Ally e Ryan

Ally e Ryan

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Pessoas com deficiência, idosos e cuidadores


10/04/2013 - Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior*

A nova relação trabalhista ameaça os dois lados.

É inadiável equilibrar as relações do trabalho de uns com o “capital” finito de outros, essencialmente quando são idosos e pessoas com deficiência.



Com a Emenda Constitucional nº 72, de 2 de abril de 2013 (PEC das empregadas domésticas), entendo que os legisladores e a sociedade conseguirão melhorar a vida de muitos trabalhadores domésticos antes desvalorizados por patrões “capitalistas selvagens”. Entretanto, é muito difícil contornar a diferença desprezada pela PEC, ao equiparar o tomador de serviços “pessoa física” com “pessoa jurídica – empresa lucrativa” em muitos aspectos. Como decorrência, surgiu um óbvio desequilíbrio e sérias consequências. Os “empregadores dentro da lei” irão manter trabalhadores domésticos até onde puderem arcar com as novas obrigações. Fatalmente, muitos não conseguirão encarar com as exigências. Quero destacar que não cabe responsabilizar os trabalhadores domésticos pelo desajuste, já que não foi causado por eles na busca dos direitos trabalhistas presentes no texto constitucional para outros trabalhadores urbanos e rurais.
Por criação e tradição familiares sempre remunerei corretamente as pessoas que me prestam serviços domésticos, pois se trata de trabalhadores assalariados como eu, sempre com carteira assinada no valor verdadeiro, INSS, férias acrescidas de um terço e 13º salário. Por saber que o trabalho deles contribuiu para minha maior dedicação aos estudos e à minha carreira profissional, procurava compartilhar algum adicional conseguido. Essa é prática de relações trabalhistas na qual acredito.

No momento, minha imensa preocupação se assenta sobre os cálculos que estou tentando fazer e absorver. As pessoas idosas, pessoas com deficiência e outras, que precisam de cuidadores para sobreviver e viver com dignidade, autonomia e independência foram esquecidas com a nova ordem, como infelizmente acontece. Esses cidadãos não existem em nenhum artigo, parágrafo ou inciso da nova legislação. Adeus equiparação de oportunidades, pois sabemos que o elemento de despesa que mais sobrecarrega o custo adicional da deficiência é a contratação dos serviços dos cuidadores.
Em média, para não haver exploração do trabalhador doméstico e do cuidador, uma pessoa que necessita de 24 horas de atenção para as atividades da vida diária como alimentação, asseio, banho e acompanhamento em outras tarefas, contrata duas a três pessoas que se revezam em sua casa. De repente, a maneira como a medida historicamente justa foi tomada desconheceu as consequências para um grupo em desvantagem. Foram alteradas as regras de contratos existentes e toda a viabilidade de receber o cuidado. Nas contas a serem feitas, de um lado estão aposentadorias, pensões e salários minguados dos “patrões dependentes”. O mercado de trabalho no Brasil rejeita trabalhadores com deficiência ou os contrata, ilegalmente, por salários abaixo dos demais. Esses “patrões” não podem assumir as tarefas dos cuidadores, justamente porque os cuidadores existem para lhes atender, com dignidade para as duas partes, naquilo que é básico: ir ao banheiro (que não tem hora marcada), receber alimento e um copo de água e apoio em atividades de estudo, trabalho e lazer. Caso a assistência do cuidador ultrapasse, mesmo que em poucos minutos, as oito horas diárias, já serão horas extras, adicional noturno e tudo mais. Mesmo no período diurno, se a pessoa com deficiência ou a idosa não conseguir “se virar” durante o intervalo de descanso do cuidador, a lei não irá socorrê-las e mesmo o cuidador que vier em seu auxílio estará infringindo a lei. Na nova empresa-casa as regras são as do cartão de ponto. Por quê?

Até aqui, tanto para mim, pessoa com deficiência, servidora pública, que precisa de cuidador, como para minha sogra de 92 anos, pensionista federal, portanto ambas com recursos que não acompanham o reajuste do mínimo salário desse país e a inflação, teremos de pensar imediatamente em outra forma de existir que não seja indecente. Com a nova equação, não fecham os cálculos para manter o emprego dos cuidadores e a nossa sobrevivência. Se nos transformássemos em empresas lucrativas, aí sim, a carga de direitos trabalhistas estaria condizente.
Meu ponto é que não se trata de usurpar os direitos conquistados tão tardiamente pelos trabalhadores domésticos. O que percebo como inadiável é equilibrar as relações do trabalho de uns com o “capital” finito de outros, essencialmente quando são idosos e pessoas com deficiência, os quais não se caracterizam por ter rendimentos altos nem serem exploradores de ninguém. A alternativa será a institucionalização dessas pessoas em casas de repouso e abrigos? Não seria mais humano e solidário aproveitar o debate e resgatar aqueles que não conseguem “pagar” de forma alguma?

Sem a mediação do Estado e da sociedade, que não pensaram no caso de cuidadores e naqueles que dependem de sua presença, o cobertor curto vai desfavorecer os dois lados. É urgente a instituição de política pública que ofereça serviços de cuidadores e outras boas alternativas. Com a palavra os órgãos de promoção dos direitos das pessoas idosas e das pessoas com deficiência.



Referências: EM nº 72, de 2 de abril de 2013, disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc72.htm, acesso em 08/04/2013.
* Médica fisiatra e docente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Consultora em inclusão social, políticas públicas e acessibilidade. Foi coordenadora da CORDE e Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência de 2002 a 2010.

Educação inclusiva: Uma questão urgente.


Tereza Cristina Rodrigues Villela.

É comum ouvir ou ler, ainda nos dias atuais, que os movimentos de luta por inclusão nas classes do sistema regular de ensino formado por pessoas com deficiência, suas famílias e educadores, estão desconectados da realidade educacional do país. Não é raro que seja apresentada uma longa argumentação no sentido de que as escolas teriam suficientes desafios ao receber alunos sem deficiência física, intelectual, motora, ou sensorial, seja por falta de infraestrutura básica, pela incipiência de políticas públicas que assegurem formação inicial e continuada de educadores e gestores educacionais, ou ainda pelo fato de as escolas já receberem estudantes tão heterogêneos quanto existem entre esses grupos de estudantes; são comuns afirmações discriminatórias como: “tenho 40 alunos normais e um com deficiência”. As licenciaturas e os cursos de formação inicial e continuada de educadores e de gestores da educação ganham muito ao possibilitar aos estudantes o questionamento quanto ao que é geral e ao que é específico às pessoas com deficiência.

É fato que as políticas públicas no sentido de assegurar formação inicial e continuada dos educadores para a atuação com estudantes com deficiência são parcas, e os cursos de formação comumente fragmentados e com pouco tempo de duração, oferecidos a poucos educadores e gestores. Entretanto, o preparo não é algo estático, que tenha um fim; os saberes necessários a práticas inclusivas de educação formal vão sendo construídos e não se encerram. Os gestores da educação e os educadores tem buscado mais por informações quanto a ações promotoras de inclusão educacional de estudantes com deficiência e a internet, por exemplo, também é uma ótima ferramenta para isso.
Ainda há muito por fazer para que as edificações escolares estejam construídas de acordo com as normas técnicas de acessibilidade para receber estudantes com deficiência; os prédios mais novos deveriam respeitar normas de acessibilidade, mas nem sempre é assim. Em grande parte dos casos, as medidas a serem adotadas são simples e de baixo custo. Entretanto, muitas vezes, a afirmação de que os educadores e as escolas não estão preparados, tem sido usada como subterfúgio para que não haja qualquer mudança arquitetônica ou nas práticas pedagógicas, a despeito dos mecanismos legais nacionais e internacionais de direitos humanos e tem sido utilizada como pretexto para que as escolas evitem receber estudantes com deficiência.
Raramente os pais de pessoas com deficiência estão preparados para receberem esses filhos, mas não se questiona a obrigação destes em recebê-los. E, notadamente, quando buscam e tem acesso à informações preparam-se no cotidiano conforme as situações vão surgindo. E é exatamente assim que o educador pode preparar-se. Os cursos de formação ajudam muito, mas é efetivamente nas situações da prática educacional que a preparação vai se construindo e se edificando, ou seja, seria inútil esperar que as escolas e os educadores estejam preparados antes de receber estudantes com deficiência.
As situações cotidianas nas escolas e nas salas de aula são distintas, assim como também são distintos os alunos, independentemente de terem ou não alguma deficiência física, sensorial, ou intelectual e é no contexto de ensino-aprendizagem que o professor pode preparar-se, reconstruindo-se, aprendendo a cada dia ao mesmo tempo em que ensina. Nesse sentido, as atitudes e práticas, algumas indicadas pelos diversos estudos na área da educação regular e especial, outras pelo simples bom-senso, podem favorecer a aprendizagem e o acesso ao conteúdo tanto ou mais do que a arquitetura da escola.
Estudantes são antes de tudo pessoas com interesses, vontades e capacidades diferentes, o que não encontra similaridade entre pessoas com deficiência: quanto a elas, o que pode ser similar por vezes são as necessidades quanto a acessibilidade arquitetônica, descrições, uso de materiais e explicações concretas, escrita e língua e habilidades linguísticas pouco aceitas em classes do sistema regular de ensino adeptas a modos bancários de transmissão de conhecimento, estes sim desconectados da realidade global, que exige escolas que preparem os alunos para ações cidadãs e para o mercado de trabalho.
É comum também, por outro lado, a retórica de que a presença de estudantes com deficiência seria uma dificuldade para os demais estudantes, que sairiam da escola menos preparados para o mercado de trabalho; assim, a presença de estudantes com deficiência nas salas de aula do sistema regular de ensino seria mera socialização, não necessariamente atrelada a aprendizagem.
Ora, quanto à educação bancária, aquela que só verbaliza informações e aguarda do estudante passivo uma resposta ensaiada e que busca a uma forma homogênea de ensinar e aprender fictícia, prepara os estudantes para o mercado de trabalho atual?
A presença de estudantes com e sem deficiência de origens culturais e formas de construção de conhecimentos distintas na mesma sala de aula, oferece a possibilidade de trabalho conjunto e favorece que sejam pensadas formas de compreensão diferentes e várias inteligências e habilidades distintas. tão importante quanto dominar os conteúdos curriculares é a capacidade de compreender o outro, de trabalhar em equipe e assim fazendo-se entender colocando-se na posição do outro, o que vai forjando em nós, educadores e estudantes a criatividade da qual deve estar imbuída a relação ensino-aprendizagem, capaz de favorecer potencialidades dos estudantes bem como saberes e a reflexão cotidiana do educador sobre sua prática pedagógica.
Processos inclusivos de educação não são fáceis, são necessários e urgentes, sobretudo em uma época que nos desafia a ampliar a prática de uma educação que atenda verdadeiramente a todos os alunos, cujo tempo é hoje e não podem esperar.



Tereza Cristina Rodrigues Villela:
pedagoga, mestre em Educação Especial e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR, na linha de pesquisa "Práticas Educativas, processos e problemas".
Tutora de disciplinas acadêmicas voltadas a formação de professores para a inclusão de estudantes com deficiência visual nas classes comuns do sistema regular de ensino em 2010 e 2011.
Ppalestrante em cursos de formação de professores e pesquisadora nas áreas de estratégias de ensino, comunicação e interação social, voltadas a estudantes com deficiência visual.

ESCLARECIMENTOS SOBRE APOSENTADORIA PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA