Artigo publicado hoje na folha de
são paulo
Jairo Marques
Gente rara
Pessoas com doenças raras querem o cuidado
do afeto, da atenção, do toque sincero e carinhoso
Raridade
é palavra controversa. Ao mesmo tempo que é algo que se busca --afinal, está
intimamente ligado ao valioso, ao precioso e inédito--, o raro é algo que se
teme, pois envolve mistério, inabilidade para tratar e desconhecimento.
Pessoas
com doenças raras costumam conhecer em sociedade apenas o segundo ponto de
interpretação, embora adorassem ganhar o valor dos grandes diamantes, de obras
de Leonardo da Vinci ou de autógrafos do Pelé.
Ser
vítima de uma enfermidade que acomete cerca de 80 pessoas no planeta, como é o
caso do mineirinho Pedro, de seis anos, que tem uma raridade chamada síndrome
de Aicardi-Goutières, que afetou todos os seus movimentos, é ter de sair de um
casulo todos os dias.
Entendam-se
como casulo vestimentas de ignorância, de preconceitos e de olhares enviesados
que são projetados sobre ele o tempo todo. O desconhecido, o diferente, tem
potencial de vendaval para uma folha seca no desencadear de um baile de
conceitos não reais e excludentes.
Raridade
como doença não gera interesse de grandes investimentos em pesquisa ou de
padrões de condutas médicas. Provoca, sim, buscas incansáveis em torno de si
mesma: O que é isso? Como é isso? O que faço com isso? Para onde vai isso? O
que será de mim, da mãe, do pai e do meu futuro?
Pelo
Ministério da Saúde, é doença rara aquela que afeta 1,3 pessoa em cada 2.000.
Ser "premiado" implica repercussão que pode afetar o aspecto físico
(envelhecimento precoce ou a ausência de dor), o intelectual (dificuldade de
aprendizado), o comportamental (compulsão por limpeza ou riso frequente), o
neurológico (perda progressiva de neurônios) e também a combinação entre eles.
Ser
raro significa ter cuidados --às vezes intensos, às vezes moderados-- com o
bem-estar do corpo e da cachola, mas esse povo reivindica um cuidado que não
pode promover por contra própria.
Pessoas
com doenças raras querem o cuidado do afeto, da atenção, do toque sincero e
carinhoso. Elas querem deixar o "único" de suas situações e passarem
a criar o "dois" em preciosidade de entender a diversidade humana.
Famílias
de gente rara também costumam valer fortunas, uma vez que se unem em torno de
promover a sobrevivência, a evolução e o espaço de seu ente incomum. Essas,
sim, lapidam imperfeições e inabilidades e transformam tudo em amor, em "serumano",
em aprendizado e em ensinamento.
Pedras
preciosas degeneram ao sabor do tempo, pessoas raras degeneram em razão de suas
"sortes", muitas vezes com origem genética. É uma corrida frenética
em busca de sempre viver melhor, de aproveitar mais, de evitar perdas.
E
de refletir sobre o quanto a ignorância, o medo do diferente e o pânico do
desconhecido podem incrementar a velocidade que se quer frear nessas pessoas.
Por isso, mais cuidado, mais carinho, mais atenção com a palavra e com os
olhos.
Em
28 de fevereiro, celebra-se o Dia Internacional das Doenças Raras. Momento
ideal para ser alguém valioso com o próximo tanto na cobrança de políticas
públicas e de saúde efetivas como rompendo os "não me toques" íntimos
e abraçando aqueles de quem os braços sempre teimam em desviar-se.
Nenhum comentário:
Postar um comentário