Ally e Ryan

Ally e Ryan

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O DESENVOLVIMENTO DA FUNÇÃO EXECUTIVA DE ALUNOS COM TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO NA ESCOLA


Quando falamos de alunos com TGD, estamos falando de crianças e adolescentes que, embora apresentem prejuízos nas mesmas áreas do desenvolvimento, podem ser muito diferentes entre si.

Entre as crianças com Autismo, por exemplo, podemos encontrar aquelas que apresentam ausência de qualquer comunicação e reciprocidade social, muitas estereotipias e rigidez mental.

Também podemos encontrar crianças que utilizam a fala (embora com prejuízos no seu desenvolvimento), que apresentam alto funcionamento em áreas de interesse restrito, poucas estereotipias e menos rigidez mental.

Temos pautado neste texto, predominantemente, as crianças com maiores prejuízos do desenvolvimento, por entender que são elas o desafio maior para os professores e as famílias dos alunos. Mas é importante considerar que, também para as demais, há prejuízos nas mesmas áreas (comunicação, reciprocidade social, flexibilidade mental). Embora tais prejuízos possam ocorrer em menor intensidade, estas crianças requerem o investimento e a organização da escola, segundo os mesmos princípios aqui descritos, podendo variar o período de duração do uso das estratégias de organização e a área de prejuízo do desenvolvimento a que se aplicam.

As observações em escolas nos mostraram que as perspectivas de desenvolvimento de componentes próprios da Função Executiva são muito significativas. Na escola, há para os alunos um equilíbrio diário entre o que eles podem prever e o que acontece de novo.

Este aspecto configura uma distinção fundamental entre a inclusão escolar e iniciativas de intervenção educacional exclusivamente para crianças e adolescentes com autismo. Nessas intervenções, são oferecidos ambientes absolutamente controlados, com redução de estímulos e intervenções nas regras de convivência nas atividades de vida diária e comunicação, que reforçam os prejuízos apresentados pelas pessoas com autismo. Além disso, estar o convívio com pares restrito a outras crianças e adolescentes que também apresentam os mesmos prejuízos não permite que o aprendizado seja generalizado para situações sociais.

Na inclusão escolar, a criança com TGD tem a oportunidade de vivenciar a alternância entre aquilo que acontece todos os dias da mesma forma e aquilo que acontece de forma diferente. Essa alternância permite o acúmulo de experiência que irá tornar o ambiente social menos imprevisível. O que pudemos observar é que a escola é fonte de aprendizados provenientes da experiência sistemática com as situações sociais, sob a mediação da escola, de modo a ampliar para essa criança seus recursos para fazer antecipações. Assim, ela vai se tornando mais hábil em antecipar situações que são comuns à infância de qualquer criança, superando a condição inicial em que o contexto social e o que lhe é inerente consistem em algo que não pode ser antecipado e que não possui significado para ela.

Para qualquer criança, constituem fonte do desenvolvimento, por exemplo, os estímulos sensoriais e afetivos provenientes da relação com o meio ambiente e a sucessão de vivências cognitivo-emocionais nas relações afetivas e sociais, associadas aos ajustes com o ambiente. A vivência e aprendizado cotidianos estruturam uma rede neurobiológica, fazendo com que, ao longo do desenvolvimento, as aquisições cognitivo-emocionais tenham um correspondente neurobiológico.

(...) As vivências significativas proporcionadas pelo ambiente, seja nas relações interpessoais, nas atividades escolares ou nos aprendizados de diversas ordens, produzem repercussões na circuitação cerebral que poderá, como conseqüência, modelar-se ou remodelar-se dentro de certos limites, respeitando a plasticidade do sistema nervoso (CYPEL, 2006, p. 381).

Atualmente se entende que o cérebro não só é capaz de produzir novos neurônios, mas também de responder à estimulação do meio ambiente, como um aprendizado que tem a ver com modificações ligadas à experiência, ou seja, modificações que são a expressão da plasticidade. Essa relação experiência/estimulação constitui o principal pilar sobre o qual a reabilitação se insere, e dessa forma procura proporcionar excelentes exemplos de plasticidade cerebral, desde que as janelas de oportunidades sejam bem aproveitadas (ROTTA, 2006, p. 466).

As relações afetivas e sociais, desde os primeiros vínculos de cuidado na família até as interações em ambientes socialmente mais amplos como a escola, estão implicadas no desenvolvimento das funções mentais. Nesse sentido, também está sendo considerada a implicação das restrições, do adiamento de impulsos e até das frustrações inerentes a essas relações e vivências, necessárias para tal desenvolvimento.

Para os alunos com TGD, a exposição mediada entre essas vivências tem se mostrado eficaz no desenvolvimento de funções mentais, amenizando prejuízos e possibilitando a emergência de maior possibilidade de vivências próprias da infância.

Relato

Francisco foi matriculado na escola aos 9 anos de idade. Nos primeiros dias, ele permanecia afastado da turma, chorava de forma persistente e tampava os ouvidos com as mãos quase todo o tempo. Durante o recreio, insistia em permanecer em um canto com o comportamento já descrito acima. Um grupo de crianças toma a iniciativa de permanecer com ele, oferecem merenda e o convidam para brincadeiras, etc.

À medida que o ambiente escolar tornou-se familiar devido à freqüência diária de Francisco, seu comportamento foi sofrendo modificações, superando o choro, o afastamento dos colegas e a atitude de tampar os ouvidos. Com o tempo, ele passou a utilizar as primeiras palavras para comunicar suas necessidades (água, xixi...).

No ano seguinte, a família mudou de local de moradia e Francisco foi transferido para uma nova escola. Desde o primeiro dia, o aluno permaneceu em sala de aula, participou dos rituais escolares e solicitou ir ao banheiro verbalmente.

Menos de um ano depois, a família voltou a morar no endereço anterior, retornando à escola de origem.

O Relato demonstra que houve desenvolvimento da função de antecipação e aquisição de flexibilidade decorrentes de aprendizado. Francisco demonstrou ter utilizado sua experiência anterior, recorrendo à memória desta experiência para lidar com um novo ambiente escolar. Ele reconheceu nesse novo ambiente os traços de semelhança com sua experiência anterior, apesar do ambiente físico ser diferente e das pessoas não serem familiares a ele. A partir desse reconhecimento, Francisco conseguiu antecipar as situações novas a serem enfrentadas, atribuir significado a elas e buscar os recursos necessários, provenientes de seu aprendizado, adaptando-os para lidar com a nova situação.

Cabe ressaltar que tal sucesso mediante um ambiente social novo é proveniente da exposição de Francisco ao ambiente da escola comum. A experiência numa instituição apenas para pessoas com autismo não permite tal aprendizado e a prova disso é que, antes de Francisco ingressar na primeira escola, ele freqüentou uma escola especial que em nada o ajudou a ter recursos internos para enfrentar aquela situação. (FONTE A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar Transtornos Globais do Desenvolvimento).

Outro relato

Paulo começou a freqüentar a escola com 8 anos de idade. Os primeiros dias foram um grande desafio para ele e para a escola. Às vezes, ele permanecia longo tempo chorando "um chorinho de bebê", segundo a escola. Não conseguia permanecer em sala de aula por muito tempo.


Ao fazê-lo, batia o punho na carteira em ritmo constante, por longo tempo, ou mexia de forma repetitiva com tiras de papel ou plástico, que muitas vezes já trazia de casa (estereotipia).

Depois de certo tempo, começava a se agitar, empurrava as carteiras com muita força.

Não se comunicava e não permanecia em meio aos colegas espontaneamente.
Com o passar do tempo, Paulo desenvolveu diversas competências relativas à participação no cotidiano escolar e aos vínculos sociais. Entretanto, vamos agora chamar a atenção para uma situação em especial.

Certo dia, durante o recreio, Paulo distanciou-se do grupo em que estava e caminhou no sentido de uma mureta, onde as crianças costumam se sentar. Nesse percurso, havia um grupo de meninas jogando peteca. Paulo parou e permaneceu no mesmo lugar, até que a peteca caiu no chão. Enquanto as meninas a pegavam de volta, Paulo seguiu atravessando esta pequena área rapidamente e chegou ao destino intencionado.

Este pequeno exemplo tem todos os atributos para confirmarmos o desenvolvimento de funções pertinentes à Função Executiva. Nele há evidências de objetivo a ser atingido (chegar à mureta onde as crianças se sentam); antecipação (em algum momento o jogo de peteca vai parar e será quando ela cair no chão); adiamento (esperar a peteca cair no chão para atravessar a área); cumprimento do propósito (chegar à mureta sem interferir no jogo de peteca ou ser atingido por ela).

A situação descrita pode parecer corriqueira por ser simples e acessível às competências cognitivas da maioria das crianças. Entretanto, este é apenas um exemplo de uma infinidade de situações observadas no cotidiano escolar deste aluno, as quais evidenciam o desenvolvimento de funções cognitivas importantes, mediante os prejuízos causados pelo TGD. Paulo, atualmente, participa do convívio social, das brincadeiras e atividades da turma, das excursões, das festas e eventos da escola.

Mais do que isso, ele aprendeu a conviver com as crianças das casas vizinhas, apropriando-se de flexibilidade mental suficiente para dar significado a tais vivências. Ainda não desenvolveu a comunicação verbal, mas não se desorganiza ou recorre às estereotipias ao ver-se inserido no meio social.

É importante reforçar que competências relativas à Função Executiva são desenvolvidas na escola por todas as crianças, sendo que, para a maioria delas, as atividades de alfabetização são o grande desafio que proporcionará a ampliação e o desenvolvimento de esquemas de planejamento cada vez mais sofisticados, mediante solicitações cada vez mais complexas. Em função dos prejuízos decorrentes do TGD, para as crianças que apresentam tal transtorno, os desafios que representam solicitações complexas ao desenvolvimento se situam já, de imediato, no ambiente social mais amplo do que o familiar, menos controlado e mais imprevisível. As manifestações de aquisição das competências cognitivo-sociais, como as descritas no caso de Paulo, representam um esforço e uma conquista fundamental para toda a sua vida, e devem ser valorizadas pelos professores. (FONTE A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar Transtornos Globais do Desenvolvimento).

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