Levantamento do governo federal foi feito com famílias pobres que recebem ajuda para gastos com deficiente
Silvia Zamboni/Folha press
O garoto Kaio, que tem problemas de locomoção e de fala; após ser aceito em uma escola pública em SP, menino ficou "todo animado", conta seu pai
ANTÔNIO GOIS
DO RIO
CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
As barreiras que dificultam a inclusão de crianças com deficiência em escolas comuns não são apenas físicas. Muitas vezes, elas começam na própria casa.
Foi o que detectou pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social com 190 mil famílias que recebem o Benefício de Prestação Continuada, por terem em casa criança ou jovem com deficiência, física ou intelectual.
O estudo mostrou que a maioria (53%) das famílias cujas crianças não estavam na escola apontou como razão o fato de considerar que os filhos não tinham condições de aprender.
O benefício, previsto na Constituição, é pago apenas a famílias com renda per capita inferior a R$ 127,50 (um quarto do salário mínimo).
A coordenadora-geral de acompanhamento dos beneficiários, Elyria Credidio, diz que é preciso considerar que essas famílias investigadas na pesquisa vivem em situação de pobreza, antes de acusá-las de preconceito.
"São pessoas que, muitas vezes, já tentaram acesso ao posto de saúde ou a uma escola, mas não foram bem atendidas e não estão conscientes a respeito dos seus direitos. Ainda estamos em processo de transição para uma educação inclusiva para todos", afirma Elyria.
Para Teresa Costa d'Amaral, superintendente do IBDD (Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência), o sentimento de descrédito em relação aos filhos deficientes é retrato do que a sociedade acredita.
"Também tem em casa um sentimento de proteção, que é um fator de exclusão. Mas é explicável. A inoperância do Estado brasileiro com as pessoas com deficiência é grande. O Estado se omite em todos os níveis. É explicável que o pai prefira que o filho fique em casa, protegido."
AVANÇOS
A procuradora da República em São Paulo Eugênia Fávero destaca avanços recentes na política de inclusão, como aumento do financiamento federal a escolas que atendem deficientes em classes comuns. Ela diz, porém, que ainda não há entendimento geral de que é direito dessas crianças estudar com as demais na mesma sala.
No entender dela, o direito da criança se sobrepõe inclusive ao dos pais de escolher se preferem atendimento exclusivamente em escolas especiais, posicionamento com o qual nem todas as associações que representam deficientes concordam.
Eugênia lembra que as dificuldades para matricular essas crianças em escolas regulares não se restringem a famílias de baixa renda.
Dados do Censo Escolar do MEC reforçam o argumento. Enquanto em escolas públicas o percentual desses alunos na mesma sala que os demais chega a 70%, na rede privada, o percentual de incluídos é de apenas 8%.
"Ainda é comum as escolas, principalmente as particulares, quererem escolher a clientela que atenderão, usando o argumento de que não estão preparadas para receber alunos com deficiência", diz a procuradora.
Teresa, do IBDD, concorda: "O Brasil não aprendeu a acreditar no potencial das crianças com deficiência. Imagine se a nossa sociedade daria crédito a ensinar alguma coisa ao Stephen Hawking [físico inglês com esclerose lateral amiotrófica]?".
Com paralisia, Kaio, 8, só foi aceito em colégio público na sexta tentativa
DE SÃO PAULO
Quando decidiu matricular Kaio, 8, em uma escola regular, o pai Raimundo Nonato Souza, 30, não imaginava que seria tão difícil. Natural do Maranhão, o menino sofreu paralisia cerebral ao nascer e tem problemas de locomoção e de fala.
Em cinco escolas públicas da zona sul de São Paulo visitadas pelo pai, a recepção foi desanimadora.
"Ninguém disse "não" diretamente, mas falavam que a escola não estava preparada para receber meu filho, que não tinha professor e que era melhor eu procurar um outro lugar que pudesse cuidar melhor dele", relata o pai, que é garçom.
Na sexta escola, a diretora não só aceitou a criança como transferiu a turma da primeira série para o térreo, só para facilitar o acesso de Kaio, que se locomove com a ajuda de aparelhos.
O mesmo aconteceu este ano, quando o garoto passou para a segunda série. Poucas escolas do país têm elevador ou receberam obras para acessibilidade.
"Ele adora a escola e os colegas. Não tem tempo ruim. De manhã, chamo uma vez e ele já está acordado, todo animado, não é Kaio?". Corintiano roxo, o garoto assente com a cabeça, sorrindo.
MARATONA
Kaio também frequenta a Apae no contraturno e faz fisioterapia e natação na Universidade FMU.
O pai só conseguiu transporte especial (pelo programa Atende, da Prefeitura de SP) dois dias na semana. O restante, ele mesmo leva e busca o menino no seu já rodado Corsa 99.
Para dar conta da maratona diurna, Souza trabalha à noite e dorme três horas, em média. "É uma vida dura, mas o importante é ver o Kaio superando as limitações."
De acordo com o pai, na escola, o filho consegue copiar o conteúdo das lições, mas ainda tem dificuldades de se expressar.
"Em casa a gente entende tudo o que ele diz. Tenho muito orgulho do meu garoto." (CC)
Entidades divergem sobre como fazer a inclusão em escola
DE SÃO PAULO
DO RIO
O tratamento dado pelo governo federal às Apaes ressurgiu como tema nos jornais depois que, em debate realizado neste mês na Band, o candidato José Serra (PSDB) acusou o Ministério da Educação da gestão Lula de perseguir essas entidades.
Por trás das críticas está uma divergência sobre a melhor forma de incluir essas crianças em classes comuns.
O Ministério da Educação, apoiado por entidades como a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, entende que é direito de todos os deficientes a matrícula em escola regular.
Para a Federação Nacional das Apaes, o governo pressiona pela inclusão, sem preparar a rede, e retira recursos de entidades que fazem atendimento em salas especiais.
O ministro Fernando Haddad (Educação) nega perseguição, afirmando que o governo inclui no Fundeb (fundo que distribui recursos federais) as Apaes como forma de estimular o atendimento no contraturno escolar, mas sem obrigar que essas entidades deixem de atender os alunos excepcionais.
O debate expõe realidades distintas no país. Em São Paulo, por exemplo, os 462 alunos da Apae assistem aulas na escola regular e, no contraturno, frequentam a associação. A instituição dá assessoria a 80 escolas públicas da zona sul da capital, capacitando docentes da rede.
"Todo processo de mudança tem as suas dificuldades, mas ele está de acordo com o que a gente acredita que deva ser a inclusão da pessoa com deficiência", afirma a superintendente da Apae-SP, Aracelia Costa.
Já no Espírito Santo, muitos pais não aceitam que seus filhos sejam matriculados em escolas regulares e passem a frequentar as Apaes apenas no contraturno.
Segundo Rodolpho Luiz Dalla Bernadina, presidente da Federação das Apaes do Espírito Santo, os pais têm medo de colocar uma criança com deficiência na escola. "As escolas não estão adaptadas, os professores não estão habilitados e o processo se torna traumático." (CC e AG)
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