Um trabalho de comunicação alternativa tem início logo que se manifesta uma defasagem entre a habilidade de uma pessoa em se comunicar e a necessidade imposta pelo meio e pelas relações que ela estabelece ou deseja estabelecer com os outros. A CAA contribui para ampliar uma comunicação já existente e limitada ou, ainda, como uma alternativa, quando a fala não existe.
O trabalho de comunicação alternativa tem uma característica interdisciplinar em função dos vários aspectos implicados nesta prática, como o desenvolvimento da linguagem, as aptidões sensoriais, cognitivas, emocionais e motoras (posicionamento e acesso). Por este motivo a CAA integra, em rede de trabalho, os professores a outros profissionais como fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos e fisioterapeutas. A parceria com esses profissionais é fundamental para que os atendimentos sejam integrados, complementados e potencializados.
A família e o usuário da comunicação alternativa farão parte da equipe que planeja, elabora e executa intervenções para que a comunicação seja aprimorada entre todos.
O professor do AEE está focado, principalmente, na identificação de barreiras de comunicação oral e escrita que limitam o acesso de seu aluno ao conhecimento e a aprendizagem, no ambiente escolar. Assim como tudo o que acontece na escola, o trabalho da comunicação alternativa terá repercussão e envolverá também o contexto de vida real do aluno, apoiando seu desenvolvimento e preparo para a vida.
Os recursos de comunicação e recursos pedagógicos que utilizam estratégias da CAA são confeccionados pelo professor do Atendimento Educacional Especializado, que ensina o seu aluno a usar e a usufruir as ferramentas de CAA na escola e fora dela. O professor de AEE realiza seu trabalho em estreita parceria com o professor da escola comum, com a família e com outros profissionais, que atuam conjuntamente no caso.
Como devemos começar um trabalho de CAA? Como ensinar uma criança a utilizar a CAA?
Desde a primeira infância, a criança está envolvida em relações de comunicação. Falamos com ela, usamos palavras para identificar e nomear objetos, acontecimentos, sentimentos.
Da mesma forma que uma criança aprende a se comunicar de forma natural e contextualizada com sua realidade, quando pretendemos introduzir e aprimorar formas alternativas de comunicação, aproveitamos as situações naturais de comunicação, dentro de seus contextos reais de vida.
Todos nós nos comunicamos por meio de expressões faciais e corporais, sinais manuais, tonalidades de voz, pela escrita, pela fala, pela arte. Quando falta a fala, valorizamos as demais formas de a pessoa expressar seus sentimentos, necessidades, conhecimentos e promovemos o acesso às relações sociais. Isto não significa que deixamos de lado o estímulo ao desenvolvimento da fala. Ao contrário, ela é apoiada e provocada o tempo todo, por meio da ampliação de oportunidades e desafios ao desenvolvimento da linguagem, oportunizados
pela CAA.
Para iniciar o trabalho de CAA, precisamos nos colocar à disposição para conversar com o aluno que não fala e prestar atenção em suas reações, falar para ele o que estamos compreendendo sobre suas reações. Uma boa dica para iniciar a conversação por meio da CAA é aproveitar dos objetos concretos que temos na nossa volta ou de situações que proporcionam a iniciação e continuidade de um diálogo.
Para exemplificar, contaremos a história do primeiro contato de Mariana com sua professora de AEE.
Mariana entra na sala com sua mãe que, depois de se apresentar e apresentar sua filha, pede licença para sair. Mariana e a professora Lúcia ficam sozinhas. Lúcia observa Mariana e começa a dizer para ela que está muito feliz em conhecê-la, que tem muitas curiosidades e gostaria de saber das coisas que a Mariana gosta de fazer, de brincar, com quem gosta de estar e outras coisas mais. Lúcia também fala de si e das coisas de que gosta. Enquanto fala e mostra a Mariana os brinquedos, os livros de histórias e demais materiais que estão na sala, a professora Lúcia percebe que a menina está atenta e sinaliza isto com o sorriso. Quando Mariana realmente gosta de algo que vê expressa, não só um sorriso, mas usa todo o seu corpo e emite um som parecido com um grito. A professora Lúcia ao perceber as reações da menina, diz a ela o que "lê" do comportamento da aluna:
- Nossa Mariana! Você gostou muito deste livro de história! Você está me falando que gosta de histórias?
Mariana volta a sorrir e emitir um som afirmativo.
A professora pergunta se a Mariana gostaria de escutar uma história.
Mariana solta um grito forte de alegria, sua cabeça volta-se para cima e seu corpo reage.
A Professora Lúcia pega um símbolo gráfico que representa o SIM e outro que representa o NÃO. Cola-os em uma folha de papel diante de Mariana. Em seguida, toma dois fantoches e a história começa:
Um menino e uma menina se encontram e devem decidir juntos sobre o que vão brincar.
Os fantoches conversam e falam coisas engraçadas. Mariana ri muito e segue atentamente a história e o movimento dos fantoches. Sempre que as crianças precisam tomar uma decisão utilizam os símbolos SIM e NÃO. O menino pergunta para a menina:
- De que vamos brincar?
Amenina responde que quer brincar de fazer compras. O menino imediatamente diz que NÃO, apontando para o símbolo gráfico. Ele convida a menina para jogarem bola e desta vez é a menina que corre até o símbolo, para dizer NÃO.
As personagens brincam e conversam muito, utilizando sempre os cartões durante todo o decorrer da história.
No final, depois de muitas gargalhadas e gritos da Mariana, a professora Lúcia pergunta para a menina se ela gostou da história. Imediatamente a Mariana leva o olhar e a mão em direção ao símbolo do SIM.
A professora pergunta para ela se em casa sua mãe lhe conta histórias. Mariana fica com a expressão séria, levanta a cabeça e olha para o NÃO.
Lúcia pergunta a Mariana se gostaria de conversar com a mãe e pedir a ela que lhe contasse histórias. Mariana grita e aponta para o SIM.
A professora começa então a perguntar tudo aquilo que no início de seu encontro com a aluna manifestou interesse de conhecer. Perguntou-lhe se tinha irmãos e Mariana disse que SIM. Se era menino ou menina, se era grande, pequeno, se a Mariana gostava de brincar com sua irmã, se morava longe, se gostava da escola. Fazendo perguntas cujas respostas poderiam
ser SIM ou NÃO, a professora Lúcia pode conhecer muito sobre a vida de Mariana.
Quando a mãe retornou para buscar sua filha, a professora Lúcia contou-lhe da alegria de conhecer a Mariana. Disse que ela havia lhe falado sobre a irmãzinha menor e de como gostava de olhar, quando a mamãe trocava a fralda dela. Mariana referiu que gostaria de ajudar sua mãe nessa tarefa. Disse também que morava longe, pegava dois ônibus para chegar à escola que gostava da escola, porque tinha muitos amigos e a sua professora.
A mãe se surpreendeu e perguntou à Professora Lúcia como a Mariana havia falado tudo aquilo.
A professora mostrou os cartões, a mãe admirou-se e neste momento tornou-se sua grande aliada na CAA.
No final do encontro, Mariana estava inquieta, demonstrando querer dizer alguma coisa.
A mãe lhe perguntou o que estava acontecendo. Mariana olhava para a mãe e para a professora e mantinha-se agitada, incomodada.
A professora perguntou:
- Você quer que eu fale alguma coisa a mais para sua mãe?
Mariana olhou para o SIM.
- Está nesta sala o que você deseja mostrar à sua mãe?
Mariana sorriu, emitiu um grito e olhou para os fantoches.
Lúcia lembrou-se de que Mariana havia referido que ela queria que a mãe lhe contasse histórias, em casa. Quando a professora Lúcia disse isto, Mariana deu um grito muito alto, expressando grande alegria - seu corpo movimentou-se por inteiro e não restava dúvida de que a comunicação entre elas havia alcançado grande sucesso.
A partir deste relato percebemos que o trabalho da CAA inicia-se no momento em que estamos dispostos a nos relacionarmos com o aluno, prestando muita atenção nas suas reações, aproveitando as situações naturais e do cotidiano; utilizando os objetos concretos do ambiente, introduzindo gradualmente cartões de comunicação e posteriormente pranchas temáticas. O trabalho evoluirá à medida que o aluno, seus familiares, professores e colegas também se aproximarem e aproveitarem positivamente da oportunidade de utilizar as estratégias e recursos de comunicação.
A vivência da comunicação por meio de temas motivadores, como a escolha de brinquedos, do que gostaria de comer, onde quer ir passear, qual amigo deseja visitar ou outros, poderá ser um bom começo para o aluno que não fala iniciar a compreensão de que o símbolo pode expressar aquilo que, no momento, ele não consegue dizer de outra forma.
É muito importante considerarmos que a comunicação não depende de treinamento e não é algo que se condiciona, mas que se vivencia.
Como selecionar recursos de CAA necessários a cada aluno e a quem cabe esta tarefa? Assim como nos recursos pedagógicos de acessibilidade, os recursos de CAA devem ser selecionados a partir da avaliação do contexto real do aluno e do registro das possíveis barreiras a serem eliminadas. Um profundo conhecimento do aluno, do seu contexto familiar e social e das tarefas a serem realizadas na escola e fora dela possibilitarão a tomada de decisões sobre qual recurso de comunicação será necessário para aquele aluno, naquele momento.
O professor do AEE, que deve estar em contato direto com o aluno, pode coordenar este processo, solicitando à família, aos professores da escola comum e aos outros profissionais que atendem a esse aluno todas as informações que entender necessárias.
Ao professor de AEE caberá investigar no aluno:
Quais as formas de comunicação que ele já utiliza?
Quais são seus temas de interesse?
Com quem ele se comunica?
Quando ele se comunica?
Quando ele não se comunica?
Quais são suas habilidades sensoriais visuais e auditivas?
Quais são as suas habilidades motoras e que serão utilizadas para acessar os recursos de comunicação?
Como é sua condição cognitiva e seu envolvimento com o aprendizado?
Ele está desejoso de se comunicar com os outros?
Sobre o contexto do aluno, o professor do AEE fará uma observação relativa aos parceiros de comunicação do aluno e aos recursos que ele já utiliza. São parceiros de comunicação do aluno os familiares, amigos, professores, colegas e toda a equipe da escola.
Quem são os parceiros de comunicação?
Que temas os parceiros de comunicação consideram importantes para estabelecer em comunicações com o aluno?
Qual é o vocabulário usual entre os colegas e amigos?
O que já está sendo utilizado de CAA e quais são os resultados obtidos?
Quais os recursos e conhecimentos necessários aos parceiros de comunicação para que se relacionem com o aluno?
Como será a comunicação entre o professor da sala comum e o professor do AEE para que um trabalho integrado seja possível, tendo-se em vista o vocabulário e outros recursos para facilitar o entendimento dos conteúdos escolares?
Sobre as tarefas e desafios de comunicação que o aluno enfrenta no ambiente escolar:
O que consta no plano de ensino do professor para a turma toda?
Quais são os objetivos de aprendizagem?
Quais os conteúdos a serem desenvolvidos e de que forma serão explorados pelo professor para toda a turma?
Quais são as barreiras de comunicação que impedem ou limitam a participação do aluno nas atividades escolares?
Como é feita a avaliação da aprendizagem dos alunos? Quais as dificuldades do professor em avaliar o aluno?
Com base nessa avaliação, o professor do AEE continua seu trabalho, envolvendo todos os seus parceiros. Em alguns casos, ele buscará ajudas e conhecimentos necessários com outros profissionais, para que possa definir o melhor recurso de CAA e como poderá ser mais facilmente utilizado pelo aluno.
Ao iniciar o AEE, o professor deve estar atento às respostas dos alunos, à leitura de suas expressões e comportamentos, ao que o aluno pode estar querendo dizer e que a simbologia disponível não contempla. Neste caso, a intervenção do professor será no sentido de buscar outros símbolos ou passar a fazer perguntas objetivas para que o aluno sinalize de forma afirmativa ou diga não. Em tais situações é de muita utilidade dispor de símbolos com
dizeres do tipo: "Não tem aqui o que quero falar.", "Vamos mudar de assunto.", "Faça perguntas com resposta SIM e NÃO."
É muito importante que não limitemos os assuntos a serem tratados com o aluno àqueles que estão disponíveis em sua prancha de comunicação. É muito comum que os parceiros de comunicação perguntem sempre as mesmas coisas, somente porque sabem que o aluno poderá responder sem erro.
Por exemplo: Qual é seu time? Qual é seu brinquedo favorito? Quem é seu melhor amigo? O que você vai ser quando crescer?
Se o aluno pudesse falar diria: Você já sabe isso, porque me pergunta sempre a mesma coisa? Minha prancha não é um brinquedo e eu não sou "uma gracinha". Tenho vontade de falar outras coisas que não estão na minha prancha.
É preciso valorizar os recursos de comunicação e não os tornar uma ferramenta sem sentido para o aluno, pois ele pode se desinteressar e abandonar a ferramenta. Um recurso de CAAé sempre inacabado e somente quando nosso aluno estiver escrevendo ele poderá compensar totalmente a falta da fala, mesmo que sua escrita seja realizada de forma alternativa, através da varredura manual em prancha impressa, do computador ou de vocalizadores.
Ao elaborarmos um recurso de CAA sem a participação do aluno, corremos um sério risco de criarmos artefatos que em nada o auxiliarão a comunicar-se de maneira efetiva, na escola e fora dela.
Quando afirmamos que o recurso deve ser selecionado com o aluno, estamos nos colocando ao lado dele, prestando atenção às suas necessidades, identificando as suas possibilidades, reconhecendo suas limitações, e, junto com ele, selecionando e oferecendo o recurso de CAA, que, naquele momento e para aquela situação é o mais indicado.
Isto significa que, assim como o aluno muda constantemente, os recursos também devem acompanhar esta mudança, adequando-se constantemente às necessidades provenientes do desenvolvimento ou dos problemas que persistirem e exigirem novos recursos.
Fonte de estudo - Revista - A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar Recursos Pedagógicos Acessíveis e Comunicação Aumentativa e Alternativa
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