O corpo e as mãos falam
O corpo e as mãos da criança cega falam. Os pais e a professora devem estar atentos à essa forma particular de expressão e comunicação. Os gestos faciais, a comunicação visual pelo olhar, os gestos com a mão, pedir, apontar e dar são substituídos, pela criança cega, por outros movimentos corporais como: agitar os braços, a cabeça, o tronco, os pés e as mãos.
Esses movimentos podem se prolongar até mais tarde, mesmo depois de a criança cega utilizar a linguagem verbal como forma de comunicação.
A forma como a criança explora, manipula, tateia, faz o rastreamento tátil dos objetos, comunica seu interesse, atenção, prazer, forma de discriminação, compreensão e significado dos objetos, movimenta o corpo e as mãos precisa ser contextualizada pela interação, pela comunicação e pelo brincar.
O verbalismo
O verbalismo é definido como emprego de palavras ou frases destituídas de significado, descontextualizadas ou sem experiência vivencial. Algumas crianças cegas fazem uso de palavras abstratas, termos rebuscados mas sem sentido ou conceito real. Outras pessoas utilizam palavras ou expressões que contém apenas significado visual.
Susana Crespo (1980), educadora argentina, alertava que, ao educar uma criança cega, não se deve deixar de lado suas próprias experiências sensoriais e tentar supri-las com expressões e conceitos verbais. Isso desvirtua sua educação, se é levada a construir seu mundo com base em palavras, idéias e imagens emprestadas, sem ter em conta suas próprias e ricas possibilidades de aquisição.
Integração sensório-motora e aprendizagem
A criança com deficiência visual poderá explorar o meio, elaborar significados, atribuir sentidos, utilizar-se de todos seus sentidos de forma integrada para aprender sobre o mundo e conhecê-lo.
A coordenação dos esquemas sensório-motores permite a exploração ativa, sequência e continuidade do rastreamento tátil e a integração aos outros sentidos (auditivo, olfativo, gustativo e tátil-cinestésico). Também permite desenvolver a atenção, o interesse na exploração e a decodificação dos objetos, eventos ou situações.
Os sentidos auditivo e tátil são importantes canais de interação, comunicação e conhecimento do meio. As informações táteis não são fornecidas apenas pela mão, mas por toda a pele, a vibração e a preensão são meios também importantes para se obter informação.
O desenvolvimento tátil-cinestésico permite à criança manter a atenção para diferenciar semelhanças e diferenças em objetos e poder reconhecê-los. A informação cinestésica e proprioceptiva permite perceber as relações do corpo e posição no espaço, mover-se com segurança e equilíbrio e desenvolver ação funcional. A audição desempenha importante papel na comunicação, aprendizagem, aquisição de conhecimento e participação social. Não é correto afirmar que a criança com deficiência visual desenvolve mais o sentido auditivo do que as outras crianças. No entanto, ele é denominado o sentido de apoio das pessoas cegas, pois a aquisição de símbolos auditivos auxilia a decodificação do ambiente, a orientação no espaço e atuação independente.
Pode-se compreender a importância da informação auditiva para a criança com deficiência visual se observarmos uma pessoa cega atravessando uma rua movimentada com segurança, participando de um jogo de futebol ou de uma olimpíada de corrida.
Entretanto, a seleção de estímulos auditivos em situações de aprendizagem são muito importantes para a criança com deficiência visual, pois o excesso de ruídos ou sons muito altos e sem sentido podem desorganizar, confundir e estressar a criança.
O sentido do olfato e do gosto são receptores e tradutores dos estímulos de natureza química. O olfato tem importante função de antecipação, sinalização e orientação no ambiente. A grande limitação que a deficiência visual impõe ao processo de desenvolvimento e aprendizagem diz respeito ao controle do ambiente, organização e orientação no espaço. A criança necessitará de ajuda, pistas, pontos de referência e orientação para poder mover-se com autonomia no espaço.
Algumas crianças com deficiência visual podem apresentar dificuldades adicionais de tônus muscular baixo e equilíbrio, o que pode prejudicar o planejamento da ação motora.
Essas crianças, na escola, geralmente vão preferir brincar mais passivamente e sentadas. A professora deve encorajá-las para as atividades físicas: subir, escalar, correr, pular, escorregar, balançar, dar cambalhotas etc. Essas são atividades que ativam o labirinto e fortalecem a musculatura.
Uma educação consistente e uma aprendizagem significativa devem considerar a importância da integração sensorial e, somente por esse caminho próprio, é que a criança cega poderá conhecer o mundo, elaborar noções e conceitos e, principalmente, obter o desenvolvimento da autonomia e independência.
A formação da auto-imagem
A construção dos esquemas sensório-motores e o desenvolvimento da linguagem permitem à criança cega explorar o ambiente, decodificar o mundo e conhecê-lo. Essa experiência concreta do mundo externo é assimilada, interpretada e ressignificada por um indivíduo que habita um espaço interno que é vivido na interação com o outro.
O espaço social e o outro desempenham papel fundamental não somente na formação de conceitos e na construção do conhecimento, mas também na constituição do indivíduo. A formação da imagem corporal é dada pela oportunidade que a criança cega têm de conhecer seu próprio corpo e o do outro, poder tocar-se e ser tocada, poder tocar o outro para poder diferenciar-se, formar a consciência de si e do outro no mundo. É pela oportunidade de conhecer o seu próprio corpo, tocá-lo, movimentá-lo e viver ações contextualizadas no tempo e espaço, significadas pelo outro, que a criança com deficiência visual poderá adquirir a consciência do seu corpo e de suas ações, essenciais à construção do eu.
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