Jornal folha de são paulo
NILDE JACOB PARADA FRANCH
Autismo e
psicanálise
Ignorar a psicanálise como método para
detecção e tratamento do autismo é privar as famílias de um instrumental
científico valioso
O autismo vem se tornando um
dos mais graves problemas de saúde pública no Brasil.
Hoje, estima-se que uma em cada
cem crianças apresente o transtorno. Há 15 anos, os dados indicavam um caso em
cada 2.000 crianças. Ainda que os critérios de diagnóstico tenham mudado, os
especialistas reconhecem que houve aumento do número absoluto de casos.
Políticas em saúde mental
infantil são uma preocupação relativamente recente, mesmo com índices
crescentes de transtornos em crianças e adolescentes. Neste ano, importantes
conquistas foram obtidas em termos legais, e a perspectiva de que o tratamento
oferecido pelo Estado contemple abordagens psicológicas distintas é cada vez
maior, o que configura enorme progresso.
Alguns desses avanços
resultaram também da iniciativa de psicanalistas que se mobilizaram para tornar
o autismo pauta do dia e para impedir que o seu método deixasse de ser
utilizado nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), sob o argumento da
"falta de cientificidade".
Em São Paulo, o Movimento
Psicanálise, Autismo e Saúde Pública (MPASP) é um dos mais importantes no
comando dessa iniciativa, dirigindo-se aos profissionais e aos gestores
públicos da saúde a fim de incentivar a pluralidade de abordagens científicas e
a oferta de um tratamento interdisciplinar das pessoas com autismo e suas
famílias.
Apesar disso, chama a atenção
como as grandes mídias ignoram a psicanálise, que tem, sim, muito a contribuir
em termos de diagnóstico e tratamento. Programas televisivos recentes não
disponibilizaram à população um rol completo de informações sobre o tema,
enfocando apenas uma das formas de compreender o transtorno.
A perspectiva psicanalítica é
uma valiosa abordagem para uma gama enorme de transtornos psíquicos e com o
autismo não é diferente. Seu instrumental clínico possui reconhecimento em
diversos centros de cuidado e deve ser integrado em nossas políticas públicas
de saúde.
Sobre os métodos de tratamento,
o que mais se vê em reportagens sobre o tema é o comportamental, com abordagens
em torno de "dar independência" à criança, ensinar tarefas simples e
"controlar a agressividade". Raramente se fala sobre o tratamento ter
como foco a criança e seu bem-estar, simples assim.
A ênfase na necessidade de a
criança autista se enquadrar em um modelo de comportamento tido como normal
prevalece, deixando de lado a busca pelos sentidos que os sintomas expressam e
que ajudam a compreender o papel da doença não apenas para a criança, mas
também para a sua família.
A psicanálise compreende que o
autismo está ligado a uma dificuldade de a criança se relacionar com a outra
pessoa como um outro. E daí surgem consequências como os rituais autísticos,
cuja função é manter o seu isolamento e impedir as trocas sociais.
Um aspecto central é a
importância do diagnóstico precoce. Quanto mais cedo o transtorno é
identificado, melhores os resultados do tratamento, já que é possível evitar
que modos desviantes de funcionamento se cristalizem.
Em relação ao tratamento, o
método psicanalítico se ocupa da estrutura mental e é pensado para trazer a
criança para o contato, reduzir seu isolamento. Ainda que ela pareça muitas
vezes estranha e inacessível, o que se busca é encontrá-la onde ela estiver e
trazê-la ao convívio.
A Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo, que conta com dois grupos de estudos integrantes do
MPASP, reconhece a complexidade do assunto, estimula o diálogo com outras
abordagens e contribui na articulação de novas propostas para a saúde pública
infantil.
Ignorar a psicanálise como
método para detecção e tratamento do autismo é privar as famílias de um
instrumental científico que pode, em muito, abreviar o caminho para um
diagnóstico definitivo e proporcionar um tratamento de qualidade.
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