Recomendações.
Conforme foi documentado nas seções acima, a violência contra mulheres com deficiência é uma profunda violação de direitos humanos que se manifesta de diversas formas, resultando em significativos danos físicos e emocionais. Tal violência pode ser perpetrada intencionalmente assim como através de práticas sistêmicas e societais consideradas “bem-intencionadas”. Um amplo conjunto de agentes intervenientes tem importantes papéis a desempenhar para garantir os direitos das mulheres com deficiência para ficarem livres da violência. Estes agentes intervenientes incluem: governos nacionais e locais, a ONU (em especial, a UN Women e o Fundo da População), provedores de serviços, doadores e sociedade civil (por exemplo, organizações de mulheres, grupos de direitos humanos, organizações de HIV e organizações de pessoas com deficiência).
Considerando-se a natureza grave e profunda da violência contra mulheres com deficiência, estes agentes intervenientes podem e devem executar um amplo leque de ações e iniciativas para assegurar que as mulheres com deficiência não se tornem vítimas da violência e para lhes proporcionar meios empoderados, acessíveis e seguros de recorrer em caso de violência.
Este Relatório oferece recomendações importantes para uma variedade de grupos de agentes intervenientes. Algumas das recomendações são transversais para todos os agentes intervenientes referidos acima e deverão ser incorporadas em todas as ações e medidas que objetivem a proteção das mulheres contra o abuso e a violência. Algumas recomendações são principalmente dirigidas a órgãos governamentais e outras têm o objetivo de informar e orientar as ações dos defensores.
(1) Recomendações Transversais.
É fundamental para quaisquer agentes intervenientes que eles ofereçam programas e recursos para mulheres com deficiência reconhecendo a heterogeneidade da deficiência e assegurando que mulheres com todos os tipos de experiência em deficiência sejam incluídas em todas as medidas relativas a mulheres com deficiência, e que tais medidas sejam de igual valor para todas as mulheres com deficiência. É decisivamente importante que mulheres com deficiência façam parte dos esforços de inclusão iniciados por governos, organizações de direitos humanos, parceiros de desenvolvimento e sociedade civil com o objetivo de avançar a questão do combate à violência contra todas as mulheres.
Os agentes intervenientes precisam assegurar que as mulheres com deficiência possam acessar fisicamente os programas e serviços, tomando medidas que lhes proporcionem acesso ao transporte ou outro apoio, proporcionem interpretação em língua de sinais e executem quaisquer outras ações que garantam que tais programas não excluam nenhuma mulher com base em sua deficiência (por exemplo, deficiências psicossocial e intelectual).
Os agentes intervenientes em todos os níveis deverão adotar medidas para combater o estigma, a discriminação e todos os tipos de violência contra mulheres e meninas com deficiência, através de campanhas de conscientização e debates comunitários, por exemplo. É importante para todos os agentes intervenientes e provedores de serviço estarem cônscios da necessidade de múltiplos formatos de comunicação e eles deverão disseminar informações em formatos que sejam acessíveis às pessoas com deficiências de aprendizagem e deficiências visual e auditiva (por exemplo, mediante o uso do braile, da língua de sinais e de uma linguagem facilmente compreensível).
(2) Recomendações para Governos Nacionais e Locais.
Adotem leis e políticas que reconheçam que todos os atos (por exemplo, violência psiquiátrica e institucionalização forçada) que violam o direito à integridade corporal de mulheres com deficiência são ilegais e são considerados atos de violência.
Inclluam ativamente diversas mulheres com deficiência no desenvolvimento e implementação de programas, políticas e protocolos dirigidos para provedores de serviços, responsáveis pela aplicação da lei e outros funcionários que trabalhem junto a mulheres com deficiência.
(3) Recomendações para Órgãos Governamentais, Doadores Internacionais e Gestores de Desenvolvimento.
Assegurem que todas as pesquisas, ações e defensorias, relativas à violência contra mulheres com deficiência, incorporem os tipos de violência (por exemplo, violência psiquiátrica) identificados por mulheres com deficiência psicossocial; e investiguem plenamente as experiências delas.
Assegurem que as mulheres com deficiência possam preservar sua capacidade legal e sua liberdade.
Em parceria com organizações de pessoas com deficiência e outras entidades baseadas na comunidade, eduquem pais, parceiros, enfermeiros, cuidadores e outros provedores de serviços de saúde, para que eles tratem respeitosamente as mulheres com deficiência e lhes ofereçam atendimento de qualidade quando seus serviços forem solicitados.
Treinem comunidades sobre como incluir, e comunicar-se com, pessoas que tenham os mais diversos tipos de deficiência a fim de evitarem o isolamento das mulheres e meninas com deficiência.
(4) Recomendações para Autoridades Locais, Comissões e Órgãos de Direitos Humanos, Trabalhadores de Ajuda Humanitária, Agências da ONU, Organizações Não-Governamentais e Provedores de Serviços Diretos.
Criem canais acessíveis para disseminar informações, prestar consultoria e denunciar todos os tipos de violência contra mulheres e meninas com deficiência.
Levantem dados sobre o número de mulheres com deficiência que buscam serviços e programas de prevenção da violência contra mulheres e de atendimento às vítimas de tal violência e utilizem esses dados para desenvolver iniciativas mais inclusivas.
Investiguem as causas de todos os tipos de violência contra mulheres com deficiência e, especificamente, as necessidades de meninas, mulheres idosas, mulheres solteiras, mulheres indígenas e mulheres que moram em zonas rurais, em relação ao isolamento e à vitimização que contribuem para a prática da violência em tais circunstâncias.
Eduquem mulheres e meninas com deficiência sobre seus direitos humanos.
Proporcionem às mulheres e meninas com deficiência informações e aconselhamento sobre questões de saúde sexual e reprodutiva.
(5) Recomendações para Organizações de Pessoas com Deficiência, Organizações Baseadas na Comunidade e Outros> Membros da Sociedade Civil.
Desenvolvam serviços de defensoria, informação e apoio para mulheres e meninas com deficiência que tenham sobrevivido a qualquer tipo de violência.
Treinem mulheres com deficiência para organizarem e gerenciarem eficientemente serviços de apoio, para desenvolverem habilidades e competências de autossuficiência econômica e para usarem tecnologias assistivas que propiciem maior autonomia e independência.
Conclusão.
A violência contra mulheres com deficiência compartilha características comuns com a violência contra mulheres em geral, mas possui dimensões singulares também. A violência contra mulheres com deficiência é quase sempre um ato que é perpetrado contra o que é percebido como “um ser defeituoso” e é uma demonstração de um tipo socialmente aceitável de poder e controle sobre o corpo e a mente da mulher.
A falta de respeito pela pessoa das vítimas e a discriminação contra pessoas com base na deficiência são atos de violência em si mesmos e causam intensa frustração nas pessoas que forem alvo dessa discriminação.
Quando uma discriminação é cometida com base no gênero, a extensão da discriminação e da violência perpetrada contra mulheres com deficiência é inaceitável e intolerável. É incumbência de uma sociedade progressista fazer o que estiver em seu poder para acabar com a violência contra mulheres com deficiência.
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Citações no corpo deste relatório:
[1] Desejando maiores informações sobre a INWWD (rede internacional de mulheres com deficiência), enviar e-mail para: inwwd@yahoo.com.
[2] Iglesias, M. (1998). Violence and women with disability. Vedras, Espanha: AIES; The Swedish Research Institute for Disability Policy, HANDU AB. (2007). Men’s violence against women with disabilities. Synskadades Riksforbund, The Report Series, 2007 (1). Extraído, em 10/02/2011, de: http://www.wwda.org.au/swedishstudy1.pdf
[3] Department of Justice, Office of Justice Programs. (2009). Crime against people with disabilities, 2007. Bureau of Justice Statistics, Special Report. Extraído, em 10/02/2011, de: http://bjs.ojp.usdoj.gov/content/pub/pdf/capd07.pdf
[4] Frohmader, C. (1998). Violence against women with disabilities, A report from the National Women with Disabilities and Violence Workshop. Canberra: Women With Disabilities Australia (WWDA).
[5] United Nations General Assembly. (1993). Declaration on the Elimination of Violence against Women [A/RES/48/104]. Extraído, em 26/03/2011, de: http://www.un.org/documents/ga/res/48/a48r104.htm
[6] World Organisation Against Torture. (2010). Violence against women. Extraído, em 10/02/2011, de: http://www.omct.org/violence-against-women/
[7] European Disability Forum. (1999). Report on violence and discrimination against disabled people [Doc EDF 99/5 EN]. Extraído, em 10/02/2011, de: http://cms.horus.be/files/99909/MediaArchive/EDF%2099-5-iolence%20and%20discr-EN.pdf
[8] Iglesias, M. (2004). The nature of violence against disabled people. Extraído, em 10/02/2011, de: http://www.nda.ie/cntmgmtnew.nsf/0/BE967D49F3E2CD488025707B004C4016?OpenDocument
[9] Young, M., Nosek, M., Howland, C., Chanpong, G., & Rintala, D. (1997). Prevalence of abuse of women with physical disabilities. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 78 (Supplement), S34–8.
[10] Interim report of the Special Rapporteur on the question of torture and other cruel, inhuman or degrading treatment or punishment. (2008). UN Doc. A/63/175. Extraído, em 10/02/2011, de: http://daccessdds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N08/440/75/PDF/N0844075.pdf?OpenElement .
[11] Ibid.
[12] Ver também: Minkowitz, T. (2007). The UN CRPD and the right to be free from nonconsensual psychiatric interventions. Syracuse Journal of International Law and Commerce, 32(2), 405-428; e documentos e palestras sobre intervenções psiquiátricas forçadas, como torturas, disponíveis em: http://www.chrusp.org/home/resources .
[13] Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights. (2007). Expert seminar on freedom from torture and persons with disabilities. Extraído, em 10/02/2011, de: http://www2.ohchr.org/english/issues/disability/documents.htm
[14] Millett, K. (2005). Freedom from torture or cruel, inhuman and degrading treatment or punishment. Extraído, em 10/02/2011, de: http://www.mindfreedom.org/kb/mental-health-global/millett-freedomfrom-torture
[15] Ridington, J. (1989). Beating the odds: Violence and women with disabilities. Vancouver, Canada: DisAbled Women's Network (DAWN).
[16] Young et al., op. cit.
[17] Ibid.
[18] Nixon, J. (2009). Domestic violence and women with disabilities: Locating the issue on the periphery of social movements. Disability & Society, 24(1), 77-89.
[19] Frohmader, 1998, and Strahan, F. (1997). More than just a ramp - A guide for women's refuges to develop Disability Discrimination Act action plans. Preparado para: Women With Disabilities Australia (WWDA), Canberra, conforme citado em: Women With Disabilities Australia. (2004). Valuing South Australia's women: Towards a women's safety strategy for South Australia. Submetido ao South Australian Government's Discussion Paper. Canberra: WWDA. Extraído, em 10/02/2011, de: http://www.wwda.org.au/saviolsub.htm#three
[20] Young, et al., op. cit., p. 34.
[21] Nixon, op. cit.
[22] Interim report of the Special Rapporteur on the question of torture and other cruel, inhuman or degrading treatment or punishment, op. cit. (Ver parágrafos 40, 41, 44, 47-50, 61-65).
[23] Minkowitz, T. (2010). Abolishing mental health laws to comply with the Convention on the Rights of Persons with Disabilities. In: B. McSherry and P. Weller (Eds.), Rethinking Mental Health Laws. Oxford: Hart Publishing.
[24] Statistics Canada. (2006). Women in Canada: A gender-based statistical report (5ª edição). Extraído, em 25/04/2009, de: < href="http://www.statcan.gc.ca/pub/89-503-x/89-503-x2005001-eng.pdf">http://www.statcan.gc.ca/pub/89-503-x/89-503-x2005001-eng.pdf
[25] Waldrop, J., & Stern, S. (2003). Disability status: 2000. Census 2000 Brief. Extraído, em 25/04/2009, de: http://www.census.gov/prod/2003pubs/c2kbr-17.pdf .
[26] Eide, A.H., & Kamaleri, Y. (2009, January). Living condition among people with disabilities in Mozambique: A national representative study. SINTEF Health Research.
[27] Barriga, S.R., & Kwon, S.R. (2010). As if we weren't human: Discrimination and violence against women with disabilities in Northern Uganda. Human Rights Watch. Extraído, em 10/02/2011, de: http://www.hrw.org/node/92611
[28] Saxton, M., Curry, M.A., Powers, L., Maley, S., Eckels, K., & Gross, J. (2001). Bring my scooter so I can leave you: A study of disabled women handling abuse by personal assistance providers. Violence Against Women, 7(4), 393-417.
[29] Women with Disabilities Australia. (2004). Valuing South Australia's women: Towards a women's safety strategy for South Australia. Submetido ao South Australian Government's Discussion Paper. Canberra: WWDA. Extraído, em 13/02/2011, de: http://www.wwda.org.au/saviolsub.htm#three
[30] Saxton, et. al., op. cit.
[31] Young, et. al., op. cit.
[32] Traustadottir, R. (1990). Women with disabilities: The double discrimination. Syracuse, NY: Center on Human Policy, conforme citado em: Waxman Fiduccia, B.F., & Wolfe, L.R. (1999). Violence against disabled women. Center for Women Policy Studies. Extraído, em 25/03/2011, de: http://www.centerwomenpolicy.org/pdfs/VAW5.pdf
[33] Burstow, B. (2006). Electroshock as a form of violence against women. Violence Against Women, 12(4), 372-392.
[34] Burstow, B. (2006). Understanding and ending ECT: A feminist perspective. Canadian Woman Studies, 25(1,2), 115-123.
[35] Women with Disabilities Australia (2004), op. cit.
[36] Ibid.
[37] Interim report of the Special Rapporteur on the question of torture and other cruel, inhuman or degrading treatment or punishment, op. cit.
[38] Ver, por exemplo: Andrews, A.B., & Veronen, L.J. (1993). Sexual assault and people with disabilities. Journal of Social Work and Human Sexuality, 8, 137-159, conforme citado em: Women With Disabilities Australia, 2004.
[39] Meninas, mulheres idosas e mulheres indígenas com deficiência enfrentam barreiras e violência adicionais em consequência das formas de discriminação ainda mais complexas, que estão além do escopo deste relatório.
Autoria deste relatório:
The International Network of Women with Disabilities.
(“rede internacional de mulheres com deficiência”).
Arquivos ‘Barbara Faye Waxman Fiduccia’
Sobre Mulheres e Meninas com Deficiência.
Centro para Estudos de Políticas sobre Mulheres.
Março de 2011.
Tradução: Romeu Kazumi Sassaki.