Apesar de ser vidente, minha deficiência é física estou fazendo um curso de Especialização no Sistema Braille, em outras palavras, estou sendo alfabetizado no Braille, assim vou poder me comunicar melhor uma pessoa cega ou de baixa visão. Minha professora é Luciene Molina, ela é cega e tem uma capacidade comunicacional extraordinária. Diante da reforma ortográfica da Língua Portuguesa e como este blog é constantemente acessado de Portugal, reproduzo abaixo o texto dela acerca do tema, vale a pena conferir:
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Reforma Ortográfica na Ponta dos Dedos
Seis anos separam 2002 de 2008, porém essas datas serão sempre lembradas e estarão vivas em nossa forma de grafar as palavras.
Foi em 26 de setembro de 2002 que a portaria ministerial nº. 2679 foi aprovada e estabeleceu a Nova Grafia Braille para a Língua Portuguesa, em vigor desde 1 de janeiro de 2003. E, agora, alguns anos depois, uma nova reforma, desta vez muito mais abrangente, a reforma ortográfica da língua portuguesa assinada pelo presidente Lula, em 29 de setembro de 2008, estabeleceu mudanças na forma escrita das palavras e que entraram em vigor a partir de 1 de janeiro de 2009.
Ambas tiveram como objetivo principal unificar o registro escrito nos países de Língua portuguesa, porém, cada uma das duas reformas tem suas particularidades.
Com a reforma na Grafia Braille, pretendeu-se normatizar os códigos e unificá-los segundo as necessidades de ajustar a simbologia Às novas representações gráficas, decorrentes do avanço científico e da informática, bem como garantir a qualidade na transcrição de materiais e facilitar o intercâmbio dos mesmos entre leitores dos países de Língua Portuguesa.
O Sistema Braille é um código universal de leitura tátil e escrita, utilizado por deficientes visuais de todo o mundo. Seus sinais são estruturados a partir de um arranjo combinatório. Cada símbolo é formado por uma combinação específica, entre 6 pontos distribuídos em duas colunas verticais, com 3 pontos cada, de modo que na primeira coluna, a esquerda, encontramos os pontos número 1, número 2 e número 3, de cima para baixo, e na coluna da direita, os pontos número 4, número 5 e número 6, também de cima para baixo.
Combinando esses pontos damos origem aos 64 sinais para representar o alfabeto, numerais, pontuação, simbologia de matemática, química, musicografia, informática, entre outros. O que mudou com essa Nova Grafia de 2003 foram alguns sinais.
O ponto final, por exemplo, continuou sendo ponto final na grafia convencional, mas sua representação em Braille passou a ser feita apenas pelo ponto número 3, último ponto da coluna da esquerda, enquanto que anterior a esse acordo, o ponto final era representado pela combinação entre os pontos número 2, da coluna da esquerda, número 5 e número 6 da coluna da direita.
Algumas alterações facilitaram na hora da escrita porque passamos a perfurar menos pontos para se representar alguns sinais. Porém, outras dificuldades para a leitura tátil persistem em decorrência da maneira utilizada para estabelecer o conhecimento tátil das letras e da simbologia.
Toda configuração tátil trazida pela leitura em Braille faz com que o usuário crie mecanismos de "mentalizar" o desenho que o relevo forma na superfície do papel e como esses signos são "vistos" pelo atrito da ponta dos dedos.
Com essas alterações, não foram modificadas as ortografias, a escrita das palavras em si, mas foram alterados alguns sinais específicos deste código utilizados para transcrever os sinais da escrita convencional.
Passamos por um período de transição, talvez pouco menos rigoroso tecnicamente, mas totalmente complexo, pois para quem lê com os dedos, não terá a experiência globalizante proporcionada pela visão e, por isso, compreende as informações de forma fragmentada, letra a letra.
Isso significa que, se alterarmos qualquer sinal dentro de uma palavra ou sentença, essa transformação será notada com mais intensidade e, como o arranjo do sinal muda, a configuração da palavra também sofre alteração à percepção tátil.
A Reforma ortográfica da Língua Portuguesa, diferentemente da unificação do Sistema Braille que eliminou e acrescentou novos sinais, traz alterações na Grafia, ou seja, na escrita das palavras, com modificações que vão desde a eliminação do trema, até alterações no uso do hífen e acentuação.
Desta forma, o usuário do Braille está vivendo um segundo momento de adaptação, agora não mais restrito a uma simbologia específica deste ou daquele alfabeto, mas a uma transformação que atinge as palavras grafadas em língua portuguesa, e que, quando transcritas para o alfabeto em relevo, também precisam obedecer criteriosamente as regras da escrita convencional.
Para quem lê nos moldes convencionais, em tinta, o diferencial será notado nos sinais gráficos de acentos, hífens, entre outros, o que não altera o desenho completo das letras, que continuam tendo as mesmas formas. Já para o alfabeto Braille, em que cada letra é representada por um sinal, toda a palavra perde sua configuração, como por exemplo, na ausência do acento agudo da palavra idéia, o "e" sem acento é um sinal diferente do que representa a letra "é".
Durante a leitura, a troca de sinais e a ausência de 4 dos 6 pontos originais, inicialmente, faz com que a palavra seja interpretada de maneira diferente, causando uma "falsa” sensação de que está grafada incorretamente. Isso acontece porque, ao modificar o símbolo, acrescentamos ou retiramos certa quantidade de "pontos" e isso interfere na "imagem mental" que já foi associada àquela determinada palavra.
Sendo assim, as Novas Regras trazidas pela Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa não serão mais ou menos difíceis para quem lê e escreve Braille, mas exigirá um esforço, ainda maior desses usuários, na tentativa de adaptar as formas táteis da leitura a uma nova "imagem mental" das palavras que sofreram as alterações. As mudanças são as mesmas, tanto para quem enxerga e usa o alfabeto convencional, quanto para quem lê com a ponta dos dedos. E principalmente entre os usuários avançados deste Sistema, somente através de muita leitura essa "estranheza” será minimizada. Que os esforços sejam válidos e que, até 2012 nossos "dedos" consigam compreender e valorizar esse bem cultural: A Nossa língua Portuguesa.
Texto: Luciane Maria Molina Barbosa
OBSERVAÇÃO GERAL: a partir desta reforma não podemos desconsiderar tudo o que foi produzido até aqui. Os impressos em Braille, na sua grande maioria, foram produzidos antes mesmo da reforma ortográfica entrar em vigor. Muitos deles, também, foram produzidos antes da normatização do código Braille entre os países de Língua Portuguesa e conservam alguns sinais que já caíram em desuso. No entanto é importante conhecer as duas formas, já que não se pode descartar e fazer um novo acervo, totalmente adaptado às novas mudanças. É importante conhecer, aprender e ficar atento às alterações. Para este curso ainda utilizaremos as palavras acentuadas, conforme a antiga regra ortográfica, ou seja, para a palavra idéia, consideraremos o acento agudo.