Ally e Ryan

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sábado, 26 de novembro de 2011

Relatório: Violência contra Mulheres com Deficiência - 2


A Intersecção entre Deficiência e Violência baseada no Gênero.

Em um estudo feito no Canadá, foram enviados questionários para 245 mulheres com deficiência. Das que responderam, 40 por cento relataram que elas foram vítimas de abuso e 12 por cento disseram que foram estupradas. Contudo, menos da metade destes incidentes foi registrada [15].

Outro estudo, conduzido nos EUA sobre a prevalência do abuso contra mulheres com deficiência física, revelou que de 25 a 31 mulheres com deficiência entrevistadas relataram que foram vítimas de abuso de algum tipo (emocional, sexual ou físico) [16].

Uma pesquisa sobre ‘violência doméstica e mulheres com deficiência’ também mostrou que mulheres com deficiência foram vítimas de uma ampla gama de violência cometida por atendentes pessoais (abuso emocional, físico e sexual) e por provedores de cuidados de saúde (abuso emocional e sexual), assim como índices mais altos de abuso emocional [17, 18, 19] cometidos por estranhos e membros da família.

O relato pessoal de uma mulher com espinha bífida, 38 anos de idade, que descreveu o abuso sexual cometido pelo seu marido durante seis anos, reflete uma história de abuso emocional, sexual e físico contra mulheres com deficiência, cometido por alguém da própria família ou por cuidadores:

“Meu marido ficava furioso quando eu me recusava a fazer sexo e ele continuava a gritar comigo e me agarrava até eu desistir só para calar a boca dele. Ele me controlava não me deixando sair do quarto, jogando ou quebrando minhas bengalas canadenses. Certa vez, ele rasgou meu pijama enquanto eu dormia. Cada um de nós procurou aconselhamento individual e agora a situação entre nós está bem melhor porque compreendemos a origem destes problemas” [20].

A violência contra mulheres com deficiência é parte da questão maior que envolve a violência contra pessoas com deficiência em geral e inclui a violência cometida com força física, compulsão legal, coerção econômica, intimidação, manipulação psicológica, fraude, e desinformação, e na qual a falta de consentimento livre e informado é um indispensável componente analítico. A violência pode incluir omissões, tais como negligência deliberada ou falta de respeito, assim como excessos que machucam a integridade do corpo e/ou da mente de uma pessoa.

Em complemento aos excessos de violência baseada no gênero descritos aqui, existem atos mais sutis que têm origem na discriminação atitudinal contra pessoas com deficiência. De fato, mulheres com deficiência são vítimas de tipos de abuso pelos quais as mulheres sem deficiência não passam [21].

Além disso, a natureza e os tipos de violência contra mulheres com deficiência, e particularmente contra mulheres com deficiência psicossocial e deficiência intelectual, são provavelmente ignorados em estudos sobre violência contra mulheres.

Além dos tipos de violência cometidos contra mulheres em geral, os seguintes atos e atitudes podem constituir violência contra mulheres com deficiência:

a. isolamento forçado, confinamento e ocultação dento da casa da própria família;

b. aplicação forçada e coercitiva de drogas psicotrópicas ou colocação de drogas na comida;

c. institucionalização forçada e coercitiva;

d. contenção e isolamento em instituições;

e. criação de situações pretextadas para fazer a mulher parecer violenta ou incompetente a fim de justificar sua institucionalização e privação da capacidade legal;

f. forjamento de rótulos de raiva e autodeclaração das mulheres como um comportamento de “pessoas com transtorno mental e perigosas” (especialmente se a mulher já foi internada em hospitais psiquiátricos);

g. negação das necessidades e negligência intencional;

h. retenção de aparelhos de mobilidade, equipamentos de comunicação ou medicação que a mulher toma voluntariamente;

i. ameaças para negligenciar ou cancelar apoios ou animais assistentes;

j. colocação de mulheres em desconforto físico ou em situações constrangedoras por longo período de tempo;

k. ameaças de abandono cometidas por cuidadores;

l. violações de privacidade;

m. estupro e abuso sexual cometidos por membro da equipe ou por outro paciente internado em instituições;

n. restrição, desnudamento e confinamento solitário que replica o trauma do estupro;

o. aborto forçado; e

p. esterilização forçada.

Alguns tipos de violência contra mulheres com deficiência não são imediatamente percebidos como violência porque são legais e aceitos pela sociedade. Isto se apresenta especificamente verdadeiro nas intervenções psiquiátricas e institucionalizações forçadas [22]. Estes atos de violência são cometidos sob autoridade legal do Estado em consequência de uma política governamental discriminatória e errada, e não há possibilidade de reparação, o que reforça a mensagem que toda violência transmite à vítima: ‘as mulheres não têm poder’ [23].

Comparadas aos homens com deficiência, as mulheres com deficiência têm, em geral, menos acesso a cuidados médicos qualificados e à reabilitação; recebem medicamentos, ajudas técnicas e outros tratamentos que sejam menos dispendiosos; e têm menos acesso a apoios sociais, educação superior e oportunidades de emprego. Uma consequência desta desigualdade é que as mulheres com deficiência são destituídas de seus direitos à inclusão social [24, 25, 26] e são, com frequência, forçadas a viver em pobreza.

A falta de sensibilidade, de treinamento adequado dos profissionais de saúde ou de adaptações razoáveis nos cuidados de saúde das mulheres pode produzir resultados graves e fatais, como foi demonstrado pelo relato de uma mulher, de 30 anos de idade, que não podia comunicar-se eficientemente com as enfermeiras durante o trabalho de parto. Ela não estava sabendo que iria dar à luz gêmeos e, por isso, parou de fazer força após a saída do primeiro bebê. Ela contou [em sinais]: “(A enfermeira) foi muito rude comigo e ela não conhecia a língua de sinais. Ela não conseguiu me dizer para eu continuar fazendo força. Ela não me orientou. Meu segundo bebê morreu” [27].

Mulheres com deficiência também relatam ter sido vítimas de abuso por muito tempo e ter sentido como se elas tivessem menos alternativas para fugir do abuso ou para acabar com ele [28].

Além de as mulheres com deficiência enfrentarem as mesmas barreiras que qualquer outra mulher enfrenta para fugir da violência ou acabar com ela (tais como: dependência emocional e financeira em relação ao abusador, repugnância à possibilidade de serem estigmatizadas, preocupação por serem mães que criam filho sozinhas, receio de perderem contato com filhos, preocupação quanto a não serem acreditadas ou ajudadas se elas denunciarem abuso, relutância em tomar alguma atitude que possa aumentar a violência), as mulheres com deficiência se defrontam com barreiras adicionais [29].

Por exemplo, a falta de comunicação em formatos acessíveis torna mais difícil para as mulheres com deficiência a ]obtenção de informações sobre serviços disponíveis e mais difícil a comunicação com abrigos e outros serviços que possam estar disponíveis para intervir no interesse delas. Além do mais, profissionais de serviços não possuem habilidades ou recursos – tais como, interpretação em língua de sinais e materiais em braile – para se comunicar com mulheres que tenham deficiência auditiva ou visual. E a inacessibilidade dos transportes é um obstáculo [30, 31, 32] que impede estas mulheres de usar tais serviços e/ou de fugir do abuso.

Fatores de Risco Singulares para a Violência contra Mulheres com Deficiência.


Condições resultantes da deficiência em si, combinadas com atitudes em relação às mulheres em sociedades patriarcais, colocam as mulheres com deficiência em crescente risco de sofrerem violência. Muitas mulheres com deficiência se percebem como vítimas de maus-tratos e abuso, enquanto a sociedade ignora este problema. Contudo, algumas mulheres com deficiência podem não se perceber como vítimas porque consideram estas situações como habituais e associadas à deficiência.

Em algumas situações, a sociedade se recusa a reconhecer que certos atos constituem violência e as mulheres atacadas podem não se considerar vítimas. Isto se torna particularmente verdadeiro em relação aos atos autorizados no direito da família, tais como intervenções psiquiátricas forçadas com drogas que alteram a mente, eletrochoque ou psicocirurgia, institucionalização, contenção e isolamento, que são praticados principalmente em mulheres com deficiência psicossocial [33, 34].

Mulheres com deficiência podem também ter menos acesso às informações sobre como se proteger contra a violência e o estupro. Mulheres com deficiência são, com frequência, menos capazes de se defender. Perpetradores têm a tendência de acreditar que seus atos não serão descobertos; e mulheres com deficiência, muitas vezes, não são levadas a sério quando denunciam tais atos [35].

Mulheres com deficiência, com frequência, são mais dependentes de outras pessoas para obter ajuda, fisicamente e/ou financeiramente [36]. Sob tais circunstâncias, as mulheres podem ter receio de denunciar abusos, pois isto poderia resultar em quebra de laços e em perda da ajuda de que possam precisar. Em algumas circunstâncias, a falta de formatos acessíveis de comunicação é um empecilho para denunciar maus-tratos.

Com frequência, as mulheres com deficiência receiam que poderão ser internadas se elas tomarem alguma atitude que possa aumentar a violência ou se elas abandonarem sua casa. As mulheres com deficiência correm maiores riscos de exposição à violência ao morarem em instituições, lares e hospitais e têm menos credibilidade ao denunciarem a violência que ocorra dentro de instituições. Há pouca possibilidade de autodefesa eficaz quando alguns tipos de violência (tais como institucionalização compulsória, restrição e confinamento, aplicação forçada de drogas e eletrochoque, aborto forçado e esterilização) são permitidos por lei em muitos países [37]. Os efeitos duradouros do eletrochoque e algumas drogas psiquiátricas podem também enfraquecer a capacidade da mulher para se defender contra qualquer tipo de violência e abuso.

Uma mulher com deficiência pode sentir baixa autoestima quando ela não é vista como uma mulher; e vista apenas como uma pessoa com deficiência, ou pior, apenas como sua deficiência. A falta de oportunidades para desempenhar o papel tradicional geralmente disponível para mulheres (tais como a maternidade) pode também contribuir para a mulher com deficiência sentir-se desvalorizada pela sociedade. Existe uma ameaça adicional à sua credibilidade quando profissionais não reconhecem que mulheres com deficiência têm relacionamento sexual e íntimo ou quando eles não compreendem ou não identificam uma situação como sendo um tipo de abuso – em vez disso, eles desviam o foco para a deficiência da mulher e, com isso, camuflam ou até ignoram o fato de que a mulher sofreu abuso.

A negação em si dos direitos humanos da mulher resulta na experiência da fraqueza. Apesar da severidade da discriminação, da força do preconceito da sociedade contra mulheres com deficiência e da evidência de suas experiências, a violência contra mulheres com deficiência não é reconhecida e diversos fatores contribuem para esta invisibilidade [38]. Por exemplo, há falta de uma ampla definição da violência que abranja todos os tipos de violência contra mulheres com deficiência – e alguns tipos de violência contra mulheres com deficiência são permitidos por lei e cometidos sob a autoridade do Estado.

Profissionais, parentes, amigos e outras pessoas são incapazes de distinguir as circunstâncias que resultam da violência contra mulheres com deficiência por causa da falsa percepção de que as circunstâncias são “inerentes” à deficiência. Além disso, pesquisadores e formuladores de políticas raramente identificam situações de, por exemplo, abandono físico ou crueldade psicológica, como sendo maus-tratos. E mais, se uma intervenção é feita em uma situação na qual a violência foi perpetrada por um atendente pessoal, por um membro da família ou por um amigo, o incidente é tratado apenas pelo sistema de serviços sociais e é raramente considerado como um crime que deveria ser tratado pela polícia e/ou pelo sistema de justiça criminal.

Há uma falta de credibilidade atribuída a mulheres que solicitam tecnologia assistiva ou adaptação razoável em comunicação e a mulheres que já foram rotuladas com um diagnóstico de transtorno mental ou de deficiência intelectual. Finalmente, é difícil para uma sociedade progressista admitir que uma mulher com deficiência foi objeto de violência ou abuso [39].

Quando medidas são tomadas para acabar com a violência contra pessoas com deficiência, mirando “pessoas” com deficiência sem reconhecer que existem questões singulares para “mulheres” com deficiência, isto contribui para um conceito “neutro quanto ao gênero”, que ignora as mulheres com deficiência, torna invisíveis as suas necessidades e reforça o seu isolamento. Considerando-se que a violência contra mulheres com deficiência está oculta e é ignorada, esta abordagem “neutra quanto ao gênero” aumenta o seu risco de exposição à violência.

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