básica Municipal Osmar Cunha. A sala de recursos lá é chamada de Multimeios, e tem uma média de 11 alunos atendidos, até três vezes por semana. Rosane aponta a procura de professores de salas comuns por conhecimentos e auxílios para desenvolver as atividades acadêmicas dos alunos com deficiência como um dado interessante. “Nossos colegas têm se conscientizado, cada vez mais, sobre o assunto e passaram a acreditar na inclusão escolar. Isso transparece para os alunos sem deficiência, que recebem melhor os colegas e até mesmo se oferecem para serem monitores. Para o programa dar certo, a escola toda deve estar envolvida”, afirma.

“Meu esforço profissional foi plenamente retribuído quando um aluno com autismo se expressou claramente pela primeira vez”, professora Giovanna Xavier

Para Rosane, um momento de grande emoção foi quando Flávia Maciel, mãe de Vinicius Magnus, 7 anos, que tem síndrome de Down, pegou a primeira prova do filho e chorou de tão contente que estava. “Ela já tinha matriculado o Vinicius em diversas escolas. Mas foi só quando chegou a nós que ele conseguiu desenvolver sua escrita e compreensão. Aquela era a sua primeira avaliação, e ele estava conosco só há dois meses”.

Flávia conta que as outras instituições de ensino davam uma baixa perspectiva de aprendizado para o filho, que era excluído das atividades. “Nos colégios particulares só tinha decepções. Agora, não gasto nem com uma borracha e vejo que a cada dia ele aprende e se envolve mais e mais com os colegas. É gratificante ouvir dos professores o quanto o Vinícius é atento, participativo e tem vontade de aprender”, conclui orgulhosa a mãe.


Giovanna Xavier trabalha há um ano e meio com inclusão escolar de crianças com deficiência
Os trâmites legais

A formação da sala de recursos multifuncionais dá-se por meio de processo licitatório realizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A Secretaria de Educação efetua a adesão, o cadastro e a indicação das escolas contempladas no Sistema de Gestão Tecnológica do Ministério da Educação (Sigetc). Esse registro é feito conforme o Manual de Orientação do Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais. Para que as escolas dos municípios possam receber os aparatos, a Secretaria de Educação da cidade deve elaborar o Plano de Ações Articuladas (PAR), registrando as demandas do sistema de ensino com base na realidade educacional de cada colégio.

Para o programa dar certo, a escola toda deve estar envolvida”, Rosane Farencena

Outro requisito importante é que as unidades de ensino precisam ser da rede pública com registro no Censo Escolar/MEC/INEP e apresentar a matrícula de alunos da educação especial em classes comuns. Além disso, é necessário disponibilidade de espaço físico para o funcionamento da sala e professor com formação continuada em Educação Especial para atuação no Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Qualificação com treinamento

Mas não basta ter os recursos sem que o corpo docente saiba manuseá- los. Por isso, as prefeituras e o MEC oferecem cursos de especialização. De acordo com Patricia Cunha, que faz parte do núcleo de inclusão escolar da pessoa com deficiência da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, até o momento, os professores da região têm se especializado com cursos oferecidos pela prefeitura. As aulas são presenciais, todas às quintas-feiras, ou à distância, em universidades de outros Estados. A prefeitura ainda aguarda pelos recursos do Ministério da Educação.

No entanto, o MEC oferece essa formação para as cidades de Florianópolis (SC) e Rio Branco (AC). A professora Rosane frequenta a pós-graduação em atendimento educacional especializado, custeada pelo órgão. Por outro lado, a prefeitura oferece cursos contínuos de reciclagem e aprimoramento profissionais. No Norte do País, a pedagoga Dulce Faria recebe apoio do ministério, da prefeitura e ainda do governo estadual, com cursos de formação continuada direcionados à educação especial e à regular, com aulas que ensinam como ter o contato adequado com a criança com deficiência e saber lidar com os equipamentos disponíveis. “Os órgãos governamentais têm nos dado muito apoio nesse sentido. O que nos falta é as pessoas serem mais humanas em relação àquelas que têm deficiência. Um olhar construtivo, e aceitar como se não houvesse dificuldades. A inclusão ainda precisa ser melhorada, mas já é real”, finaliza Dulce.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Mães e filhos com deficiência – 2

Científicas incorretas: “ele (criança) é assim por ter sofrido várias cirurgias de hérnia intestinal ” (F2 – Síndrome de Beckwith-Wiedemam).

São as explicações com fundamentos científicos verbalizados erroneamente, equivocadamente ou com terminologia incorreta (Pina-Neto, 1983). Essas explicações oferecidas pelas mães demonstraram a tentativa da procura de algo concreto e visível (características familiares comuns, problemas físicos palpáveis, dados da idade da mãe) que justificasse a deficiência. Aliadas a tais explicações vinham também embutidas expectativas concretas que sanassem a problemática da criança, como algum medicamento ou tratamento que melhorasse ou até mesmo curasse os traços da síndrome.

Castigo: “acho que o cigarro colaborou, sei lá, o organismo estava pré-disposto. ” (Fl – Síndromede Silver-Russel).

As explicações não encontram fundamento nos princípios ou leis científicas, mas em princípios religiosos ou em algum ato condenável social ou cientificamente. As mães entrevistadas argumentaram a anomalia da criança em atos que executaram, reprováveis, que às levaram ser castigadas.

O castigo apresenta-se aliado ao sentimentode culpa. Quando as mães realmente cometiam algum ato, direta ou indiretamente, que julgavam errado ou que estavam contra as normas da sociedade em que viviam emergiram os sentimentos de autorecriminação e de remorso.

Crendice Popular: “Porque quando estavacom 4 meses caiu na creche e isso causou o problema. ” ( F 9 – RDNPM).

São as explicações que não apresentam fundamentos em leis científicas ou princípios religiosos, mas acham-se fundamentadas em conceitos enraizados na cultura popular (Pina-Neto, 1983). Demonstrou o processo mental que as mães construíram como hipótese da causa da deficiência da criança, corroborando a observação de que elas procuram algo concreto como explicação, que satisfaça, independente das curiosas associações que fazem.

Não sei: “não encontro explicação nenhuma, fico sem saber o que pensar. ” (F21 – Sem Diagnóstico).

As mães não conseguiram explicar a deficiência do filho. Demonstraram, sentirem-se confusas e perdidas frente a tantas coisas novas que passaram à enfrentar.

Esse fato pode relacionar-se à complexidade das vivências que as mães devem estar experienciando. De um lado todo o jargão médico, exames, profissionais específicos para cada problema. Do outro lado sentimentos conflitantes e falta de controle, enfrentamento de novas realidades que promovem estresse, dor e tristeza, aliados ao amor e carinho que sentem pela criança e medo do que pode vir à acontecer.

Outra hipótese decorreu do sentimento de negação, uma vez que o que não existe não precisa ser explicado.

O tema sentimentos abarcou o que as mães estavam sentindo no momento em que foram entrevistadas, ou seja, qual sentimento estava ali presente resultante, principalmente, do enfrentamento da deficiência do filho.

Negação: “eu acho que não tem problema, o pai também era baixinho. A única coisa é que ele não engorda” (F13 – Síndrome de Silver-Russel).

A negação é encontrada como resultado de uma falta ou ausência (Ferreira, 1988). É uma atitude que encobre a não aceitação da deficiência, ou seja, a pessoa se recusa a enxergar a realidade como ela se apresenta, fantasiando ou fingindo que o problema não existe (Ardore e cols., 1988).

Decorrente dessa amostra, a negação da condição de deficiência do filho foi expressa de várias formas, explícitas ou implícitas. As mães: negaram a problemática da criança como um todo, como se esta simplesmente não existisse. Negaram baseadas no funcionamento fisiológico da criança, como se algo externo, cirurgias ou doenças congênitas, impedisseo organismo de se desenvolver. E negaram também baseadas nos traços físicos e/ou mentais, procurando na família traços que se assemelhem aos traços característicos da síndrome.

Este sentimento foi intenso sendo freqüentemente relatado. Apresentou-se quase sempre aliado a todos os outros sentimentos manifestados.

Resignação: “não tem cura, ele (criança) tem(a deficiência) e pronto. Temos que ajudar ele… “(F4 – Síndrome de Down)

As mães entrevistadas relataram sentimento de resignação e de conformismo atrelados à princípios religiosos. Como no estudo de Vale (1997), esta categoria configurou-se por discursos que as mães não mostravam rancor e sentimento de impotência, ao contrário, apresentavam sentimento de que não esperavam mais nada da medicina, que fizeram e estão fazendo tudo que é humanamente possível, e que nesse momento só lhes resta extrapolar a situação terrena para buscar conforto num Ser superior.

Revolta: “A gente faz tudo que pode, repouso, parei de trabalhar para ter o filho… e aí a gente perde? ” (F7 – Futura Descendência).

A revolta, perturbação moral causada por indignação, foi outro sentimento evidente. Os relatos da amostra indicaram a indignação que as mães estavam experienciando frente à deficiência da criança, verbalizando as várias perdas que sofreram, bem como as mudanças pessoais e a decepção frente ao ocorrido com o filho.

Observa-se que esse sentimento não foi estanque, alternando-se com sentimento de resignação.Essa dualidade demonstra claramente a turbulência do processo, levando as mães a situações de extremo conflito.

Premonição: “não sei, pensava sempre que ia nascer com problema. ” (F20 – Sem diagnóstico).

A premonição é definida como uma sensação ou advertência antecipada do que vai acontecer, um pressentimento (Ferreira, 1988). As mães entrevistadas relataram que sentiram, que de alguma forma haviam sido avisadas que estavam prestes à ter uma criança com problemas.

No entanto, Soifer (1980) alerta que toda gestante apresenta sonhos típicos da gravidez, que exprimem os temores em relação à maternidade e a incapacidade de criar e educar os filhos. No geral, a tendência é o de expulsar esses sentimentos. Porém, como no caso dessa amostra, quando nasce uma criança com problema o sonho torna-se realidade tomando a característica da premonição, passando as mães a associarem os fatos e a sentirem que foram avisadas que algo sucederia com o filho.

Discute-se também se a premonição não poderia ser considerada um mecanismo de defesa. O sentimento das mães de que algo de errado estava para acontecer com a criança foi concretizado, assim, não teria porquê se decepcionar com o ocorrido, uma vez que de alguma maneira haviam sido alertadas.

Confusão: “Estou com a cabeça atordoada… não consigo expressar o que estou sentindo, minha cabeça está toda enrolada…” (F3 – Síndrome de Down).

A confusão é a incapacidade de reconhecer diferenças ou distinções. É uma falta de clareza (Ferreira, 1988). As mães relataram conflitos com relação ao que estavam sentindo, uma vez que encaravam um fato inesperado com o qual tinham que lidar. É o sentimento de dúvida, expresso pelas mães, sob as mais variadas formas, no qual tudo lhes parece extremamente difícil. Ao mesmo tempo relataram a inquietação que sentem diante dessas dúvidas.

Segundo Reagen e cols. (1993) esse é um momento que de nada adiantam as informações dos profissionais uma vez que as mães demonstram-se bloqueadas emocionalmente e incapazes de absorverem-nas. Assim, elas passam a revelar muito mais dúvida e temor do que confiança em relação ao tratamento. Entretanto, ao mesmo tempo em que esse traz dúvidas e incertezas ele é tido em última instância como uma possibilidade de melhora e cura. È o momento que a mãe faz por fazer, no qual as questões emocionais apresentam-se de forma intensa.

Culpa: “O pai se sente culpado, ele (pai) fica calado, acho que ele pensa… que se sente culpado. ” (F14- Futura Descendência)

A culpa é o sentimento de ter sido o responsável por uma ação ou por uma omissão prejudicial, reprovável ou criminosa. É a violação ou inobservância de uma regra de conduta, de que resulta lesão do direito alheio (Ferreira, 1988). As mães demonstraram através de seus relatos que se sentiram culpadas por atos que acreditavam serem os prováveis responsáveis total ou parcialmente pela deficiência do filho.

Como no estudo de Valle (1997), também nessa amostra, seguido à reação inicial de choque vem o sentimento de culpa. Implicitamente, as afirmações contêm também sentimentos de vergonha.Como diz Buscaglia (1993), os pais juntamente como sentimento de pecado e repugnância pelo que fizeram, sentem-se indignos de terem o filho perfeito já que erraram. E esperam que seus filhos de certa forma se tornem um reflexo do melhor de si próprios, sentem-se envergonhados quando isso não acontece, principalmente se acreditam que esse não acontecer é fruto de algum ato que cometeram.

Os dados relativos às expectativas relatada sem relação ao futuro da criança apontam para alguns aspectos positivos, crendo no desenvolvimento da criança e na cura. As mães justificavam essas expectativas, demonstrando a capacidade de selecionarem os pontos que seus filhos podem estar desenvolvendo.

Positivas: “é uma criança que vai inspirar cuida-dos o resto da vida, mas eu espero que ela supere efique o melhor possível… ” (F25 – Hidrocefalia)

Expectativas Positivas foram compostas com as verbalizações que expressavam esperança de um futuro promissor para a criança portadora de deficiência. As mães relataram a necessidade de concretizarem o que idealizaram para seu bebê independente das dificuldades que possa apresentar. Petean (1995) relata que as mães tentam superar a problemática do filho valorizando as características físicas e de personalidade da criança. Atentam para as reais possibilidades em detrimento dos pontos tidos como prejudicados.

Desenvolvimento criança: “acho que ele (criança) vai recuperar o atraso… ele está indo bem… “(F2 – Síndrome de Beckwith-Wiedeman)


O desenvolvimento da criança foi visto como uma expectativa de progresso relativo tanto ao físico, quanto ao intelecto. As mães da amostra esperam que seus filhos tornem-se maiores ou mais fortes, ou que progridam, aumentando sua capacidade intelectual.

Cura: “quando a gente procura o médico quer cura… ” (F21 – Sem Diagnóstico)

A cura é um meio de debelar uma doença,um tratamento (Ferreira, 1988). As mães mostraram a expectativa de sanar a problemática da criança, independente dos meios que levassem a este fim. Foi uma crença vocalizada livremente. Crepaldi (1999) relata que “a esperança de cura é um sentimento permanente, ainda que os pais conheçam a gravidade da doença, e que é remota a possibilidade de recuperação”.

As mães relataram, também, expectativas negativas e ansiedade/insegurança relacionadas ao futuro de seus filhos. Ao mesmo tempo em que crêem na melhora verbalizam sentimentos que expressam a dúvida, medo e temor do futuro, desde perda e morte do filho até mesmo como esses irão sobreviver frente à falta delas próprias:

Negativas: “Tínhamos medo e temos de que ele (criança) não sobreviva… ” (F19 -Hidrocefalia)

As expectativas Negativas configuraram-se com a descrença em relação ao futuro do filho como promissor. As entrevistadas demonstraram desencanto quanto ao futuro, ao tratamento, à cura, etc.

Essa expectativa vem atrelada ao sentimento de dúvida que bloqueia os pais que não percebem que cada criança tem um ritmo diferente de maturação e desenvolvimento. Além disso, a ansiedade decorrente do desenvolvimento retardatário faz com que não dêem atenção ao que já foi obtido. Assim, se a criança fala, os pais preocupam-se pois ainda não anda.

Ansiedade/ insegurança: “aí é que tá o meu medo…Tenho medo de que ela (filha) venha a depender da gente para tudo… ” (F17 – Síndrome de Down).

A ansiedade é uma ânsia, um estado afetivo caracterizado por um sentimento de insegurança. É a condição daquele que não tem segurança, confiança ou garantia. As mães relataram a preocupação com o futuro de seus filhos com deficiência frente à morte dos progenitores principalmente pelo fato desses filhos serem relativamente dependentes. Sentem-se insegurança pois não sabem quem poderia estar assumindo os cuidados de seus filhos quando estiverem ausentes.Assim o envelhecimento dos pais passa a ser vivificado como uma fase de sofrimento, no qual os temores novos juntam-se aos antigos.

Futura descendência: “estou com esperanças de que encontrem alguma coisa, porque isso vai responder o porque aconteceu com as crianças. Vai me tranqüilizar. Primeiro quero saber o motivo, depois planejar nova gravidez… Se o exame não der nada vai permanecer na incógnita do porquê, não tenho, não arrisco… nem se for de 5% não engravido. “(F14 – Futura Descendência).

As mães que vieram ao Aconselhamento por terem tido história de abortos de repetição ou natimorfos, aqui definida como Futura Descendência, demonstraram em relação ao futuro a vontade de esclarecer o diagnóstico, as dúvidas sobre as causas diagnosticas e a resposta sobre a possibilidade de engravidar novamente. Tendo a causa dos abortos de recorrência definida, tentar-a gravidez de uma maneira mais tranqüila. Petean (1995) também observou em seus dados que a decisão de uma nova gravidez está condicionada ao risco de repetição.

Observou-se que esses casais nutrem o sentimento de esperança na resposta negativa de algum risco para futuras gestações por parte dos profissionais, crendo sempre realizar o sonho de serem pais.

Considerações Finais

A amostra constituir-se somente de mães é fato natural pois na população aqui representada, a um dos membros do casal, quase sempre à mãe, é atribuída a função de “cuidar” da criança, principalmente nas questões relacionadas à saúde e educação. Esses dados corroboram o de Pina-Neto(1983) que também encontrou maior atenção das mães ao lidar com os filhos.

As reações das mães, num primeiro momento foram de choque, tristeza, revolta, resignação, culpa,bem como busca de ajuda para o filho. Essas reações são as comumente encontradas na literatura que abarca a questão da deficiência. Porém nesse estudo diferentes síndromes estiveram presentes, o que leva a supor que, independentemente da problemática, as reações manifestadas são as mesmas.

O fato de grande parte das mães explicarema causa do problema com base em argumentos não científicos leva a supor que a maioria das pessoas possuem dificuldade em compreender os mecanismos causadores da deficiência. Assim, as crendices populares, ou dogmas religiosos que passam de geração à geração tornam-se mais compreensíveis e confortadoras para elas.

Essa observação remete-se à caracterização da amostra. A carência de argumentos tidos como científicos pode relacionar-se com o fato das mães da amostra possuírem baixo nível cultural. Salvo explicações tidas como Científicas Corretas, as mães demonstram dificuldade em estar assimilando os argumentos médicos em detrimento de suas próprias justificativas reais e palpáveis, porém nem sempre verdadeiras em termos científicos.

Esta foi uma discussão também apresentada por Pina-Neto (1983). Segundo o autor os fundamentos de explicação que os pais usam depende do estado social a que pertencem, deixando claro as fronteiras de penetração da Medicina Científica junto às camadas populares. Conclui que provavelmente a baixa escolaridade e a distância social entre as pessoas das camadas populares e os agentes do processo de Aconselhamento Genético devem ser os principais responsáveis pela dificuldade de assimilação dos princípios científicos pela maioria das pessoas.

No entanto, como Regen e cols (1993),ressalta-se aqui a necessidade de saber porquê o filho é portador de tal ou qual anomalia como forma dealiviar certos conflitos relacionados à culpa,inferioridade, vergonha, confusão e raiva.

No estudo sobre representação das causas das doenças, observou-se que ao definir a doença os familiares pautam-se nos sintomas apresentados e apartir daí revelam suas representações sobre o mal, delimitando-o, bem como suas relações e seu significado, excluindo das suas representações a gravidade da doença (Crepaldi, 1999)

Observou-se que um dos mecanismos de defesa mais utilizados pelas mães foi a negação, manifestada de forma explícita ou implícita. Utilizaram-se desse mecanismo como forma de minimizar ou encobrir a problemática da criança no intuito de conseguir um maior tempo para se reestruturarem. Como afirma Buscaglia (1993) a cruel dolorosa realidade de ser subitamente presenteado com uma criança com deficiência permanente e o sentimento de total incapacidade para mudar a situação não são coisas fáceis de aceitar. Portanto, é normal, a princípio questionar, culpar, rejeitar e até mesmo odiar a si mesmos e a criança. É normal tentar evitar a dor, expulsando-a da mente, fugindo ou disfarçando, negando a sua existência e fantasiando seu fim.

Sabendo que um aspecto essencial para a evolução da criança é a conduta dos pais como detentora de benefícios e prejuízos no processo de desenvolvimento, em relação às expectativas ao futuro dos filhos as mães demonstraram-se preocupadas com o desenvolvimento geral desse e com a perspectiva de cura. A busca de cura mostrou-se como uma necessidade normal dos pais que permanece presente independente do tipo dedeficiência ou da compreensão destes sobre o diagnóstico. Crepaldi (1995) também conclui em seu estudo que a esperança de cura é um sentimento permanente, ainda que os pais conheçam a gravidade da doença e que é remota a possibilidade de recuperação.

Em função aos pontos aqui salientados considera-se fundamental que os profissionais envolvidos com a questão da deficiência tomem conhecimento não só das condições emocionais dos pais, mas também que conheçam suas expectativas e principalmente conheçam quais são as explicações que estão dando para o problema.

Outro fator a ser salientado é o da adequação da linguagem dos profissionais, oferecendo aos pais informações claras e objetivas, permitindo-lhes uma melhor compreensão dos fatos. Desta forma, acredita¬se que o profissional efetivamente estará trabalhando com a realidade de cada família, contribuindo para a sua reestruturação.

Fonte: Fonte: Revista Paidéia, FFCLRP – USP, Ribeirão Preto, 1999.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Mães e filhos com deficiência – 1

Meus amigos e amigas, a matéria de título acima apesar de longa, é muito interessante e me foi passada pela minha amiga Vera do http://www.deficienteciente.com.br/ 
Dividi em duas partes, amanhã publico a última.


O nascimento de uma criança com deficiência traz nova realidade à família. O objetivo foi apreender quais reações, explicações, sentimentos e expectativas as mães exprimiam frente à notícia da deficiência do filho. A amostra caracterizou-se por 25 mães encaminhadas ao Aconselhamento Genético da FMRP- USP, entrevistadas individualmente sobre um roteiro semi-estruturado. Delas, 38% estavam entre 20/25 anos e 1º grau incompleto (71 %). As crianças 52% com até 1 ano. Os diagnósticos: 24% Síndrome de Down e 20% sem diagnóstico. Os dados – Análise de Conteúdo Temática – demonstraram que ao receberem a notícia as mães ficaram chocadas. Manifestaram sentimentos de negação, tristeza, resignação, revolta. Explicaram a problemática cientificamente e por crendices populares. Negaram a deficiência. Apresentaram expectativas à cura.Independente da problemática, a notícia choca. Há dificuldade em aceitar o diagnóstico e constante busca de cura. Os profissionais devem conhecer as condições emocionais lidando, assim, efetivamente com a realidadede cada família.

O nascimento de uma criança com deficiência traz um nova realidade para a família. De acordo com MacCollum (1984) os pais experimentam a perda das expectativas e dos sonhos que haviam construído em relação ao futuro descendente.

A extensão e a profundidade do impacto deste nascimento são indeterminadas, depende da dinâmica interna de cada família e do significado que este evento terá para cada um (Faber, 1972).

No entanto, a família acaba procurando meios de se adequar à nova realidade. Desenvolvem duas maneiras de lidar com a informação: enfrentando e reagindo (Miller, 1995). Enfrentar significa fazer aquilo que é preciso, lidar com problemas e avançar. Reagir significa lidar com emoções que incluem desde confusão até o medo da incompetência.

Todos vivenciam o choque e o medo com relação ao evento ou ao reconhecimento da deficiência, bem como a dor e a ansiedade de se imaginar quais serão as implicações futuras. Todos experienciam a perda que gera desapontamento,frustração, raiva, à medida que desaparecem a liberdade e o tempo para o lazer (Vash, 1988).

Enfim, sentir-se responsável pelo problema do filho, conformado ou revoltado é uma forma detentar elaborar o que deu errado. Assume-se a culpa,o conformismo e a raiva porque quando existe um culpado, ao menos existe uma explicação.

Ao contrário, os pais podem se defender simplesmente negando. A negação é um mecanismo de proteção amplamente discutida na literatura(Buscaglia, 1993; Petean, 1995; Petean &Pina-Neto,1998) Apresentando-se quase sempre de duas formas. A negação escolhida, caracterizada por um pensamento do tipo “se eu ignorá-la, talvez vá embora”. A negação inconsciente quando realmente se olha para os fatos e não consegue percebê-los como verdadeiros (Miller, 1995).

Esses sentimentos e processos pelos quais passam os pais vão interferir diretamente na aceitação da criança. Os pais ao perderem o filho desejado podem, imersos em seu sofrimento e não elaborando o luto, estarem impedidos de estabelecer um vínculo com o bebê real. Podem fazê-lo, por exemplo, com o bebê desejado e perdido, ficando, assim, prisioneiros da melancolia. Ou podem, paradoxalmente, estabelecer o vínculo com a deficiência e não com o filho com deficiência, ou seja, suas relações estarão baseadas no fenômeno e não na criança, nas práticas terapêuticas e não nas necessidades humanas(Amaral, 1995).

Torna-se, assim, de suma importância, a maneira pela qual os pais vão explicar a causa da deficiência de seus filhos – a compreensão do significado do problema.

Conforme vão superando e sobrevivendo à deficiência, começam a criar expectativas que vão de positivas à negativas. Esperam desde o desenvolvimento da criança até a completa incredibilidade em relação a situação do filho (Omote,1980). É interessante notar que essas expectativas também podem ser influenciadas pelas explicações que constróem como causa da deficiência (Brunhara& Petean, 1998). Independente da explicação que possuem, as mães esperam que o desenvolvimento do filho melhore ou seja normal. O desejo de cura é uma constante (Petean, 1995).

Para os profissionais envolvidos com as famílias de pessoas com deficiência, é de suma importância que tenham o maior conhecimento possível das dinâmicas pelas quais passam estas famílias para se instrumentalizarem emocional e racionalmente, uma vez que a literatura (Regen ecols., 1993; Omote, 1980; Petean, 1995; Petean &Pina-Neto, 1998) tem enfatizado a necessidade de que esses pais recebam o maior número possível de informações, que tenham suas dúvidas esclarecidas para que possam decidir com maior segurança os recursos e condutas primordiais para o bom desenvolvimento de seu filho.

Objetivo

O objetivo desse trabalho foi o de apreender as reações, explicações, sentimentos e expectativas que os pais de crianças com deficiência exprimiam frente à notícia da possível deficiência e/ou anomalia genética de seus filhos.

Método

Sujeitos

Foram entrevistadas vinte e cinco mães encaminhadas ao Serviço de Genética Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para Aconselhamento Genético constando de diagnóstico, prognóstico e orientação. Destas mães, vinte e uma tinham filhos com suspeita de serem pessoas com deficiência e/ou anomalia genética. As outras quatro mães estavam sendo encaminhadas para diagnóstico de Futura Descendência, ou seja, situações em que o casal vem para Aconselhamento Genético, o filho afetado já faleceu e, portanto, o objetivo do estudo é especificamente determinar os riscos para futura descendência do casal (Pina-Neto, 1983).

Coleta de dados

Tendo em vista os objetivos da pesquisa, de apreender dados relativos à sentimentos, percepções de experiências passadas dos sujeitos, dados que estão”dentro” dele e que de acordo com Cannell & Kahn(1974) só ele é capaz de informar, optou-se por realizar entrevistas semi-estruturadas utilizando um roteiro com tópicos (temas ou núcleos) relacionados e direcionados para tais objetivos. O roteiro configurou-se por seis temas: dados pessoais; sobre o nascimento; informações sobre o serviço; conhecimento do problema; aspectos emocionais; e informações gerais sobre o casal.

As entrevistas foram realizadas por um profissional/psicólogo antes da primeira consulta médica no serviço.

Análise dos dados

Optou-se pela análise qualitativa uma vez que segundo Biasoli-Alves & Dias ( 1992), “apesar de não desenvolver quantificação dos dados não perde com isso o rigor científico”.

Para iniciar a análise – Análise Temática de Conteúdo – retoma-se os objetivos, realiza-se uma leitura exaustiva das entrevistas com o intuito de deixar-se impregnar pelo seu conteúdo. Nessa fase determinam-se os recortes, a forma de categorização, e os conceitos teóricos mais gerais para orientação da análise (Minayo, 1993).

Assim ficaram estabelecidos os seguintes recortes: reações das mães quando receberam a notícia da possível deficiência do filho; as explicações para o problema; os sentimentos vivenciados; e as expectativas quanto ao futuro. A seguir foram construídas as categorias e as mesmas foram então definidas.

De acordo com a forma de análise proposta, não houve a preocupação de quantificação dos dados em termos de freqüência. Assim, todas as categorias referentes aos temas serão apresentadas.

A identificação das famílias foi realizada atribuindo-se números às mesmas, aleatoriamente, de um a vinte e cinco, e posterior diagnóstico da criança. Por exemplo: Fl – Síndrome de Beckwith-Wiedeman.


Caracterização da Amostra

A amostra caracterizou-se por vinte e cinco mães que foram encaminhadas ao Ambulatório de Genética Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Destas mães, quatro não possuíam filhos pois vieram ao serviço para diagnóstico de Futura Descendência com histórico de abortos de recorrência. Da amostra total, 40% das mães tinham idade de 20 a 25 anos ao nascimento do filho afetado ou dos abortos; e 24% tinham idade de 25 à 30 anos. A maior parte, 72%, apresentou nível de escolaridade de 1º grau incompleto, seguido de 2° grau incompleto, que teve uma porcentagem de 12%.

Em relação às vinte e uma crianças, onze ou 52,38% da amostra chegaram ao Ambulatório com até um ano de idade, seguido de cinco crianças (23,80%) com idade entre dois e três anos. Onze crianças são do sexo masculino (52,38%) e dez (47,62%) do sexo feminino. A ordem dos nascimentos demonstra que 32% delas são primogênitos, 28% segundos filhos, sendo que 16% das crianças quarto filho ou mais. Quanto ao planejamento da gravidez, da amostra, 60% das mães não planejaram engravidar do filho afetado.

Os diagnósticos definidos durante o Aconselhamento resultaram em cinco crianças (23,80%) com Síndrome de Down, duas com Síndrome de Silver-Russel (9,52%), duas (9,52%) com hidrocefalia e também duas (9,52%) crianças com Retardo do Desenvolvimento Neuro-Psico-Motor (RDNPM). Do total das crianças, quatro(19,04%) permaneceram sem diagnóstico definido após um ano e meio de atendimento na genética.

Resultados e Discussão

A análise das entrevistas demonstrou que as mães reagiram a notícia da possível deficiência do filho intensamente. As reações eram concomitantes à notícia mas não seguiram uma ordem pré-estipulada, sendo que uma não excluía necessariamente a outra. As mães passaram por:

Choque: “Quando a médica falou fiquei chocada. Fui ao telefone e liguei para ele (marido).Pedi para ele vir para o hospital. ” (F4 – Síndrome de Down)

O choque pode ser definido como um abalo emocional (Ferreira, 1988). Para Drotar (1975) é uma interrupção abrupta dos estados emocionais usuais, que rompe com o equilíbrio de cada um. É descrito como uma situação de torpor, uma sensação de impotência e sentimento de desamparo.

A análise dos dados das entrevistas demonstrou que qualquer dúvida levantada em relação às condições de saúde física e/ou mental da criança deixou as mães chocadas. Elas relataram esta reação aliando-a a sentimentos de perda e de pesar. Perda do filho sonhado e pesar pelo próprio desapontamento, pois se sentiam logradas ao direito do filho perfeito, ficando sem saber como proceder no momento da notícia.

Tristeza: “Fiquei triste, a gente estava preparado para uma coisa aconteceu outra… a gente esperava um filho perfeito, faz lembrancinhas, as pessoas vão visitar e ela (criança) não estava em casa. ” (F25 - Hidrocefalia)

A tristeza é um aspecto revelador de mágoa ou aflição (Ferreira, 1988). No momento da notícia, as mães disseram-se tristes, decepcionadas e frustradas frente à ausência da satisfação do desejo do filho idealizado. Como na amostra de Miller (1995) as mães lastimaram as mudanças concretas que estavam precisando fazer na sua vida. Outro aspecto importante é a “tristeza crônica”, um sentimento que nunca é superado e freqüentemente revivido: aniversários, idade de entrada na escola, etc, trazem à tona o que poderia ser e não é.

Resignação: “Deus quis assim a gente tem que se conformar… Se Deus quiser liberta ele” (F6- Distrofia Muscular Progressiva Tipo Duschenne)

A resignação é encontrada como a renúncia espontânea de uma graça; a submissão paciente aos sofrimentos da vida (Ferreira, 1988). Apareceu acompanhada por sentimentos de passividade, de conformismo, de valores religiosos e misticismos. Pode estar influenciando na aceitação da criança e na visão que a mãe construirá da deficiência do filho. O risco se faz presente a partir da crença de que não há mais nada a se fazer pela criança omitindo-se, minimamente, aos tratamentos necessários.

Revolta: “a égua (médica) falou que ele (criança) tinha Down, que não ia andar, não ia falar. Quase bati nela, joguei pela janela…” (F4 -Síndrome de Down)

A revolta, grande perturbação moral causada por indignação, aversão e repulsa (Ferreira, 1988) é uma reação manifestada frente a uma situação não esperada sobre a qual não se tem controle. Esta revolta foi expressa pela aversão à criança, ao cônjuge, à Deus, aos profissionais que estavam envolvidos com a família, enfim, à terceiros. Funciona como uma válvula de escape para a cólera que sentiram pela injustiça do problema de seus filhos.

Busca: “Quando fiquei sabendo, queria saber de tudo: risco de vida da criança, conseqüências, como a criança seria, quis conhecer a APAE… “(F19 – Hidrocefalia).

A busca resulta na necessidade de procurar respostas e formas de auxiliar frente à algo que incomoda ou requer cuidados. Boyd (1950), pai de uma moça com deficiência intelectual, coloca a busca como uma etapa em que parou de pensar menos em si próprio, para passar a pensar em sua filha. Como as mães entrevistadas, começaram a apresentar necessidade de enfrentar a anomalia da criança, fazendo com que procurassem especialistas e instituições, ou seja, respostas aos seus mais variados questionamentos, crendo, assim, na volta de um certo controle para suas vidas.

Em relação à causa da deficiência, as mães buscam fundamentos científicos, religiosos e populares para explicá-la:

Científicas corretas: “os médicos falaram: um problema na hora que o espermatozóide encontra o óvulo. Aconteceu algo, deu um acidente” (F4 -Síndrome de Down)

São respostas que se fundamentam nas Leis e Princípios aceitos na Biologia Humana e na Medicina (Pina-Neto, 1983). Foram as explicações que as mães ofereceram corretamente tais quais as explanações dos profissionais que lidam com a criança.

No entanto, observou-se que apesar das mães relatarem tais explicações, não deixaram de acreditar em seus próprios argumentos. Um dado que fala por si só é o da F9 (RDNPM): a mãe explicou a problemática da criança em termos científicos – “porque ele é prematuro, nasceu de 6 meses ” — mas não deixou de colocar também como causa “porque quando estava com 4 meses caiu na creche e isso causou o problema ” – resposta categorizada como Crendice Popular – demonstrando, assim, a força das crenças pessoais de cada um.

Continua amanhã

Fonte: Revista Paidéia, FFCLRP – USP, Ribeirão Preto, 1999.