Para iniciar este tema, descrevo situações comumente vividas pelas crianças, pelas famílias e pelas escolas ao receberem alunos com TGD. O objetivo é de proporcionar a identidade entre o presente texto e a realidade vivida pelos professores, buscando subsidiar teoricamente a compreensão dessa realidade e propor alternativas de atuação e de valorização desse desafio.
A CRIANÇA AO INGRESSAR NA ESCOLA
Conforme já foi mencionado, a oportunidade de trabalhar com alunos com TGD na turma tem sido nova para a grande maioria das escolas. De acordo com a nossa (minha equipe) observação, é grande o impacto nos profissionais da educação que atuam na escola quando se deparam com as reações dessas crianças que, tanto quanto os professores, estão diante de uma experiência nova.
É comum que essas crianças apresentem manifestações de sua inflexibilidade de maneira exacerbada.
Se utilizarmos os subsídios teóricos trabalhados anteriormente nesse texto, é fácil compreender que, no ambiente escolar, com todos os seus estímulos e vendo-se em meio a muitas outras crianças, a tantas falas e atitudes das outras pessoas que, aliás, não lhe são familiares, a criança reaja assim.
Essas reações, de forma recorrente, podem ser de choro intenso, de movimentos corporais repetitivos, de indiferença em relação aos apelos e tentativas de ajuda, de apego a determinados locais fixos na escola e de recusa em deslocar-se conforme orientado. Também já observamos, em casos mais complexos, auto-agressões ou reações abruptas envolvendo objetos ou mesmo alguma outra pessoa.
A ocorrência de tais manifestações não deve ser interpretada como o estado permanente da criança ou no que consiste o seu porvir. Na verdade, trata-se de reações esperadas mediante uma alteração importante na sua rotina. A escola, naquele momento, é uma experiência desconhecida e de difícil apropriação de sentido e propósito pela criança.
Por parte dos professores, a vivência desses primeiros momentos pode ser paralisante, carregada de sentimento de impotência, angústia e geradora de falsas convicções a respeito da impossibilidade de que a escola e o saber/fazer dos professores possam contribuir para o desenvolvimento daquela criança.
Mediante as dificuldades iniciais, as escolas recorrem a todo tipo de tentativa de acolhimento ao aluno. Essa é uma atitude absolutamente compreensível, embora sejam importantes alguns cuidados.
Se conseguirmos deslocar nossa atenção das estereotipias e reações da criança e nos projetarmos a um cotidiano futuro, é possível "cuidar" de algumas questões.
Considerando os subsídios teóricos já disponibilizados nesse texto, entendemos que tais dificuldades iniciais ocorrem em decorrência da inflexibilidade intelectual dessa criança. É pela falta de flexibilidade que a experiência de estar na escola não é significada facilmente, representando inicialmente apenas a perda da rotina cotidiana, que permitia a essa criança não se desorganizar. Devemos lembrar de que o apego a rotinas e rituais é uma característica comum às crianças com TGD.
Os professores que trabalham com as idades iniciais da escolarização acumulam farta experiência como testemunhas de diferentes graus de reação das crianças aos primeiros dias na escola e à primeira separação da família para um meio social mais amplo. Algumas conseguem rapidamente se adaptar às novas vivências, enquanto outras levam muitos dias nessa empreitada, absorvendo toda a atenção dos professores em atitudes de choro contínuo, apego à mãe na entrada da escola, sem deixarmos de poder mencionar o apego de mães aos seus filhos e a grande insegurança de algumas ao deixá-los na escola.
O que é importante então nesses primeiros dias? É importante entender que as primeiras manifestações correspondem àquelas acima descritas, comuns às demais crianças, potencializadas pela inflexibilidade decorrente do TGD. Assim, no decorrer dos primeiros dias, é fundamental ter em mente que a experiência da escola necessita entrar, o quanto antes, num terreno mais previsível para aquela criança. Isso deve ser feito, obviamente, sem retirar a naturalidade do ambiente escolar, mas tendo em mente que a mesma inflexibilidade que torna tão difíceis as primeiras experiências nesse ambiente poderá também promover o apego a situações que posteriormente poderão se tornar indesejáveis.
Em outras palavras, é importante, na tentativa de acolhimento àquela criança, não proporcionar a ela vivências que não farão parte da sua rotina no futuro. A inflexibilidade e o apego a rotinas poderão levar a criança a estabelecer rotinas inadequadas no interior da escola, que causarão dificuldades posteriores para os profissionais e para a própria criança quando forem reformuladas. Exemplos disso são o acolhimento individual com acesso a brinquedos que não é dado às demais crianças, horários reduzidos para adaptação progressiva, permanência separada da turma em espaços como sala da coordenação ou direção da escola, alimentação em horário diferente do restante da turma, etc.
O cotidiano escolar possui rituais que se repetem diariamente. A organização da entrada dos alunos, do deslocamento nos diversos espaços, das rotinas em sala de aula, do recreio, da organização da turma para a oferta da merenda, das aulas em espaços diferenciados na escola, da saída ao final das aulas e outros são exemplos de rituais que se repetem e que favorecem a apropriação da experiência escolar para a criança com TGD.
Esses rituais escolares proporcionam a todas as crianças o desenvolvimento de aspectos cognitivos úteis à vivência social, envolvendo antecipação, adiamento da atuação imediata, entre outros. A diferença é que a necessidade de exercício explícito de ensino e aprendizagem empreendidos junto à criança com TGD, em tais situações, torna visível tal processo.
O grande valor desses rituais já inerentes à escola para a criança com TGD é o fato de que acontecem para todos os alunos e não são artificiais ou preparados exclusivamente para a criança com TGD, já que constituem regras de organização de um meio social real e, portanto, diverso. O aprendizado advindo das situações reais é de utilidade real para a criança, ou seja, passível de ser utilizado em outros contextos, diferentemente daquele advindo de situações artificiais.
Quanto mais cedo a criança com TGD puder antecipar o que acontece diariamente na escola, mais familiar e possível de ser reconhecida se tornará para ela a vivência escolar, tornando as primeiras manifestações da criança progressivamente menos freqüentes. Tendo em vista que a capacidade de antecipar é uma função que se apresenta prejudicada para aqueles que apresentam TGD, consiste em facilitador da familiarização com o ambiente escolar essa antecipação, com a ajuda de outra pessoa.
Por antecipação realizada por outra pessoa, estamos nos referindo à necessidade de que a criança seja comunicada antes, de forma simples e objetiva, a respeito do que vai ocorrer no momento seguinte. Isso pode parecer não funcionar por um tempo, pois a criança poderá aparentar não ter prestado atenção ou não entender, quando não altera suas atitudes diante dessa antecipação. O importante é tornar a antecipação uma rotina e não desistir da expectativa de adesão da criança.
Como efeito da antecipação, a cada dia mais o contato diário da criança com o ambiente escolar e com seus rituais, que se repetem, vão tornando o cotidiano mais previsível e seu comportamento poderá ir se transformando.
Com o passar do tempo, a escola poderá ir dispensando tal antecipação nas situações que se repetem diariamente, podendo verificar que um precioso progresso foi conquistado no cotidiano daquela criança.
As intervenções dos colegas consistem em importante estratégia transformadora de padrões de comportamento da criança com TGD. O envolvimento da criança com TGD pelos colegas proporciona, não raras vezes, intervenções que partem deles espontaneamente, na tentativa de que aquela criança participe como eles da rotina. A intervenção dos colegas acontece quando eles reconhecem a expectativa da escola de que a criança com TGD conseguirá comportar-se melhor. O efeito dessa intervenção dos pares na adesão da criança com TGD a esses rituais é mais freqüentemente eficaz do que aquela que provém dos adultos.
Se, por um lado, esses rituais são inerentes à rotina escolar, também o são as situações inusitadas, as novidades e surpresas. Como veremos no decorrer do texto, a escola tem se mostrado essencial por ambos os aspectos, demonstrando que a exposição ao meio social é condição de desenvolvimento para qualquer ser humano.
Com o passar do tempo, a escola poderá ir dispensando tal antecipação nas situações que se repetem diariamente, podendo verificar que um precioso progresso foi conquistado no cotidiano daquela criança.
As intervenções dos colegas consistem em importante estratégia transformadora de padrões de comportamento da criança com TGD. O envolvimento da criança com TGD pelos colegas proporciona, não raras vezes, intervenções que partem deles espontaneamente, na tentativa de que aquela criança participe como eles da rotina. A intervenção dos colegas acontece quando eles reconhecem a expectativa da escola de que a criança com TGD conseguirá comportar-se melhor. O efeito dessa intervenção dos pares na adesão da criança com TGD a esses rituais é mais freqüentemente eficaz do que aquela que provém dos adultos.
Se, por um lado, esses rituais são inerentes à rotina escolar, também o são as situações inusitadas, as novidades e surpresas. Como veremos no decorrer do texto, a escola tem se mostrado essencial por ambos os aspectos, demonstrando que a exposição ao meio social é condição de desenvolvimento para qualquer ser humano.
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