SÍLVIA ESTER ORRÚ
Doutora em educação. Docente do Programa de Pós-graduação da UNIPAC
O aluno com síndrome de Asperger é um ser humano que deve ser respeitado em seus limites.
Assim sendo, a linguagem adentra todas as áreas de seu desenvolvimento, orientando sua percepção sobre todas as coisas e o mundo no qual está inserido.
É pela linguagem que o aluno com síndrome de Asperger, em seu processo de aprendizagem, sofrerá transformações em seu campo de atenção, aprendendo a construir ferramentas internas para integrar todas as informações que recebe.
Pela linguagem, também modificará seus processos de memória, deixando de ser engessado por uma ação mecânica de memorização, o que facilitará o desenvolvimento de uma atividade consciente que organiza o que deve ser lembrado.
A linguagem proporcionará ao aluno com síndrome de Asperger maior qualidade em seu processo de desenvolvimento da imaginação. Igualmente, serão constituídas de maneira concreta e contextual as formas de pensamento que terão maior generalização em seu cotidiano, a partir das experiências vivenciadas nas relações sociais de onde os conceitos são formulados.
O professor que trabalha com um aluno com síndrome de Asperger, na perspectiva do desenvolvimento da linguagem, contribuirá como um mediador na reconstituição e na melhora da vivência emocional de seu aluno para que seu ser, muitas vezes revelado em suas ações, transcenda as reações afetivas imediatas para outras mais duradouras. Do mesmo modo, a linguagem contribuirá para a compreensão e o estabelecimento de regras que são formuladas nas relações com o outro, no contexto real e natural e por meio do diálogo.
Sob uma metodologia de ensino, fundamentada na perspectiva do desenvolvimento da linguagem, o aluno passa a ser compreendido de outra forma, e isso implica ações diferenciadas por parte dos professores que também se transformam a partir de novos princípios que regem seu papel de mediador.
Deste modo, instrumentos utilizados no processo de ensino e de aprendizagem desse aluno, tal como a CSA, também devem sofrer modificações em sua utilização, pois serão determinantes nesse processo, como instrumentos inseridos no contexto onde as relações sociais e a aprendizagem significativa acontecem.
Aspectos importantes no processo educacional: política nacional brasileira para a educação inclusiva
É importante se valorizar o desenvolvimento das habilidades sociais tanto no que diz respeito à comunicação verbal como à não verbal. Em razão das dificuldades encontradas na síndrome é preciso que tudo o que venha a ser ensinado ganhe significado para o aluno com Asperger. Desde modo, desenvolver um aprendizado para a interpretação das expressões não verbais e das emoções é crucial para uma vida com qualidade social.
Trabalhar a interação social não é simplesmente desenvolver esquemas de ajuda na escola. É mais do que isto. É orientar os próprios pais a desenvolverem atividades de passeio, por exemplo, onde o aluno experimente a interação social naturalmente por meio da aproximação a outras pessoas e em situações diferentes. Isto vem a ser muito importante, principalmente, quando são crianças, dando ênfase na adolescência e na juventude.
Quando um indivíduo com síndrome de Asperger não tem o desenvolvimento destas habilidades de comunicação e de interação social ele pode se acometido de períodos mais frequentes de depressão em razão do isolamento em que vive. Para tanto, a inserção em grupos sociais da mesma faixa etária é uma maneira de ajudá-los.
O Brasil é signatário de documentos internacionais (Declaração de Salamanca (1994). Declaração da Guatemala (1999). Declaração da Tailândia (1990)) que definem a inserção de todos na sociedade, tendo em vista uma educação de qualidade para todos. O princípio da educação inclusiva é justamente trabalhar as diferenças e o aluno com síndrome de Asperger precisa do contato com seus colegas na escola, porém, não de uma forma ocasional, mas com orientação dos professores, mediando essas relações e os possíveis conflitos que possam surgir. Os conflitos são próprios do ser humano, logo, não seria diferente com o aluno com síndrome de Asperger.
É preciso haver uma orientação constante, que o professor aja como um agente mediador para que os demais professores, pais e colegas compreendam que existe uma desordem de desenvolvimento que influi no comportamento geral do aluno, consequentemente, o que resulta no seu comportamento muitas vezes de forma inesperada com relação aos demais alunos.
De acordo com Bauer (1995), o aluno com síndrome de Asperger costuma ser interpretado como “emocional” ou “manipulativo”, porém, é importante que o professor não se deixe levar por tais aparências, até mesmo inerentes a síndrome em alguns indivíduos. É necessário compreensão e desenvolver um trabalho educacional individualizado, perante os demais colegas em determinadas situações.
Recordando Asperger (1944):
Estas crianças frequentemente mostram uma surpreendente sensibilidade à personalidade do professor (…) E podem ser ensinados, mas somente por aqueles que lhes dão verdadeira afeição e compreensão. Pessoas que mostrem delicadeza e, sim, humor. (…) A atitude emocional básica do professor influencia, involuntária e inconscientemente, o humor e o comportamento da criança.
Em sua política nacional para a educação inclusiva, o Brasil apresenta leis importantes para firmar uma educação de qualidade para todos. Tomando como base a LDBEN 9394/965, A Declaração de Salamanca6 (1994) e a Política Nacional de Educação na perspectiva inclusiva, o aluno com síndrome de Asperger deve frequentar escolas em suas classes regulares, todavia devem receber um apoio pedagógico como também é previsto na própria LDBEN, quando necessário. O apoio psicopedagógico e os atendimentos técnicos de outros profissionais da saúde são imprescindíveis para que o aluno com síndrome de Asperger tenha um desenvolvimento e desempenho com qualidade na escola.
No que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem do aluno, há algumas ações que auxiliam o professor e o próprio aluno e que podem ser facilmente desenvolvidas em sala de aula.
• O professor deve procurar preparar o aluno com certa antecedência quanto a mudanças significativas de rotinas já programadas e conhecidas por ele na classe. Por outro lado, também pensamos que as mudanças na rotina não devem ser motivos de pavor para os professores. É importante que o aluno aprenda também a lidar com elas e, a saber, que nem sempre aquilo que estava previsto acontecerá. A rotina em geral é defendida por muitos profissionais da área de uma maneira super estruturada, mas em nosso trabalho aprendemos que a rotina pode ser um cárcere para professores, pais e aluno se não for bem trabalhada no que diz respeito às possibilidades de sua ruptura. Se o aluno com síndrome de Asperger manifestar um comportamento preso à rotina de tal forma que acabe prejudicando-o, será necessário desenvolver um aprendizado de desapego a tal rotina, trazendo-o para a realidade de que nem sempre tudo é possível naquele instante e isso é muito saudável para o aluno após construir o significado sobre esta situação, o que lhe aumentará o autocontrole e a autonomia em suas atividades. Logo, a agenda deve ser um instrumento de apoio e de organização, mas não de peso e impedimentos diversos.
• Construir regras é algo que o ser humano realiza desde o início da história. Faz parte de nossas vidas. No caso do aluno com síndrome de Asperger não é diferente. O importante é que elas sejam explicadas em detalhes, pois uma das características deste aluno é entender tudo ao pé da letra, literalmente. É importante para esse aluno aprender que, embora as regra sejam construídas e, preferentemente, construídas juntamente com toda a classe, é possível haver exceções em seu cumprimento, necessidades de mudá-las ou de não segui-las num determinado momento. Esse aprendizado ajuda a trazer esse aluno cada vez mais para perto da realidade social em que vivemos e, aos poucos, facilitará o seu convívio e sua resposta aos acontecimentos imprevistos.
• Não há dúvidas de que aprendemos melhor quando fazemos aquilo que nos interessa. Com esse aluno não é diferente. Tirar proveito de seus temas de interesse canalizando-os para o processo de aprendizagem é o ideal tanto, para ele como para seu professor. Trabalhar com temas de interesse próprios é também contribuir para que o aluno construa significados permanentes e duradouros em seu processo de aprendizagem. Sempre que for possível usar esses temas como exemplos, em disciplinas em que ele está encontrando dificuldade, pode ser muito útil e prazeroso. O aluno com síndrome de Asperger precisa aprender a desenvolver sua criatividade e nada melhor do que partir de seus temas de interesse, sempre ligados aos objetivos principais da disciplina em sala de aula. É importante que os pais também tenham consciência disto para colaborar com os professores, em casa, no apoio às tarefas e ao melhor desenvolvimento do aluno.
• Os sistemas de comunicação alternativa também podem ser úteis para o aluno com síndrome de Asperger, no que diz respeito a ajudá-lo na organização de suas tarefas em classe e em casa. Também no compreender determinados conhecimentos novos. Porém, não será necessário que ele seja preso a esta rotina como defendem alguns profissionais. (ORRÚ, 2007)
A comunicação alternativa e outros símbolos visuais devem cumprir seu papel de ferramenta em determinados momentos em que o aluno está requisitando. Contudo, não devem ser o centro do processo de ensino. Por outro lado, trabalhar com imagens de maneira geral, mapas, símbolos, entre outros, pode ser de grande auxílio dentro de determinada disciplina, ajudando-o a melhor se concentrar e a construir significados sobre o que lhe está sendo exposto em determinado momento.
• É muito comum que professores e pais sempre estejam preocupados sobre qual é a melhor forma de ensinar a seu aluno com síndrome de Asperger. Todavia, muitas coisas são bem mais simples do que pensamos. Todas as pessoas, independentemente, de terem ou não alguma necessidade especial, aprendem melhor por meio de uma linguagem de fácil acesso e com exemplos fundamentados em atividades concretas e circunstâncias reais, naturais. Evitar o que pode ser dúbio é ótimo para todo e qualquer tipo de aluno. Logo, isto também se aplica a conceitos abstratos. Quanto mais se puder trabalhar utilizando instrumentos e exemplos reais, concretos, num ambiente natural para o aluno, melhor será a construção de seu significado naquilo que está aprendendo pela primeira vez. Isto implica em benefício para todos e é um princípio do trabalho com a diversidade.
• Muitos professores se preocupam e se perguntam: “Como é que eu devo ensinar ao meu aluno?” Costumo dizer que é melhor pergunta: “Como é que meu aluno aprende?”. Partir do conhecimento já adquirido e construir esquemas e estratégias didáticas simples, porém, ricas em significados pode ser de grande utilidade e sucesso para o professor e o aluno.
• Há ocasiões desconfortantes para o professor quando seu aluno com síndrome de Asperger se mostra irredutível mediante alguma situação. Muitas vezes é difícil, pois a teimosia, insistência, falta de controle emocional tornam-se mais fortes do que todas as estratégias que sabemos aplicar. Os momentos de recreio e de atividades coletivas costumam experimentar este ambiente tenso. O melhor neste caso é deixar o aluno se acalmar, chamá-lo para uma conversa tranquila e lhe explicar o que for preciso, levando-se em conta o ocorrido.
• Também é importante não subestimar esse aluno, pois eles são inteligentes e sensíveis. O diálogo sempre é o melhor caminho para ajeitar as situações e para trazer crescimento para todos na comunidade escolar. A compreensão, atenção, mudança de comportamento vêm por meio do diálogo que traz consigo o entendimento, a criação de significados que começam a fazer parte da vida de todos nós e assim nossa qualidade de vida social aumenta.
Conclusão
A Síndrome de Asperger tem sua origem em alterações precoces e fundamentais no processo de socialização. (KLIN, 2006) Entretanto, formas adequadas de tratamento e de atendimento educacional podem colaborar muito para seu desenvolvimento global. Segundo os parâmetros de Vigotski, a interação com outras pessoas e a mediação da aprendizagem são imprescindíveis para que esse indivíduo tenha a possibilidade de se desenvolver plenamente em todas as áreas, descobrindo, inclusive, seu maior potencial para também oferecer sua colaboração à sociedade à qual pertence.