Aos 32 anos, Débora Araújo é também
educadora e atriz
Nas fábulas criadas por Débora Araújo
Seabra de Moura, que resultaram em sua estreia na literatura com o
infantil Débora Conta Histórias (Alfaguara), vivem um passarinho de
asa quebrada, uma galinha surda, um sapo que não sabia nadar, um gato e um
coelho preto, um cachorro e um papagaio que não se davam e um pato gay.
Algumas dessas histórias remetem a cenas concretas que a autora presenciou na
infância e adolescência. Outras foram inventadas. Juntas, ajudam a contar a
história da própria Débora e do ambiente em que cresceu – ainda que, ela diz,
não tenha sido essa a sua intenção.
“Usei animais para mostrar como eles
se sentem na própria pele”, explica a autora. Para ela, as histórias mostram
exatamente o que ali está escrito. Em Passarinho de Asa Quebrada Também
Voa, por exemplo, ela fala sobre um pássaro que depois de quebrar a asa não
consegue acompanhar o bando, que questiona se o amigo não estaria mais seguro
se ficasse numa gaiola. A garota que mora na fazenda onde Débora situa suas
fábulas entra em ação e pede aos passarinhos que aceitem o jeito dele, já que
ele é capaz de chegar no mesmo lugar, mas um pouco depois. Resultado: eles
ficam envergonhados pela proposta que fizeram e alguns passam a voar mais
atrás, fazendo companhia para o amigo de uma asa só. “Quis mostrar que tem
que incluir”, comenta.
Nos seus 32 anos, Débora passou,
firme, por poucas e boas e sabe o valor de uma boa amizade e de ser aceita
num grupo. Ela nasceu com síndrome de Down numa época em que seus portadores
eram conhecidos pejorativamente como mongoloides. Foi rejeitada, e depois
amada. Fez parte da primeira geração estimulada precocemente. Estudou em
escola regular. Em alguns momentos, foi discriminada e excluída, mas nunca
abaixou a cabeça. Conquistou o respeito, bons amigos e seu espaço na
sociedade. Sua determinação a levou ao curso de magistério, e ela se tornou a
primeira brasileira com a síndrome a se formar na profissão. Tudo em seu
ritmo, com suas próprias pernas, o empurrão da família, o olhar sempre
adiante e disposição para realizar novos sonhos.
Na ficção ou na vida real, o que
Débora nos conta é uma história de aceitação e de inclusão. Seu livro não
traz simples fábulas com uma moral no final. É diferente. Bonito e gracioso.
É a expressão do que ela sente na própria pele, para usar suas palavras, e
mesmo que ela não consiga simbolizar isso é a expressão de sua postura diante
da vida.
Débora Conta Histórias, com
ilustrações de Bruna Assis Brasil, tem tudo para ser adotado em escolas e os
convites para que a autora participe de feiras e eventos literários já estão
chegando. É o começo de uma nova carreira, que ela terá de conciliar com sua
rotina profissional. Há nove anos, é professora auxiliar na Escola Doméstica,
em Natal. “É uma experiência riquíssima para mim”, diz, sobre seu trabalho.
Hoje, acompanha crianças entre seis e sete anos – são seus alunos mais velhos
–, mas já teve turmas de diversas faixas etárias. “Gostei mais de trabalhar
com crianças de três e quatro anos, mas não faço diferença.” Não faz mesmo,
de nada. É firme em seus princípios e não tolera injustiça e discriminação.
Quando soube que dois amigos de sua
mãe eram um casal, disse a eles que ficava feliz, mas que tinham de estar
preparados porque poderiam sofrer preconceito. A homenagem ao casal está no
livro, em O Pato Que Não Queria Namorar Com a Pata.
A obra foi escrita
despretensiosamente, às escondidas. Foi um presente de Natal de Débora aos
pais. A versão em sulfite e espiral circulou pela festa da família até chegar
às mãos de um amigo, que se ofereceu em levar o volume para a Saraiva, que
editava suas obras de Direito. Dias depois veio a resposta negativa. Foi
feita uma nova edição caseira mais profissional que a apostila, mas a
advogada Margarida já estava convencida de que valia a pena lutar por mais
essa causa da filha.
Este não foi o primeiro livro escrito
por Débora. Margarida comenta que todos os portadores de síndrome de Down,
quando chegam a uma maturidade, querem contar sua história. “Débora fez isso
e seu relato ficou restrito à nossa família. Mas este é diferente.” Depois de
muito relutar, perguntou se um amigo escritor não daria uma olhada e, se
gostasse, se não mandaria para sua editora. O livro chegou então até Roberto
Feith, presidente do grupo Objetiva, que topou a edição no mesmo dia. “O que
me chamou atenção foi o encanto da história contada por Débora e o exemplo de
valor que ela personifica na forma de viver”, diz Feith, agora que os 3.500
exemplares da primeira tiragem estão nas livrarias. Uma grande festa de
lançamento está marcada para o dia 5 de setembro, em Natal, e Débora,
farrista como se apresenta, está animadíssima com os preparativos.
O amigo que deu o pontapé inicial na
edição prefere ficar no anonimato. E o primeiro livro publicado de Débora vem
com o endosso de João Ubaldo Ribeiro, prêmio Camões e cronista
do Caderno 2. “Raramente me emocionei tanto quanto ao ler pela primeira
vez as histórias criadas por Débora”, escreve.
Ela já trabalha num novo livro, que
tratará de sua experiência profissional. No entanto, não tem grandes
aspirações literárias. Prefere ler histórias para seus alunos do que
inventá-las na hora. Mas tem aspirações artísticas. Em casa, sempre teve
contato com literatura, música erudita e outras formas de arte. Mas foi com o
teatro que encontrou a melhor forma de se expressar. Para voltar aos palcos,
depende da reabertura do Centro Experimental de Formação e Pesquisa Teatral.
É sua nova bandeira.
DÉBORA CONTA HISTÓRIAS
Autora: Débora Araújo Seabra de Moura
Editora: Alfaguara (32 págs., R$ 34,90)
TRECHOS
Passarinho Com Asa Quebrada Também
Voa
"Um dia desses, a menina Sandra
foi passear pela fazenda e encontrou um passarinho perdido.
Ele estava com uma asa quebrada e
gemia muito. Então, ela pegou o passarinho, levou-o com carinho para casa e
fez um curativo em sua asa. Quando o passarinho se curou, ficou voando com
uma asa só. A menina Sandra ficou triste quando ele foi embora, mas ela sabia
que o passarinho tinha o direito de se libertar para fazer parte da natureza,
cuidar da sua vida.
Só que o passarinho gostou da
fazenda, da menina Sandra e dos seus amigos. Ele sentiu saudades e
voltou."
O Pato Que Não Queria Namorar Com a
Pata
”Um pato gostava de namorar outro
pato. Ele gostava dele, por isso, ele era discriminado pelos outros animais,
pois existe a lei dos patos na fazenda.
Os pais do pato reagiram e falaram:
- Meu filho, por que você está
namorando um pato e não uma pata?
Aí ele falou:
- Eu decidi namorar outro pato.
Então, os pais dos patos decidiram
fazer o seminário Novos Arranjos Familiares dos Patos."
Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo |
Meu nome é Ari Vieira, sou especializado em educação para pessoas com deficiência pela PUCSP. Quero ajudar os docentes a debater o tema inclusão das pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida nas escolas. O blog será também uma importante ferramenta de consulta para quem for implantar a temática da inclusão na mobilidade urbana.
Ally e Ryan
terça-feira, 20 de agosto de 2013
Professora potiguar faz sua estreia na literatura com fábulas de inclusão
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