Tereza Cristina
Rodrigues Villela.
É comum ouvir ou ler, ainda nos dias
atuais, que os movimentos de luta por inclusão nas classes do sistema regular
de ensino formado por pessoas com deficiência, suas famílias e educadores,
estão desconectados da realidade educacional do país. Não é raro que seja
apresentada uma longa argumentação no sentido de que as escolas teriam
suficientes desafios ao receber alunos sem deficiência física, intelectual,
motora, ou sensorial, seja por falta de infraestrutura básica, pela incipiência
de políticas públicas que assegurem formação inicial e continuada de educadores
e gestores educacionais, ou ainda pelo fato de as escolas já receberem
estudantes tão heterogêneos quanto existem entre esses grupos de estudantes;
são comuns afirmações discriminatórias como: “tenho 40 alunos normais e um com
deficiência”. As licenciaturas e os cursos de formação inicial e continuada de
educadores e de gestores da educação ganham muito ao possibilitar aos
estudantes o questionamento quanto ao que é geral e ao que é específico às
pessoas com deficiência.
É fato que as políticas públicas no sentido de assegurar formação inicial e continuada dos educadores para a atuação com estudantes com deficiência são parcas, e os cursos de formação comumente fragmentados e com pouco tempo de duração, oferecidos a poucos educadores e gestores. Entretanto, o preparo não é algo estático, que tenha um fim; os saberes necessários a práticas inclusivas de educação formal vão sendo construídos e não se encerram. Os gestores da educação e os educadores tem buscado mais por informações quanto a ações promotoras de inclusão educacional de estudantes com deficiência e a internet, por exemplo, também é uma ótima ferramenta para isso.
Ainda há muito por fazer para que as
edificações escolares estejam construídas de acordo com as normas técnicas de
acessibilidade para receber estudantes com deficiência; os prédios mais novos
deveriam respeitar normas de acessibilidade, mas nem sempre é assim. Em grande
parte dos casos, as medidas a serem adotadas são simples e de baixo custo.
Entretanto, muitas vezes, a afirmação de que os educadores e as escolas não
estão preparados, tem sido usada como subterfúgio para que não haja qualquer
mudança arquitetônica ou nas práticas pedagógicas, a despeito dos mecanismos
legais nacionais e internacionais de direitos humanos e tem sido utilizada como
pretexto para que as escolas evitem receber estudantes com deficiência.
Raramente os pais de pessoas com
deficiência estão preparados para receberem esses filhos, mas não se questiona
a obrigação destes em recebê-los. E, notadamente, quando buscam e tem acesso à
informações preparam-se no cotidiano conforme as situações vão surgindo. E é
exatamente assim que o educador pode preparar-se. Os cursos de formação ajudam
muito, mas é efetivamente nas situações da prática educacional que a preparação
vai se construindo e se edificando, ou seja, seria inútil esperar que as
escolas e os educadores estejam preparados antes de receber estudantes com
deficiência.
As situações cotidianas nas escolas e
nas salas de aula são distintas, assim como também são distintos os alunos,
independentemente de terem ou não alguma deficiência física, sensorial, ou
intelectual e é no contexto de ensino-aprendizagem que o professor pode
preparar-se, reconstruindo-se, aprendendo a cada dia ao mesmo tempo em que
ensina. Nesse sentido, as atitudes e práticas, algumas indicadas pelos diversos
estudos na área da educação regular e especial, outras pelo simples bom-senso,
podem favorecer a aprendizagem e o acesso ao conteúdo tanto ou mais do que a
arquitetura da escola.
Estudantes são antes de tudo pessoas
com interesses, vontades e capacidades diferentes, o que não encontra
similaridade entre pessoas com deficiência: quanto a elas, o que pode ser
similar por vezes são as necessidades quanto a acessibilidade arquitetônica,
descrições, uso de materiais e explicações concretas, escrita e língua e
habilidades linguísticas pouco aceitas em classes do sistema regular de ensino
adeptas a modos bancários de transmissão de conhecimento, estes sim
desconectados da realidade global, que exige escolas que preparem os alunos
para ações cidadãs e para o mercado de trabalho.
É comum também, por outro lado, a
retórica de que a presença de estudantes com deficiência seria uma dificuldade
para os demais estudantes, que sairiam da escola menos preparados para o
mercado de trabalho; assim, a presença de estudantes com deficiência nas salas
de aula do sistema regular de ensino seria mera socialização, não
necessariamente atrelada a aprendizagem.
Ora, quanto à educação bancária,
aquela que só verbaliza informações e aguarda do estudante passivo uma resposta
ensaiada e que busca a uma forma homogênea de ensinar e aprender fictícia,
prepara os estudantes para o mercado de trabalho atual?
A presença de estudantes com e sem
deficiência de origens culturais e formas de construção de conhecimentos
distintas na mesma sala de aula, oferece a possibilidade de trabalho conjunto e
favorece que sejam pensadas formas de compreensão diferentes e várias
inteligências e habilidades distintas. tão importante quanto dominar os
conteúdos curriculares é a capacidade de compreender o outro, de trabalhar em
equipe e assim fazendo-se entender colocando-se na posição do outro, o que vai
forjando em nós, educadores e estudantes a criatividade da qual deve estar
imbuída a relação ensino-aprendizagem, capaz de favorecer potencialidades dos
estudantes bem como saberes e a reflexão cotidiana do educador sobre sua
prática pedagógica.
Processos inclusivos de educação não
são fáceis, são necessários e urgentes, sobretudo em uma época que nos desafia
a ampliar a prática de uma educação que atenda verdadeiramente a todos os
alunos, cujo tempo é hoje e não podem esperar.
Tereza Cristina Rodrigues Villela:
pedagoga, mestre em Educação Especial e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR, na linha de pesquisa "Práticas Educativas, processos e problemas".
Tutora de disciplinas acadêmicas voltadas a formação de professores para a inclusão de estudantes com deficiência visual nas classes comuns do sistema regular de ensino em 2010 e 2011.
Ppalestrante em cursos de formação de professores e pesquisadora nas áreas de estratégias de ensino, comunicação e interação social, voltadas a estudantes com deficiência visual.
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