Ally e Ryan

Ally e Ryan

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Baixa visão: implicações no processo de desenvolvimento e aprendizagem


A neurobiologia tem ajudado a compreender que a formação da imagem visual, permitindo ver o mundo em forma e cores, e compreendê-lo, depende de uma rede integrada de circuitos neuronais, da qual os olhos são apenas uma parte do sistema, envolvendo aspectos fisiológicos, sensório-motores e psicológicos.

As imagens visuais se formam com a excitação pela luz das moléculas fotossensíveis na retina, desencadeando reações físico-químicas e elétricas que geram impulsos nervosos, conduzidos pelo nervo óptico ao córtex visual e demais sistemas no cérebro.

Estudos sobre a plasticidade neuronal da visão apontam modificações nas estruturas e no desenvolvimento visual em resposta a experiências e estímulos contínuos. Entretanto, essa capacidade será desenvolvida se a criança com baixa visão tiver a oportunidade de realizar, o mais cedo possível, experiências visuais significativas, integradas às demais vivências sensório-motoras que permitem ao aluno lhes atribuir significados.

Kendel (1998) afirma que a aprendizagem pode levar à alteração de estruturas no cérebro, e que, a cada experiência do indivíduo, redes de neurônios são rearranjados e novas sinapses são reforçadas. Surgem, assim, múltiplas possibilidades de respostas e novas formas de adaptação do organismo ao meio são criadas.

Deve-se considerar, no entanto, que o desenvolvimento neuronal, a mielinização da retina e nervo óptico ocorrem rapidamente nos primeiros dois anos de vida, desenvolvendo-se mais lentamente até os sete anos de idade. Por isso, torna-se imprescindível uma avaliação da visão já nos primeiros meses para que se possa compreender como a criança funciona visualmente e o que lhe desperta atenção e interesse, quais os mecanismos, estratégias e recursos que podem potencializar e melhorar suas respostas visuais.

Para ler visualmente o mundo e decodificar letras por meios visuais, é necessário ter o nervo óptico e a retina intactos. A retina é formada por células fotorreceptoras denominadas cones e bastonetes. Os cones são responsáveis pela visão central, percepção de cores e detalhes. Os bastonetes são responsáveis pela visão periférica, formas e adaptação à iluminação.

A concentração das células nervosas na retina passam a constituir a mácula, responsável pela acuidade visual, imagem nítida e visão de detalhes. As terminações dessas células nervosas constituem o nervo óptico, que conduz o estímulo visual ao cérebro, onde as imagens são interpretadas.

O sistema nervoso é composto por neurônios sensoriais, motores e de associação. As informações provenientes dos receptores sensoriais aferem ao sistema nervoso central (SNC), onde são integradas (codificação, comparação, armazenagem, decisão) por neurônios de associação, ou interneurônios. Essa rede intrincada de circuitos neurais conectados em áreas sensoriais, motoras e de interpretação, funcionam em interdependência e constante integração, o que permite atos conscientes, pensamentos e possibilidade de novas associações e aprendizagem. O córtex visual é responsável pela decodificação, interpretação e associação de imagens.

Dessa forma, não somente os aspectos fisiológicos e estruturais do olho devem ser analisados, mas também os aspectos neurológicos e funcionais do sistema nervoso devem ser avaliados e orientados pelo neurologista, sobretudo nos casos de deficiência visual cortical.

Todas as possibilidades de ação sensório-motora e funcionais devem ser investigadas cuidadosamente pelo professor especializado em trabalho conjunto com o professor da creche e pré-escola, em diferentes situações, ambientes e atividades cotidianas, para que o aluno possa ter a oportunidade de ampliar suas experiências de forma integrada e significativa.

Assim, alterações importantes de retina, nervo óptico, lesões corticais e campo visual são fatores que influenciam e dificultam o processo de interação, a participação em jogos e atividades de leitura e escrita por meios visuais. Outro fator determinante é o campo visual, onde a transmissão da informação ao córtex visual é organizada topograficamente. Os estímulos da metade direita do campo visual ativam neurônios da metade esquerda da retina e se projetam ao córtex visual esquerdo e vice-versa.

Os folículos superiores são responsáveis pela coordenação viso-motora, indicando o movimento do esqueleto para manter a fixação ocular. Os núcleos do cerebelo exercem papel significativo no comportamento viso-motor e no movimento das imagens na retina, modulando os reflexos visuais de rastreamento.

Pesquisas de Lindstedt (1997) mostram que a visão funcional depende muito da sensibilidade aos contrastes, exercendo grande influência na percepção espacial, na análise e comparação dos objetos, como também a função visual de locomoção depende do campo visual.

Daí a importância, na avaliação funcional da visão, da análise de posturas adequadas de tronco, cabeça e disposição do material a ser visto, de forma que facilite a fixação, a distância focal e a organização do campo visual útil para que o aluno possa obter melhor desempenho visual.

Essa rede complexa em que se constitui a função visual remete à uma investigação criteriosa por parte do professor especializado das necessidades e das dificuldades apresentadas pelo aluno no desempenho de suas atividades escolares, envolvendo questões espaciais, temporais e, principalmente, modificação do meio ambiente.

Lindstedt (1997) sugere, para o melhor desenvolvimento possível da capacidade visual de crianças, a identificação precoce, minimizando a perda visual mediante intervenção adequada por correção óptica e estimulação visual.

A estimulação visual de crianças, numa abordagem pedagógica e integral do desenvolvimento, nos mostra a importância de oferecer oportunidades variadas de experiências e de ações sensório-motoras integradas, e não apenas alguns momentos de “treinamento” ou “terapia visual’’.

Aliás, olho não se treina. O aluno adquire a função mediante o uso contínuo e progressivo da visão, por meio de ações coordenadas que permitam a formação de imagens, atribuição de significados e formação de conceitos para aprendizagem.

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