Ally e Ryan

Ally e Ryan

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

EDUCAÇÃO ESCOLAR DE PESSOAS COM SURDEZ

Descrição da imagem: símbolo internacional da pessoa com deficiência auditiva.

A educação escolar das pessoas com surdez nos reporta aproximadamente há dois séculos, quando se instaurou um embate político e epistemológico entre os gestualistas e oralistas. Este confronto tem ocupado um lugar de destaque nas políticas públicas, nos debates e nas pesquisas científicas, bem como nas ações pedagógicas empreendidas em prol da educação desses alunos, seja na escola comum ou especial.

Historicamente as concepções desenvolvidas sobre a educação de pessoas com surdez se fundamentaram em três abordagens diferentes: a oralista, a comunicação total e a abordagem por meio do bilinguismo. As propostas educacionais centraram-se, ora na inserção desses alunos na classe comum, ora na classe especial ou na escola especial.

As escolas comuns ou especiais, pautadas no oralismo visaram à capacitação da pessoa com surdez para a utilização da língua da comunidade ouvinte na modalidade oral, como única possibilidade lingüística o uso da voz e da leitura labial, tanto na vida social, como na escola. As propostas educacionais, baseadas no oralismo, não conseguiram atingir resultados satisfatórios, porque, normalizaram as diferenças, não aceitando a língua de sinais dessas pessoas e centrando os processos educacionais na visão da reabilitação
e naturalização biológica.

A comunicação total considerou a pessoa com surdez de forma natural, aceitando suas características e prescrevendo o uso de todo e qualquer recurso possível para a comunicação, procurando potencializar as interações sociais, considerando as áreas cognitivas, lingüísticas e afetivas dos alunos. Os resultados obtidos com esta concepção são questionáveis quando observamos as pessoas com surdez frente aos desafios da vida cotidiana. A linguagem gestual, visual, os textos orais, os textos escritos e as interações sociais pareciam não possibilitar um desenvolvimento satisfatório e esses alunos continuavam segregados, permanecendo em seus guetos, ou seja, marginalizados, excluídos do contexto maior da sociedade. Esta concepção, não valorizou a língua de sinais, portanto, pode-se dizer que a comunicação total é uma outra feição do oralismo.

Os dois enfoques - oralista e comunicação total - deflagraram um processo que não favoreceu o pleno desenvolvimento das pessoas com surdez, por focalizar o domínio das modalidades orais, negando a língua natural desses alunos e provocando perdas consideráveis nos aspectos cognitivos, sócio-afetivos, lingüísticos, políticos, culturais e na aprendizagem. Em favor da modalidade oral, por exemplo, usava-se o português sinalizado e desfigurava-se a rica estrutura da língua de sinais, cujo processo de derivação lexical é descartado.

Por outro lado, a abordagem educacional por meio do bilinguismo visa capacitar a pessoa com surdez para a utilização de duas línguas no cotidiano escolar e na vida social, quais sejam: a língua de sinais e a língua da comunidade ouvinte. Estudos têm demonstrado que esta abordagem corresponde melhor às necessidades do aluno com surdez, em virtude de respeitar a língua natural e construir um ambiente propício para a sua aprendizagem escolar.

Diante dessas concepções torna-se urgente repensar a educação escolar dos alunos com surdez, tirando o foco do confronto do uso desta ou daquela língua e buscar redimensionar a discussão acerca do fracasso escolar, situando-a no debate atual acerca da qualidade da educação escolar e das práticas pedagógicas. É preciso construir um campo de comunicação e de interação amplos, possibilitando que a língua de sinais e a língua portuguesa, preferencialmente a escrita, tenham lugares de destaque na escolarização dos alunos com surdez, mas que não sejam o centro de todo o processo educacional.

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) vem ao encontro do propósito de mudanças no ambiente escolar e nas práticas sociais/institucionais para promover a participação e aprendizagem dos alunos com surdez na escola comum. Muitos desafios precisam ser enfrentados e as propostas educacionais revistas, conduzindo a uma tomada de posição que resulte em novas práticas de ensino e aprendizagem consistentes e produtivas para a educação de pessoas com surdez, nas escolas públicas e particulares.

É necessário reinventar as formas de conceber a escola e suas práticas pedagógicas, rompendo com os modos lineares do pensar e agir no que se refere à escolarização. O paradigma inclusivo não se coaduna com concepções que dicotomizam as pessoas com ou sem deficiência, pois os seres humanos se igualam na diferença, refletida nas relações, experiências e interações. As pessoas com surdez não podem ser reduzidas à condição sensorial, desconsiderando as potencialidades que as integram a outros processos perceptuais, enquanto seres de consciência, pensamento e linguagem.

As pessoas com surdez não podem ser reduzidas ao chamado mundo surdo, com uma identidade e uma cultura surda. É no descentramento identitário que podemos conceber cada pessoa com surdez como um ser biopsicossocial, cognitivo, cultural, não somente na constituição de sua subjetividade, mas também na forma de aquisição e produção de conhecimentos, capazes de adquirirem e desenvolverem não somente os processos visuais-gestuais, mas também de leitura e escrita, e de fala se desejarem.

Pensar e construir uma prática pedagógica que assuma a abordagem bilíngüe e se volte para o desenvolvimento das potencialidades das pessoas com surdez na escola é fazer com que esta instituição esteja preparada para compreender cada pessoa em suas potencialidades, singularidades e diferenças e em seus contextos de vida.

Na abordagem bilíngüe, a Libras e a Língua Portuguesa, em suas variantes de uso padrão, quando ensinadas no âmbito escolar, são deslocadas de seus lugares especificamente linguísticos e devem ser tomadas em seus componentes histórico-cultural, textual e pragmático, além de seus aspectos formais, envolvendo a fonologia, morfologia, sintaxe, léxico e semântica. Para que isso ocorra, não se discute o bilingüismo com olhar fronteiriço ou territorializado, pois a pessoa com surdez não é estrangeira em seu próprio país, embora possa ser usuária da Libras, um sistema linguístico com características e status próprios.

Na perspectiva inclusiva da educação de pessoas com surdez, o bilinguismo que se propõe é aquele que destaca a liberdade de o aluno se expressar em uma ou em outra língua e de participar de um ambiente escolar que desafie seu pensamento e exercite sua capacidade perceptivo-cognitiva, suas habilidades para atuar e interagir em um mundo social que é de todos, considerando o contraditório, o ambíguo, as diferenças entre as pessoas.

Continuar, portanto, o embate epistemológico entre o uso exclusivo da Libras ou o uso exclusivo do Língua Portuguesa, além das questões que foram levantadas sobre o bilinguismo, é manter a exclusão escolar dos alunos com surdez. Assim, deflagrar iniciativas no meio escolar pautadas no reconhecimento e na valorização das diferenças, que demonstrem a possibilidade da educação escolar inclusiva de pessoas com surdez na escola comum brasileira.

De acordo com o Decreto 5.626, de 5 de dezembro de 2005, as pessoas com surdez têm direito a uma educação que garanta a sua formação, em que a Língua Brasileira de Sinais e a Língua Portuguesa, preferencialmente na modalidade escrita, constituam línguas de instrução, e que o acesso às duas línguas ocorra de forma simultânea no ambiente escolar, colaborando para o desenvolvimento de todo o processo educativo.

Diante do exposto, a proposta de educação bilíngue pauta a organização da prática pedagógica na escola comum, na sala de aula comum e no AEE.

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