As Primeiras Ações e Organizações Voltadas para as Pessoas com Deficiência.
Mário Cléber Martins Lanna Júnior.
Capítulo 1.
Durante o período colonial, usavam-se práticas isoladas de exclusão - apesar de o Brasil não possuir grandes instituições de internação para pessoas com deficiência. As pessoas com deficiência eram confinadas pela família e, em caso de desordem pública, recolhidas às Santas Casas ou às prisões. As pessoas com hanseníase eram isoladas em espaços de reclusão, como o Hospital dos Lázaros, fundado em 1741. A pessoa atingida por hanseníase era denominada “leprosa”, “insuportável” ou “morfética”. A doença provocava horror pela aparência física do doente não tratado – eles possuíam lesões ulcerantes na pele e deformidades nas extremidades do corpo –, que era lançado no isolamento dos leprosários e na exclusão do convívio social. A chegada da Corte portuguesa ao Brasil e o início do período Imperial mudaram essa realidade.
No século XIX tiveram início as primeiras ações para atender as pessoas com deficiência, quando o País dava seus primeiros passos após a independência, forjava sua condição de Nação e esboçava as linhas de sua identidade cultural. O contexto do Império (1822-1889), marcado pela sociedade aristocrática, elitista, rural, escravocrata e com limitada participação política, era pouco propício à assimilação das diferenças, principalmente as das pessoas com deficiência. O Decreto n° 82, de 18 de julho de 1841, determinou a fundação do primeiro hospital “destinado privativamente para o tratamento de alienados”, o Hospício Dom Pedro II, vinculado á Santa Casa de Misericórdia, instalado no Rio de janeiro. O estabelecimento começou a funcionar efetivamente em 9 de dezembro de 1852.
Em 1854, foi fundado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos e, em 1856, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos*. 1 Durante o século XIX, apenas os cegos e os surdos eram contemplados com ações para a educação. É importante destacar que a oferta de atendimento concentrava- se na capital do Império.
1 Não se usa mais o vocábulo “mudo” como complemento da identificação de surdos, já que, na maioria absoluta das vezes, o fato de não falar está relacionado ao não conhecimento dos sons e à consequente impossibilidade de repeti-los, e não a uma doença que impeça a fala.
Com o advento da República, o Hospício Dom Pedro II foi desanexado da Santa Casa de Misericórdia e passou a ser chamado de Hospício Nacional de Alienados. Somente em 1904, foi instalado o primeiro espaço destinado apenas a crianças com deficiência – o Pavilhão-Escola Bourneville.
Na primeira metade do século XX, o Estado não promoveu novas ações para as pessoas com deficiência e apenas expandiu, de forma modesta e lenta, os institutos de cegos e surdos para outras cidades. As poucas iniciativas, além de não terem a necessária distribuição espacial pelo território nacional e atenderem uma minoria, restringiam-se apenas aos cegos e surdos. Diante desse déficit de ações concretas do Estado, a sociedade civil criou organizações voltadas para a assistência nas áreas de educação e saúde, como as Sociedades Pestalozzi (1932) e as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) (1954). Ainda na década de 50, o surto de poliomielite levou à criação dos centros de reabilitação física.
Os institutos no Império.
As questões relativas às pessoas cegas e surdas surgiram no cenário político do Império em 1835, durante o Período Regencial, quando o conselheiro Cornélio Ferreira França, deputado da Assembleia Geral Legislativa, propôs que cada província tivesse um professor de primeiras letras para surdos e cegos. Todavia, a recém-formada Nação Brasileira, independente de Portugal há apenas 13 anos, enfrentava um momento político conturbado e a proposta do conselheiro França sequer foi discutida na Câmara dos Deputados. O tema só foi retomado na década de 1850.
O Estado brasileiro foi pioneiro na América Latina no atendimento às pessoas com deficiência, ao criar, em 1854, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (atual Instituto Benjamin Constant - IBC), e, em 1856, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (hoje Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES). Essas instituições, que funcionavam como internatos, inspiravam-se nos preceitos do ideário iluminista e tinham como objetivo central inserir seus alunos na sociedade brasileira, ao fornecer-lhes o ensino das letras, das ciências, da religião e de alguns ofícios manuais.
Apesar do pioneirismo, ambos os institutos ofertaram um número restrito de vagas durante todo o Período Imperial. O conceito dessas instituições se baseou na experiência europeia, mas diferentemente de seus pares estrangeiros, normalmente considerados entidades de caridade ou assistência, tanto o Imperial Instituto dos Meninos Cegos quanto o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos encontravam-se, na estrutura administrativa do Império, alocados na área de instrução pública. Eram, portanto, classificados como instituições de ensino. A cegueira e a surdez foram, no Brasil do século XIX, as únicas deficiências reconhecidas pelo Estado como passíveis de uma abordagem que visava superar as dificuldades que ambas as deficiências traziam, sobretudo na educação e no trabalho.
O Imperial Instituto dos Meninos Cegos.
O Imperial Instituto dos Meninos Cegos foi criado pelo Imperador D. Pedro II, em 1854, para instruir as crianças cegas do Império. A instituição foi instalada no Rio de Janeiro e tinha como modelo o Instituto de Meninos Cegos de Paris, cujos métodos de ensino eram considerados os mais avançados de seu tempo. Foi o discurso eloqüente do jovem cego e ex-aluno do Instituto de Paris José Álvares de Azevedo que convenceu o imperador a instituí-lo, durante uma audiência intermediada pelo médico da corte, ao Dr. José Francisco Xavier Siga e pelo Barão do Rio Bonito, o então presidente da Província do Rio de Janeiro.
Em seu primeiro ano de funcionamento, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos atendeu alunos de apenas duas províncias – Rio de Janeiro e Ceará. Até o fim do regime monárquico, recebeu meninos e meninas de várias outras províncias, tais como Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. O ingresso dos alunos estava condicionado à autorização do ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império.
O Imperial Instituto dos Surdos-Mudos.
O Imperial Instituto dos Surdos-Mudos foi criado em 1856, por iniciativa particular do francês E. Huet, professor surdo e ex-diretor do Instituto de Surdos-Mudos de Bourges. A criação do Instituto e suas primeiras atividades foram financiadas por donativos até 1857, quando a lei orçamentária destinou-lhe recursos públicos e o transformou em instituição particular subvencionada (Lei n° 939, de 26 de setembro de 1857), posteriormente assumida pelo Estado. Huet dirigiu a instituição por aproximadamente cinco anos e, depois de sua retirada, em 1861, o Instituto entrou em processo de desvirtuamento de seus objetivos.
O Instituto atendeu apenas três pessoas surdas em 1856. Com o tempo, esse atendimento se expandiu. A princípio, eram alunos provenientes do Rio de Janeiro, sobretudo da capital do Império, onde o Instituto estava instalado; posteriormente, vieram alunos de outras províncias: Alagoas, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, São Paulo, Maranhão, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Santa Catarina.
A crise na instituição foi exposta em 1868, quando o chefe da Seção da Secretaria de Estado, Tobias Rabello Leite, realizou inspeção nas atividades e condições do Instituto. Em seu relatório, apontou que o desvio seus propósitos originais, transformando-se em um verdadeiro asilo de surdos. Tobias Leite tornou-se diretor da Instituição até 1896 e deu-lhe o impulso definitivo como referência na educação de surdos no Brasil.
O currículo consistia no ensino elementar incorporado de algumas matérias do secundário. O ensino profissionalizante focava-se em técnicas agrícolas, já que a maioria dos alunos era proveniente de famílias pobres do meio rurual. Em meados da década de 1870, foram instaladas oficinas profissionalizantes de encadernação e sapataria.
A República e as primeiras iniciativas da sociedade civil.
Com a proclamação da República, em 1889, os institutos tiveram a denominação alterada. Imediatamente após a queda do regime monárquico, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos recebeu o nome de Instituto dos Meninos Cegos, alterado, em 1890, para Instituto Nacional dos Cegos e, em 1891, para Instituto Benjamin Constant (IBC), homenagem ao seu diretor mais ilustre. Pelo mesmo motivo, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos deixou de ostentar a alcunha de instituição imperial, mantendo o nome de Instituto dos Surdos-Mudos, até 1957, quando passou a se chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).
A ação do Estado em relação às pessoas com deficiência mudou muito pouco com o advento da República. Os Institutos permaneceram como tímidas iniciativas – mesmo com o surgimento de congêneres em outras regiões do Brasil –, tanto porque atendiam parcela diminuta da população de pessoas com deficiência em face da demanda nacional, quanto por se destinarem a apenas dois tipos de deficiência: a cegueira e a surdez. Por exemplo, em 1926, foi fundado o Instituto São Rafael, em Belo Horizonte; em 1929, o Instituto de Cegos Padre Chico, em São Paulo; em 1959, o Instituto Londrinense de Educação de Surdos (ILES) em Londrina, todos ainda em funcionamento.
No contexto histórico de industrialização e urbanização brasileiras, processo iniciado na década de 1920 e aprofundado nas décadas de 1940 e 1950, surgiram, por iniciativa da sociedade civil, novas organizações voltadas para as pessoas com deficiência. Essas novas organizações se destinavam a outros tipos de deficiência e com formas de trabalho diferenciadas, por não se restringirem à educação e atuarem também na saúde.
Nesse período, os primeiros centros de reabilitação física surgiram motivados pelo surto de poliomielite. Com relação aos hansenianos, persistiu a prática de isolamento em leprosários, somente interrompida na década de 1980. Com o passar do tempo, os leprosários tornaram-se verdadeiras cidades, praticamente autossuficientes, com prefeitura própria, comércio, escola, igreja, delegacia e cemitério.
As principais iniciativas para atender a deficiência intelectual desse período foram dos movimentos pestalozziano e apaeano. Até a metade do século XIX, a deficiência Intelectual era considerada uma forma de loucura e era tratada em hospícios. Durante a República, iniciaram-se as investigações sobre a etiologia da deficiência intelectual, sendo que os primeiros estudos realizados no Brasil datam do começo do século XX.
A monografia sobre educação e tratamento médico pedagógico dos idiotas, do médico Carlos Eiras de 1900, é o primeiro trabalho científico sobre a deficiência intelectual no Brasil. Após a metade do século XX, dois trabalhos científicos produzidos por psiquiatras tornaram-se referências: a tese Introdução ao estudo da deficiência mental (oligofrenias), de Clóvis de Faria Alvim, publicada em 1958, e o livro Deficiência mental, de Stanislau Krynski, publicado em 1969.
A deficiência intelectual, à época denominada “idiotia”, passou a ser tratada na perspectiva educacional com tratamento diferenciado em relação aos hospícios do século XIX. Ao longo do tempo, a pessoa com deficiência intelectual já foi denominada de oligofrênica, cretina, imbecil, idiota, débil mental, mongolóide, retardada, excepcional e deficiente mental. A expressão “deficiência intelectual” significa que há um déficit no funcionamento do intelecto, mas não da mente. A expressão “deficiência intelectual” foi introduzida oficialmente em 1995, pela ONU, e consagrada, em 2004, no texto da “Declaração de Montreal Sobre Deficiência Intelectual”.
Movimento pestalozziano.
No Brasil, inspirado pelo pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), foi criado, em 1926, o Instituto Pestalozzi de Canoas, no Rio Grande do Sul. A influência do ideário de Pestalozzi, no entanto, ganhou impulso definitivo com Helena Antipoff, educadora e psicóloga russa que, a convite do Governo do Estado de Minas Gerais, veio trabalhar na recém-criada Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte. Sua atuação marcou consideravelmente o campo da assistência, da educação e da institucionalização das pessoas com deficiência intelectual no Brasil. Foi Helena Antipoff quem introduziu o termo “excepcional”, no lugar das expressões “deficiência mental” e “retardo mental”, usadas na época para designar as crianças com deficiência intelectual. Para ela, a origem da deficiência vinculava-se à condição de excepcionalidade socioeconômica ou orgânica.
Helena Antipoff criou, em 1932, a Sociedade Pestalozzi de Belo Horizonte. Em 1945, foi fundada a Sociedade Pestalozzi do Brasil; em 1948, a Sociedade Pestalozzi do Estado do Rio de Janeiro; e, em 1952, a Sociedade Pestalozzi de São Paulo. Até 1970, data da fundação da Federação Nacional das Sociedades Pestalozzi (Fenasp), o movimento pestalozziano contava com oito organizações em todo o País. A criação da federação, também por iniciativa de Helena Antipoff, fomentou o surgimento de várias sociedades Pestalozzi pelo Brasil. Atualmente, são cerca de 150 sociedades Pestalozzi filiadas à Fenasp.
Movimento apaeano.
A primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) foi fundada em 1954, no Rio de Janeiro, por iniciativa da americana Beatrice Bemis, mãe de uma criança com deficiência intelectual. A reunião inaugural do Conselho Deliberativo da APAE do Rio de Janeiro ocorreu em março de 1955, na sede da Sociedade de Pestalozzi do Brasil. Em 1962, havia 16 APAEs no Brasil, 12 das quais se reuniram em São Paulo para a realização do 1° Encontro Nacional de Dirigentes Apaeanos, sob a coordenação do médico psiquiatra Dr. Stanislau Krynski. Participaram dessa reunião as APAEs de Caxias do Sul, Curitiba, Jundiaí, Muriaé, Natal, Porto Alegre, São Leopoldo, São Paulo, Londrina, Rio de Janeiro, Recife e Volta Redonda. Durante a reunião decidiu-se pela criação da Federação Nacional das APAEs (Fenapaes).
A Fenapaes foi oficialmente fundada em 10 de novembro de 1962. Funcionou inicialmente em São Paulo, no consultório do Dr. Stanislau Krynski, até que uma sede própria foi instalada em Brasília. Atualmente, a Fenapaes reúne 23 federações estaduais e mais de duas mil APAEs distribuídas por todo o País. Essas organizações constituem uma rede de atendimento à pessoa com deficiência de expressiva capilaridade na sociedade, que presta serviços de educação, saúde e assistência social. O atendimento é voltado para as pessoas com deficiência intelectual e múltipla.
Os centros de reabilitação.
Em meados da década de 1950, estudantes de medicina e especialistas trouxeram da Europa e dos Estados Unidos os métodos e paradigmas do modelo de reabilitação do pós-guerra, cuja finalidade era proporcionar ao paciente o retorno à vida em sociedade. Os grandes centros de reabilitação europeus e norte-americanos, que recebiam predominantemente vítimas da Segunda Grande Guerra, desenvolveram técnicas e inspiraram o surgimento de organizações similares em todo o mundo. Isso ocorreu mesmo em países como o Brasil, onde a principal causa da deficiência física não era a guerra. Nesse período, surgiram os primeiros centros brasileiros de reabilitação para atenderem as pessoas acometidas pelo grande surto de poliomielite.
A poliomielite foi observada no início do século XX, no Rio de Janeiro (1907-1911) e em São Paulo (1918). Porém, surtos de considerável magnitude ocorreram na década de 1930, em Porto Alegre (1935), Santos (1937), São Paulo e Rio de Janeiro (1939). A partir de 1950, foram descritos surtos em diversas cidades, com destaque para o de 1953, a maior epidemia já registrada no Brasil, que atingiu o coeficiente de 21,5 casos por 100 mil habitantes, no Rio de Janeiro.
Um dos primeiros centros de reabilitação do Brasil foi a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), fundada em 1954. Idealizada pelo arquiteto Fernando Lemos, cujo filho possuía sequelas de poliomielite, a ABBR contou com o apoio financeiro de grandes empresários provenientes dos setores de comunicação, bancário, de aviação, de seguros, dentre outros. Entre esses empresários, estava Percy Charles Murray, vítima de poliomielite e primeiro presidente da associação.
A primeira ação da ABBR foi criar a escola de reabilitação para formar fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, diante da carência desses profissionais no Brasil. Os cursos de graduação em Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Escola da Reabilitação da ABBR tiveram início em abril de 1956, de acordo com os moldes curriculares da Escola de Reabilitação da Columbia University. No ano seguinte, em setembro de 1957, o Centro de Reabilitação da ABBR foi inaugurado pelo Presidente da República, Juscelino Kubitscheck.
Outras organizações filantrópicas surgiram no contexto da epidemia de poliomielite, como a Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) de São Paulo (hoje Associação de Assistência à Criança Deficiente), fundada em 1950. 1 O Instituto Bahiano de Reabilitação (IBR) de Salvador, criado em 1956; e a Associação Fluminense de Reabilitação (AFR) de Niterói, fundada em 1958. Alguns hospitais tornaram-se centros de referência na reabilitação de pessoas com sequelas de poliomielite, a exemplo do Hospital da Baleia e do Hospital Arapiara, ambos em Belo Horizonte - MG.
1 embora a AACD tenha sido fundada antes da ABBR, seu centro de reabilitação começou a atender o público somente em 1963.
O perfil dos usuários dos centros de reabilitação modificou significativamente, no Brasil, a partir da década de 1960. A consolidação da urbanização e da industrialização da sociedade e o êxito das campanhas nacionais de vacinação provocaram dois efeitos: diminuíram os casos de sequelas por poliomielite e aumentaram os casos de deficiência associados a causas violentas, principalmente acidentes automobilísticos (carro e moto), de mergulho e ferimentos ocasionados por armas de fogo.
O surgimento da reabilitação física suscitou o modelo médico da deficiência, concepção segundo a qual o problema era atribuído apenas ao indivíduo. Nesse sentido, as dificuldades que tinham origem na deficiência poderiam ser superadas pela intervenção dos especialistas (médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, assistentes sociais e outros). No modelo médico, o saber está nos profissionais, que são os principais protagonistas do tratamento, cabendo aos pacientes cooperarem com as prescrições que lhes são estabelecidas.
Embora esse modelo representasse avanço no atendimento às pessoas com deficiência, ele se baseia em uma perspectiva exclusivamente clinicopatológica da deficiência. Ou seja, a deficiência é vista como a causa primordial da desigualdade e das desvantagens vivenciadas pelas pessoas. O modelo médico ignora o papel das estruturas sociais na opressão e exclusão das pessoas com deficiência, bem como desconhece as articulações entre deficiência e fatores sociais, políticos e econômicos.
Tanto os institutos do Império, voltados para a educação de cegos e surdos, quanto as organizações surgidas na República, direcionadas às pessoas com deficiência intelectual e à reabilitação, embora não tivessem nenhum cunho político claramente definido, propiciaram, mesmo que para poucos, espaços de convívio com seus pares e discussão de questões comuns. Nesse sentido, contribuíram para forjar uma identidade das pessoas com deficiência. Foram precursoras, naquele momento, da formulação do ser cego, surdo, deficiente intelectual e deficiente físico não apenas na denominação, mas em sua identificação como grupo social.
Todas as iniciativas, desde o Império até a década de 1970, são parte de uma história na qual as pessoas com deficiência ainda não tinham autonomia para decidir o que fazer da própria vida. Todavia, entre as pessoas com deficiência, esse foi um período de gestação da necessidade de organização de movimentos afirmativos dispostos a lutar por seus direitos humanos e autonomia, dentre os quais se destaca a capacidade de decidirem sobre a própria vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário