Ally e Ryan

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terça-feira, 8 de junho de 2010

Folha de São Paulo






O jornalista Jairo Marques foi tomar a vacina contra a gripe H1N1 num posto de saúde da Prefeitura de São Paulo e não havia acesso para cadeirantes e outras pessoas com deficiência, leiam a aventura dele publicada hoje no jornal Folha de São Paulo, onde ele é chefe de redação:

JAIRO MARQUES

Tô vacinado

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Minha amiga explicou a situação da falta de acesso e loguinho resolveram meu caso: ser imunizado na rua!
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COMO QUALQUER brasileiro na faixa etária acima dos 40 quilos -como diria dona Edith, do ator Luiz Miranda-, fui tomar minha dose de antídoto contra o danado do H1N1, em um posto de saúde da prefeitura aqui pertinho do trabalho, no centrão de São Paulo. Identidade na mão, uma amiga empurrando minha cadeira de rodas vermelha para me ajudar a vencer os buracos das calçadas, e lá fui eu.

Mentira se eu disser que tive uma surpresa quando cheguei ao local e lá havia dois degraus, assim, do tamanho do Himalaia, para serem vencidos e eu conseguir entrar na salinha de imunização. Tô vacinado contra essas armadilhas. Quem pensaria, afinal, que cadeirante iria querer se proteger da nova gripe?

Se eu tivesse ido desacompanhado ao posto, talvez não conseguisse ter o prazer de ter sido vacinado, pois foi necessário criar uma pequena logística de atendimento. Minha amiga entrou no posto, explicou a situação da falta de acesso e loguinho resolveram meu caso: ser imunizado na rua! Simples assim.

"Mas ele vai ter de esperar eu vencer toda a fila aqui dentro para ir atendê-lo lá fora", disse a enfermeira Madalena. "Mas ele está na fila também. Só que não conseguiu entrar aqui", retrucou minha amiga empurradora.

Dona Madalena, com cara de poucos amigos, levou a seringa com o elixir da salvação pra mim, na rua, e, em poucos segundos, sem dor, eu estava safo. Enquanto isso, uma mãe com carrinho de bebê matutava uma forma de transpor os dois degraus que me impediram de entrar. Idosos com mobilidade reduzida e deficientes visuais menos avisados também teriam problemas naquele lugar, isso é "di certeza".

Embora eu não tenha recebido todas as doses da Sabin, que imuniza contra a poliomielite -a paralisia infantil-, tomei muitas outras vacinas ao longo da vida.

Vacina contra padaria sem rampa: tomar cafezinhos com pão na chapa na calçada, acompanhado dos mendigos e bêbados. Vacina contra banco com porta estreita: entregar o cartão para o funcionário sacar meus dois cruzeiros da conta. Vacina contra boteco sem banheiro acessível: abraçar o garçom e torcer para não se apaixonar.

Costumo dizer que pessoas com deficiência vivem em um mundo paralelo, uma Matrix. Por isso, quem sabe, não são feitos acessos em todos os lugares, afinal, "eles nunca aparecem", "eles não estão na rua", "eles não vêm se vacinar".

Mas, pode acreditar, são milhares de pessoas querendo desfrutar da rua, da fazenda e das casinhas de sapê de pousadas gostosas, sobretudo agora, no inverno.

Imagino que seja básico pensar que, em um local de visitação pública, vai aparecer gente de todos os tipos: puxando cão-guia, com cadeira de rodas motorizada, sentadas em carriolas de pedreiro, sendo auxiliadas por muletas. Aqui no Brasil, porém, isso ainda não caiu no gosto de todos, apesar de já ter virado lei. Resultado? Toma vacina na rua.

Pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida estão em todos os lugares, inclusive trancadas em casa com medo da falta de acesso. Crer que elas não irão "se rebelar" e frequentar os lugares, a meu ver, é enfiá-las de vez na Matrix. O direito de ir e vir abrange a todos.

As fotos que ilustram a minha saga para tomar a vacina contra a nova gripe estão no blog (com a devida licença as publiquei aqui também).

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