O que significa para a criança cega pular como sapo, como canguru? O que significa ser o Chapeuzinho Vermelho, a Bela Adormecida, experimentar o sapatinho de cristal?
A criança com deficiência visual pode perder muitas informações e conceitos que influenciam na possibilidade de imitação das ações, da vida, na função imagética e nas representações simbólicas.
O professor deve compreender que algumas crianças com deficiência visual podem não mostrar interesse por brincadeiras imitativas ou jogo simbólico, isso porque não podem aprender por meio da observação visual ou pela imitação.
Algumas informações e experiências exclusivamente visuais não fazem sentido, não têm significado, por isso são impossíveis de serem compreendidas e interpretadas pela criança com deficiência visual. Outras são possíveis de serem vivenciadas apenas pelo caminho não visual, pelo tátil-cinestésico (toque e movimento), com a descrição verbal para a elaboração do conceito. As percepções, as imagens e as representações nas crianças cegas seguem outro caminho: elas se interessam mais por dublar vozes, ritmos, onomatopéias do que imitar ações, ou preferem atividades mais passivas para obter o controle da ação.
Bruno (1992) observou que, em crianças com deficiência visual, o brincar desenvolve-se de um simples exercício para a representação do vivido pelo jogo simbólico. A brincadeira simbólica começa com ações bem simples vividas pela criança: dormir, comer, ser mamãe, cuidar da filhinha e evolui para brincadeiras mais elaboradas do fazer de conta. Para isso, diz ela, a criança deve ter aprendizagens significativas, atividades funcionais e companheiros para brincar de faz-de-conta.
Para essa autora, o jogo simbólico é fundamental para o desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança com deficiência visual, porque, por meio dele, ela organiza suas percepções e emoções, exercita seu pensamento pré-lógico, comunica-nos sua compreensão do meio, seus sentimentos, desejos, fantasias e aprende a lidar com suas emoções e afeto.
O processo de formação de conceitos
Welsh & Blasch (1980) definem conceitos como uma representação mental, uma imagem sobre os objetos ou acontecimentos que se formam pelo processo de classificação ou agrupamento. O conceito é uma descrição verbal de objetos concretos ou ideias abstratas.
A formação de conceitos é um processo cognitivo que envolve a capacidade de perceber, discriminar e observar semelhanças e diferenças, reconhecer o nome e a função. A capacidade de discriminar e reconhecer é que permite perceber o que se ouve, toca, experimenta. Quando a criança atribui significado, ela pode relacionar as pessoas, objetos e eventos ao já conhecido, pode então compreender e interpretar, abstrair propriedades e pode generalizar.
A criança com deficiência visual sofre naturalmente uma limitação de informações e oportunidade de observar, analisar, perceber as propriedades dos objetos, como são, quais suas formas e de que são feitos. A descoberta sobre as propriedades dos objetos que a criança vidente
realiza de forma automática e espontânea, ao observar e relacionar as diferenças de cores, formas, tamanhos, proporções, pesos e encaixes dos objetos, a criança com deficiência visual não faz.
Bruno (1992) observou que crianças com perda visual acentuada, em idade pré-escolar, adquirem muitas vezes experiências segmentadas, sem a oportunidade de observar o desencadeamento e seqüência das ações temporo-espaciais, a compreensão das relações causa efeito que serão determinantes para a aquisição das representações conceituais. Comenta, ainda, que é muito difícil para essas crianças compreenderem as transformações da natureza, dos objetos, dos eventos, sendo necessárias pessoas que sirvam de ponte, dando pistas e dicas para que compreendam a origem dos objetos, suas relações de causa-efeito e as transformações.
Vygotsky (1993), sob a perspectiva sociocultural, concebe a formação de conceitos como um sistema de inter-relação organizado na estrutura cognitiva como redes de significados articulados entre si, mediante uma construção coletiva pela linguagem e imersão na cultura, o que permite a compreensão do mundo e a elaboração de conceitos mais abstratos.
Ormelezi (2000), pesquisando a representação mental, imagens e conceitos em cegos congênitos, conclui que eles são dados sobretudo pela experiência perceptiva tátil-cinestésica (tem que tocar para saber da existência), e também pela auditiva e pela olfativa, associada à língua oral, como expressão máxima da cultura na forma de descrições, explicações, definições e metáforas. A língua, ainda, antecede toda a organização cognitiva e a acompanha, mesmo porque há nos conceitos o valor conotativo, além do denotativo.
Torna-se importante, na pré-escola, a professora planejar e estruturar situações e oportunidades de pesquisa em situações variadas com diferentes elementos, objetos e materiais, para que a criança possa assimilar e relacionar esses conceitos mediante sua própria experiência no mundo físico.
A professora deve estar consciente que a forma que a criança com deficiência visual utiliza para adquirir e organizar suas experiências sensoriais, as noções de tempo e espaço são completamente diferentes da da criança vidente. A informação verbal, a descrição do ambiente, objetos e acontecimentos é fundamental para o processo de aprendizagem e construção do conhecimento, mas não é suficiente. A criança precisa viver a ação com seu próprio corpo e com todos os sentidos de forma integrada para poder formar os conceitos.
Alguns estudos sobre aquisição de conceitos espaciais em pessoas cegas informam a importância da vivência precoce de um espaço ativo, a consciência de direções e distâncias em relação ao próprio corpo e o espaço objetivo, que é a relação entre os objetos. A elaboração, integração e coordenação dessas experiências é que permitem à pessoa cega construir os mapas mentais que são fundamentais para sua orientação, autonomia e independência. A representação espacial é a abstração dos conceitos espaciais que vai permitir ao aluno compreender mais tarde os mapas, resolver problemas geométricos, representações geográficas e astronômicas.
Logo, as imagens e as representações das crianças com deficiência visual serão diferentes das das pessoas videntes, pois o caminho e o processamento são outros. Assim, o processo de avaliação e as estratégias metodológicas devem ser heterogêneas para que contemplem essas necessidades específicas.
A exposição da criança a um ambiente desafiador, rico em experiências, em situações novas, a constante problematização e mediação realizada pela professora e a possibilidade que ela tiver de falar, de discutir e questionar essas experiências é que poderão ajudá-la a construir o seu sistema de significação e representação conceitual.
A professora precisa compreender que a criança com deficiência visual necessitará de mais tempo e maior possibilidade de investigação para a elaboração de noções e conceitos, pois os demais sentidos não lhe permitem uma síntese imediata. Ela precisa relacionar todos os aspectos e coordená-los para compor um conjunto, e assim, poder compreender e abstrair.
As atividades e a prática pedagógica na educação infantil devem priorizar a experiência, a investigação, a oportunidade de estabelecer relações nos brinquedos, nos jogos corporais e pedagógicos, nas atividades diárias, nas histórias infantis, nas atividades de contar, medir, pesar, fazer relações, todos fundamentais para a formação de conceitos e para uma aprendizagem significativa.
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