Ally e Ryan

Ally e Ryan

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Relatório: Violência contra Mulheres com Deficiência


Rede Internacional de Mulheres com Deficiência.


Apresentação.

A que nos referimos quando falamos sobre violência contra mulheres com deficiência? De que forma ela é diferente da violência contra mulheres em geral? De que forma ela é igual? De que forma ela é diferente da violência contra pessoas com deficiência em geral? Como podemos proteger os direitos das mulheres com deficiência para se livrarem da violência?

A International Network of Women with Disabilities (INWWD) conduziu uma série de debates sobre a violência contra mulheres com deficiência em 2009-2010 para encontrar respostas a algumas destas questões a partir das perspectivas e experiências das próprias mulheres com deficiência. O documento resultante serviu de base para este Relatório.

A INWWD foi inaugurada em 2008 e é composta por organizações, grupos e redes de mulheres com deficiência, em âmbitos internacional, regional, nacional ou local, assim como, individualmente, por mulheres com deficiência e outras mulheres [1]. A missão da INWWD é a de capacitar mulheres com deficiência para compartilharem seus conhecimentos e experiências, de aumentar sua capacidade de defender seus direitos, de empoderá-las para efetivarem mudança e inclusão positivas em suas comunidades, e de promover seu envolvimento em políticas em todos os níveis – a fim de criarem um mundo mais justo e que reconheça a deficiência, o gênero, a justiça e os direitos humanos.

O objetivo deste Relatório é o de educar as pessoas a respeito da violência vivenciada por mulheres com deficiência, de fazer recomendações sobre o que pode ser feito por uma variedade de agentes intervenientes [governos nacionais e locais, ONU, provedores de serviços, doadores e sociedade civil (organizações de mulheres, grupos de direitos humanos, organizações de HIV, organizações de pessoas com deficiência etc.)] para acabar com a violência contra mulheres com deficiência, de motivar agências que lidam com violência contra mulheres para que incluam a prevenção da violência contra mulheres com deficiência em seu trabalho, e de empoderar as mulheres com deficiência para se protegerem contra a violência.

A violência contra mulheres é um crime e uma violação de direitos que ocorrem repetidas vezes na vida de um grande número de mulheres ao redor do mundo. Embora os tipos de violência praticados possam diferir dependendo da cultura e situação socioeconômica, há aspectos dessa violência que são universais. A violência baseada no gênero tem raízes na falta de igualdade entre homens e mulheres, e essa violência ocorre com frequência nos lares, dentro do seio familiar. A tolerância da sociedade para com a violência baseada no gênero e a privacidade do ato violento quando praticado dentro de casa fazem com que essa violência se torne invisível ou difícil de ser detectada.

Embora mulheres com deficiência sejam vítimas das mesmas formas de violência cometidas contra as demais mulheres, algumas formas de violência contra mulheres com deficiência não têm sido vistas como violência baseada no gênero; isto por causa da intensa discriminação baseada na deficiência. Porém, a incidência de maus-tratos e abuso contra mulheres com deficiência excede de longe aquela que atinge mulheres sem deficiência [2]. Além disso, os dados disponíveis, apesar de escassos, também mostram que o índice de violência contra mulheres com deficiência é mais alto do que contra homens com deficiência [3]. A violência contra mulheres e meninas com deficiência não só é um subconjunto da violência baseada no gênero, como também é uma categoria intersetorial relacionada com a violência baseada no gênero e na deficiência. A confluência destes dois fatores resulta em um risco extremamente alto contra mulheres com deficiência [4].

Natureza, Tipo e Prevalência da Violência contra Mulheres com Deficiência.

A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra Mulheres (Organização das Nações Unidas, 20/12/1993) define a violência contra mulheres conforme segue:

• “Artigo 1: O termo "violência contra mulheres" significa qualquer ato de violência baseada no gênero que resulte, ou provavelmente resulte, em dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres, incluindo ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária de liberdade, que ocorram em público ou na vida particular.

• Artigo 2: A violência contra mulheres será entendida como aquela que abrange os seguintes tipos, sem se limitar a estes:

a. Violência física, sexual e psicológica que ocorra na família, incluindo agressão, abuso sexual de meninas no lar, violência relacionada com o dote, estupro cometido pelo marido, mutilação de genitais femininos e outras práticas tradicionais danosas para mulheres, violência cometida por pessoa não-cônjuge e violência relacionada com a exploração;

b. Violência física, sexual e psicológica que ocorra na comunidade geral, incluindo estupro, abuso sexual, assédio sexual e intimidação no trabalho, em instituições educacionais e outros lugares, tráfico de mulheres e prostituição forçada;

c. Violência física, sexual e psicológica perpetrada ou deixada ocorrer pelo Estado, onde quer que ela ocorra”. [5]

Como foi visto acima na Declaração, a violência baseada no gênero inclui uma ampla gama de atos abusivos, tais como mutilação genital, abuso físico e emocional e exploração econômica. De acordo com a Organização Mundial contra a Tortura, o estupro e o abuso sexual, a mutilação genital, o incesto, o aborto forçado, os crimes de honra, a violência relacionada com o dote, os matrimônios forçados, o tráfico humano e a prostituição forçada serão todos considerados formas de tortura [6].

Em complemento, estudos mostram que as pessoas com deficiência são vítimas de abuso em uma escala bem maior que as pessoas sem deficiência [7]. Um fator por trás da crescente incidência de violência contra pessoas com deficiência é o estigma associado com a deficiência. Pessoas com deficiência são, com frequência, consideradas pela sociedade como sendo “não completamente humanas e de menos valor. (...) A ausência de representações de sua indentidade favorece a percepção de que se pode abusar delas sem remorso ou peso na consciência” [8].

Algumas sociedades podem acreditar que a deficiência é um castigo divino ou que a deficiência pode ser contagiosa para outras pessoas. Outras sociedades podem ver a pessoa com deficiência como um objeto de caridade ou pena, e não como uma pessoa que seja digna de direitos iguais aos de pessoas sem deficiência.

O contexto médico é uma fonte singular de abusos praticados contra pessoas com deficiência [9, 10]. De acordo com o Relator Especial da ONU sobre tortura e outro tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante, um dos propósitos da definição de tortura é “por razões baseadas na discriminação de qualquer espécie”, observando que os atos de discriminação ou violência grave contra pessoas com deficiência podem ser mascarados pelas “boas intenções” dos profissionais médicos.

Tratamentos médicos de natureza intrusiva e irreversível, forçados ou administrados sem o consentimento livre e informado da pessoa em questão, que tenham o objetivo de corrigir ou aliviar uma deficiência ou que não tenham um propósito terapêutico, podem constituir tortura ou tratamento cruel contra pessoas com deficiência [11]. Estes tipos de atos incluem: aborto e esterilização forçados, intervenções psiquiátricas forçadas, internação involuntária em instituições e eletrochoque forçado ou ‘inalterado’ (eletroconvulsoterapia ou ECT) [12].

A privação da capacidade legal para uma pessoa tomar decisões facilita tratamentos coercitivos e violência de todos os tipos e pode constituir tortura e tratamento cruel em si mesmo, pois essa privação pode equivaler à negação da plena qualidade de ser pessoa [13]. Tal forma profunda de discriminação pode causar sofrimento severo.

Na palestra intitulada “Livres da Tortura ou do Tratamento/Punição Cruel, Desumano e Degradante”, que ministrou na Organização das Nações Unidas, Kate Millett (autora dos livros “Sexual Politics” e “The Politics of Cruelty”) declarou: “Para pessoas com deficiência, isto significa ‘Livres do tratamento e do confinamento forçados’. Livres do constrangimento e da coerção. O poder opressivo e gigantesco. O poder de uma civilização inteira arremessado contra uma pessoa sozinha. Cada telefone, cadeado, guarda, droga, (...) tudo conspira para deixar você completamente sozinha e apavorada... manipulável. Estas são as condições da tortura. Você não sabe o que vem em seguida. Você não sabe quanto tempo isso vai durar. ‘Ninguém saberá nunca’ – uma voz entoa. Ninguém acreditará em você nunca.”

Continua amanhã.

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