Ally e Ryan

Ally e Ryan

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)


Conheci Vânia de Castro no curso de Inclusão da CET onde sou tutor; desde então nossa amizade como o voo das borboletas subiu as colinas da esperança. Vania é psicóloga especialista na doença ELA, e atendendo gentilmente meus alunos e alunas concedeu a entrevista abaixo:

1. Vania, fale-nos um pouco sobre você e sua relação com a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)


R. Comecei trabalhar como psicóloga voluntária em 2001, no ambulatório de esclerose lateral amiotrófica (ELA), do Setor de Investigação em Doenças Neuromusculares, Universidade Federal de São Paulo/UNIFESP. Na época não sabia o que era ELA. Fui para o ambulatório a convite de uma amiga psicóloga, que desenvolvia um trabalho de pesquisa em neuropsicologia. Após conversar com o chefe do Setor, Prof. Dr. Acary Souza Bulle Oliveira e com a psicóloga responsável pelo Serviço de Psicologia, Ligia Masagão Vitali, iniciei o trabalho com as pessoas que iam ao ambulatório para consultas na área de neurologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia motora e respiratória, nutrição e psicologia.

2. Afinal, o que é Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)?

R. Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença neurodegenerativa, progressiva, até hoje não se conhece a origem e a cura. É conhecida também, como Doença do Neurônio Motor (DNM), Doença de Lou Gehrig, Doença de Charcot. No site da Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (AbrELA) encontramos uma definição bem objetiva da ELA:

“A ELA se caracteriza por paralisia progressiva marcada por sinais de comprometimento do Neurônio Motor Superior-NMS - (clônus e sinal de Babinski) e do Neurônio Motor Inferior-NMI - (atrofia e fasciculações). É a forma mais comum das doenças do neurônio motor e, por isso, freqüentemente, o termo ELA é utilizado indistintamente para as outras formas de DNM. O envolvimento predominante é o da musculatura dos membros (membros superiores mais que os inferiores), seguindo-se comprometimento bulbar, geralmente de caráter assimétrico. Muitas vezes, precedendo ou seguindo-se a instalação dos sintomas os pacientes queixam-se de cãibras. Fraqueza, atrofia e fasciculações nos membros são os sinais clínicos mais proeminentes. Mais tarde, são afetadas as funções vocais e respiratórias. Os nervos cranianos, que controlam a visão e os movimentos oculares, e os segmentos sacros inferiores da medula espinhal, que controlam os esfíncteres, não são usualmente afetados.” (www.abrela.org.br)

3. Essa doença pode afetar homens e mulheres?

R. Sim, homens e mulheres, porém a porcentagem maior está entre os homens.

4. Quais os sintomas que a pessoa apresenta até o diagnóstico?

R. Até o diagnóstico a pessoa pode apresentar dificuldades para andar, sofrer quedas frequentes, cãibras, fasciculações (“tremor na carne” – contração involuntária dos músculos) perda de força nas mãos, fadiga muscular. Nem sempre os sintomas se apresentam da mesma forma para os indivíduos, fato este que dificulta sobremaneira o fechamento do diagnóstico pelos médicos. Exemplos práticos: a pessoa pode não conseguir fechar a tampa de vidros, potes, como por exemplo, pote de geléia, trocar a marcha ou ligar o carro, dificuldades para subir ou descer escadas. Se a parte afetada for a região bulbar, a pessoa terá dificuldades para falar, engolir e respirar.

5. Após a constatação da doença o que muda na vida da pessoa que a tem?

R. A pessoa necessitará reestruturar a vida para enfrentar os obstáculos impostos por uma doença que com a evolução a impedirá de fazer as atividades habituais, por mais simples que sejam. A vida se torna marcada por perdas constantes. Perda da vida profissional, da vida social, da vida que tinha antes da instalação da doença. Por isso, eu digo que é necessário reestruturar, reorganizar, reinventar a vida. Outro agravante é que a doença não é apenas da pessoa que adoeceu, mas é da família, porque a pessoa que adoeceu precisará receber cuidados e atenção do outro para viver.

6.Vania, a vida sexual da pessoa, higiene pessoal e autonomia para se alimentar ficam diretamente afetadas? Se quiser pode responder separadamente.

R. Como a ELA paralisa os movimentos corporais, isto afeta diretamente o cuidado consigo, seja com a higiene pessoal e alimentação. A pessoa perde a força e sente-se fraca, cansa-se facilmente. Com a evolução da doença um cuidador precisará dar o banho, escovar os dentes, levar ao banheiro. O cuidador se transforma nas mãos e pés da pessoa com ELA, uma vez que ele não consegue fazer nenhum movimento sozinho. O tipo de alimentação e sua consistência tende a mudar. Pode chegar o momento, no qual seja necessário fazer a gastrostomia (PEG ou GEP: Gastrostomia Endoscópica Percutânea). A gastrostomia é um procedimento no qual um tubo flexível, por meio da parede abdominal, é inserido dentro do estômago. E a pessoa passará a alimentar-se pela sonda com dieta industrializada ou caseira, mas com orientação de uma nutricionista. A vida sexual dependerá muito do comportamento e da qualidade da relação do casal antes da doença e da capacidade de enfrentamento de situações desconhecidas e graves. Uma vez que a pessoa com ELA perde a possibilidade de movimentar-se fica à mercê do outro. Ela pode sentir vontade beijar, mas o parceiro (a) terá que chegar nela e dar o beijo, abraço e toques corporais. Veja, o desejo sexual se mantém, a pessoa sente prazer, no entanto depende do outro para concretização do ato sexual propriamente dito ou simplesmente de um carinho. Além da atividade sexual, higiene pessoal e alimentação existem complicações respiratórias, uma vez que o diafragma que é um músculo perde a sua potência. É necessário, na maioria dos casos, o uso do ventilador mecânico, e posteriormente a realização da traqueostomia.

7. Como é o cotidiano da pessoa com ELA, quando em estado mais avançado.

R. No estado mais avançado da ELA a pessoa necessita da presença constante de cuidadores formais e ou informais. Por cuidadores formais entendemos a pessoa ou pessoas que recebem pagamento pelo seu trabalho. Já o cuidador informal é geralmente um familiar que não ganha nenhum salário e precisa parar de trabalhar para se dedicar aos cuidados da pessoa doente. Neste estágio a pessoa encontra-se, na maioria das vezes com gastrostomia, traqueostomia, acamada e em total dependência de cuidadores. É preciso a atenção de técnicos de enfermagem. Na verdade, o serviço de Home Care deveria ser direito de todas as pessoas com doenças neurodegenerativas e incapacitantes, uma vez que, é essencial para manter a saúde biopsicossocial das famílias. Assim como da pessoa com ELA. As pessoas que não têm convênio médico e a vida financeira está num estado precário ou tem dificuldades paras prover gastos fora do orçamento doméstico, passarão por dificuldades, uma vez que a ELA é uma doença cara. Muitas famílias entram com processo na Justiça para que a pessoa possa receber do governo o que é de direito e está na Constituição do nosso país. Esta é uma situação complexa resultado da desigualdade social que reina no Brasil.

8. A pessoa consegue trabalhar ou estudar quando tem ELA?

R. Com a evolução da ELA a pessoa sente uma fadiga muscular intensa e a musculatura corporal perde a sua função tornando-se atrofiada e paralisada. A pessoa deixa então de realizar as suas atividades profissionais, educacionais e outras. Muitas pessoas aposentam-se, param de estudar porque ficam impossibilitadas de fazer qualquer atividade sem ajuda ou sem uma pessoa que realize por ela o que ela deseja.

9. Vania, o apoio da família é fundamental para a pessoa com ELA poder enfrentar a doença com dignidade; no entanto, como os membros da família devem agir para poder manter suas vidas em andamento e simultaneamente ajudar a pessoa.

R. O apoio familiar é fundamental na vida de qualquer pessoa, mas em se tratando de situações de doenças neuromusculares como a ELA o apoio familiar é imprescindível. É extremamente importante que os membros da família, especialmente, o cuidador principal se cuidem, uma vez que a doença provoca forte sofrimento para todos e ao mesmo tempo os cuidados à pessoa doente são vitais. Então a família vive uma situação de ambiguidade: sofrimento x cuidados. E precisa se cuidar para conseguir cuidar do outro. Como fazer isso? Depende do jeito de ser de cada família. Entretanto união, comunicação, compreensão e paciência são necessárias para se criar relações interpessoais saudáveis e favorecer aos membros da família o enfrentamento de situações complexas e que envolvem sofrimento psíquico acentuado.

10. ELA é fatal? Quanto tempo a pessoa consegue se manter ativa e produtiva durante a doença?

R. Bem, a ELA é uma doença grave, neurodegenerativa, progressiva e, até os dias atuais, não se conhece a origem, assim como, não se conhece a cura. Na literatura científica encontramos que o período de vida da pessoa é de 3 a 5 anos, porém na prática profissional cotidiana vemos que as pessoas estão vivendo mais tempo. Conheço muitas pessoas com ELA que vivem há mais de 10 anos, após ter o diagnóstico fechado. Este fato é resultado de um diagnóstico precoce, do atendimento de uma equipe de profissionais da saúde, conhecedores do processo evolutivo da doença e de técnicas e instrumentos que promovam a qualidade de vida. Os profissionais que lidam com pessoas com esta doença são: neurologista, fonoaudiólogo, nutricionista, fisioterapeuta motor e respiratório, enfermeiro, terapeuta ocupacional, nutricionista e psicólogo. Um aspecto muito interessante é que as pessoas afetadas por esta doença são imbuídas de um profundo desejo de viver e superar as adversidades provocadas pela doença. Então, não é de se estranhar que com um mínimo de movimento das pálpebras, globo ocular, pé ou um dedo da mão a pessoa consiga criar poesias, escrever livros, criação de objetos para facilitar o desenvolvimento das atividades de vida diária, explicar os detalhes dos móveis, pintura e decoração que deseja ter no seu quarto. Isto tudo pode ser feito com uma tabela visual. A tabela mais simples é formada por uma folha de papel com o abecedário, pontuação e números, porém o mais importante de tudo é a existência de um cuidador paciencioso, que tenha disponibilidade interna e externa para ajudar na comunicação. Hoje os recursos da tecnologia assistiva são grandes e para quem tem condições de adquirir facilita o dia a dia e a expressão dos pensamentos e desejos. Algo que deve ser levado em consideração e é de extrema importância é que a pessoa com ELA, geralmente, tem o sistema intelectual preservado. Por isso, não é necessário falar alto ou se dirigir a ela como se não entendesse nada do que está sendo dito ou ainda, se dirigir ao seu acompanhante como interlocutor. Não! A pessoa com ELA, na maioria dos casos pensa, sente, escuta e existe como eu e você.

11. Vania deixe uma mensagem final para todos que estão lendo suas colocações e como podemos ajudar.

R. Deixarei um poema que escrevi e foi publicado, em 2004, no meu livro: Esclerose Lateral Amiotrófica: Poemas de Vida e Esperança. E que vocês lembrem-se sempre que sem o amor incondicional não é possível dar a atenção plena àquele que precisa.



Para saber mais:


http://www.abrela.org.br/

http://www.comunidadeelabrasil.ning.com/

http://www.movela.com.br/

http://www.vaniadecastro.com.br/  

Muito obrigada e um afetuoso abraço para cada um de vocês.

Vania

Nenhum comentário:

Postar um comentário