São Paulo, domingo, 07 de fevereiro de 2010 - Folha de São Paulo - Caderno Cotidiano
Frota de veículos cresce mais onde há menos dinheiro
Em Teresina, capital com pior renda per capita do país, frota está 10,6% maior; Porto Velho é a grande líder de compras.
Explosão na quantidade de veículos é preocupante, dizem especialistas, que alertam para a necessidade de planejamento público
SAMANTHA LIMADA SUCURSAL DO RIO
A crescente facilidade para financiar carros e, mais recentemente, os incentivos do governo falaram mais alto à população das capitais mais pobres do país, que lideraram o crescimento na frota de automóveis em 2009, durante a crise. A tomada das ruas nessas cidades preocupa especialistas, por faltar planejamento público e pelo fato de algumas já conviverem com congestionamentos.
Levantamento feito pela Folha mostra que em 10 das 15 capitais onde a frota cresceu acima da média entre 2008 e 2009 a renda per capita é inferior a R$ 14,5 mil reais, valor médio do Brasil. Os dados de expansão da frota são do Departamento Nacional de Trânsito e de renda per capita, do IBGE.
Durante o período, o governo manteve reduzido o IPI para carros novos. Benefício que será cortado no dia 31 de março.As 15 capitais com aumento de frota superior à média estão fora do eixo Sul-Sudeste. Onze são do Norte ou Nordeste -que, com exceção de Manaus, são as que têm a pior renda.
Teresina, dona da pior renda per capita do país, R$ 8,3 mil, tem 10,6% mais carros do que tinha ao fim de 2008, ou 118,6 mil automóveis -um carro para cada seis pessoas.
A campeã em crescimento de frota na crise foi Porto Velho, com expansão de 15,7%. Hoje são 59,7 mil carros nas ruas da cidade, um para cada seis habitantes. A capital rondoniense tem a 10ª pior renda do país, R$ 11,7 mil. No Brasil, a frota cresceu 7,7% e chegou a 34,5 milhões de carros, dois para cada onze habitantes.
Dona da terceira maior renda per capita do país -R$ 29,4 mil- São Paulo absorveu 5,2% mais carros em 2009, segundo o Denatran. São mais 223 mil carros -ou duas frotas de Vitória- disputando espaço.
Segunda em renda, com R$ 41 mil por pessoa, Brasília tem 7,9% mais carros circulando do que há um ano, passando de 798 mil para 861 mil veículos.
O fenômeno de crescimento da frota em capitais pobres começou faz cinco anos. Desde então, a tendência é ainda mais forte. No crescimento de renda acumulado desde 2004, treze cidades cresciam mais do que a média nacional. Nove tinham renda abaixo da média.
Trânsito como rotina
A facilidade crescente de financiamento nos últimos anos, e a ascensão da classe C ao consumo -definição, segundo o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas para famílias com renda entre R$ 1.064 e R$ 4.591- favorecem a chegada dos carros.
"Esse interior também foi beneficiado pela renda que vem da agroindústria nos últimos anos", complementa Marco Aurélio Cabral, professor de história econômica do Brasil do Ibmec-Rio. "O problema é que, com raras exceções, essas cidades não estão preparadas para ter mais carros em suas ruas".De fato, os congestionamentos cada vez mais fazem parte da rotina dessas cidades, diz o professor da Fundação Dom Cabral Paulo Resende, especializado em transporte público. "Em Porto Velho, vivi instantes que lembrava São Paulo."
Cabral defende uma maior flexibilização dos orçamentos públicos no caso de projetos para planejamento urbano. "Ainda há tempo de planejar e fazer obras integradas", diz.Para Resende, porém, há um problema mais grave a ser contornado. "Os gestores públicos da maioria dessas cidades não estão preparados para pensar na questão."
Caos no trânsito faz paulistano ficar bem mais em casa
Em seus carros, nas ruas travadas da capital, motoristas se informam, ouvem música, estudam e também trabalham
Para pesquisador, o que mais chama a atenção é o inconformismo; muitas pessoas já incorporaram a rotina caótica do trânsito
DA SUCURSAL DO RIO
Três em cada cinco paulistanos têm ficado mais tempo em casa para evitar congestionamentos. Proporção igual já incorporou o trânsito lento como rotina de seu dia. Metade dos motoristas nada faz para reduzir o tráfego; só um em cada cinco dá carona e um em dez usa transporte coletivo.
As estatísticas são de um levantamento do Núcleo de Estudo em Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral. O estudo ouviu 300 motoristas no ano passado.
Enquanto o trânsito não anda, 30% dos paulistanos ouvem notícia, 27% ouvem música, 16% estudam e 11% trabalham. Um em cada dez apenas observa o trânsito, indica a pesquisa."Um dos entrevistados disse que fez o ensino médio no carro: ouvia as aulas do telecurso no rádio e depois fazia as provas", diz Paulo Resende, um dos autores da pesquisa.
Mais do que curiosidades, o levantamento revelou, para o pesquisador, um inquietante conformismo com o trânsito."Ouvi pessoas que se diziam satisfeitas ao constatarem que tinham no carro um tempo livre para fazerem outras coisas, enquanto estavam retidas. Elas não percebem que esse tempo, por mais bem aproveitado".
Sem falar no isolamento social. As pessoas também evitam sair, ficando mais tempo em casa, deixando, voluntariamente, de ter convívio com outras pessoas. "O trânsito não é só perda financeira e estresse. Ele também deteriora o tecido social.
"Outro ponto preocupante do conformismo, segundo o pesquisador, é o fato de a população se indignar cada vez menos com o caos no trânsito, tomando-o como parte da rotina e, com isso, arrefecer nas cobranças ao setor público por políticas que melhorem o trânsito.
A pesquisa foi repetida no Rio, em Belo Horizonte e Porto Alegre. Das quatro cidades, São Paulo registra o maior grau de conformismo: 61%. O Rio não fica muito atrás: 58%.Em Belo Horizonte estão os menos conformados: 47%, ante 42% em Porto Alegre e 35% na capital de São Paulo.(SAMANTHA LIMA)
Gasto com ônibus aumenta com as ruas paradas
DA SUCURSAL DO RIO
Não bastasse os conhecidos aborrecimentos causados pelos congestionamentos, o usuário dos ônibus, que menos contribui para o estado de lentidão, tem um transtorno a mais: trânsito pesado torna a passagem mais cara, mostra pesquisa da Fundação Dom Cabral.
Em São Paulo, 6,09% da tarifa de R$ 2,70, ou R$ 0,16, sai do bolso dos passageiros de ônibus como encargo pelas ruas paradas. Em duas viagens por 22 dias úteis, são R$ 7,04 .No Rio, o percentual é de 8,04% sobre a tarifa de R$ 2,35, ou R$ 0,19 por viagem e R$ 8,36 por mês para cada usuário.O levantamento levou em consideração as planilhas de custos apresentadas pelas empresas de ônibus.
No trânsito pesado, o consumo de combustível aumenta. Além disso, o congestionamento reduz o número de viagens que o ônibus faz por dia.
Para as empresas de transporte, não há perdas. "Elas repassam tudo ao usuário", diz Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral.
O problema seria amenizado se houvesse maior preocupação, segundo o especialista, no planejamento de corredores exclusivos para os coletivos.(SAMANTHA LIMA)