Ally e Ryan

Ally e Ryan

sexta-feira, 24 de junho de 2011

INCLUSÃO: MOVIMENTO POSSÍVEL? OU SONHO DE MÃE?

Moramos em Jacobina – Bahia, cidade no Piemonte da Chapada Diamantina, com 76 mil habitantes, segundo o Censo 2002.

Aimée é nossa segunda filha, tem sete anos de idade; Rebeca tem onze anos. Aimée nasceu com amaurose congênita de Leber com alterações neurológicas e hipotonia.

Esclarecendo esse conceito: é totalmente cega e tem dificuldades importantes para andar e articular bem a fala. Desde o segundo mês de nascimento fazemos o que é possível para habilitá-la de forma que ela tenha independência, reduzindo suas dificuldades e facilitando sua inclusão na escola e nas atividades na comunidade em que vivemos. Então, passamos por todo aquele processo de médicos neurologistas, oftalmologistas (22 ao todo), exames, fonoaudiólogos, teraputas ocupacionais (TO), fisioterapeutas, professores, pedagogos etc. Durante dois anos e meio fiz tudo em casa, filmando em Salvador e repetindo aqui, exaustivamente, até começarmos a ver que algo ia mudando, enquanto não treinávamos profissionais para atendê-la.

Após algum tempo, resolvemos participar de forma efetiva na Apae, como Presidente, quando conseguimos uma sede bem ampla, e fomos trazendo profissionais para capacitar professores e equipe técnica, assim como viabilizamos diversas viagens para cursos e congressos. Em Jacobina não há, até o momento, outra criança com deficiência visual estudando no ensino regular, e, antes de Aimée, não tínhamos professores nem terapeutas especializados. Começamos do nada, só na fé.

Aos três anos de idade Aimée andava com grande dificuldade, sendo praticamente ajudada a andar. Falava poucas palavras como: mã, pá, mas era muito alegre e entendia tudo o que se passava e lhe pedia. Começou a freqüentar a sala do maternal, na Apae, com mais cinco crianças, sendo que apenas ela tinha deficiência visual; as demais tinham síndrome de Down e outras dificuldades. Uma professora, Nilzan Santos, que já trabalhava em sua estimulação, resolveu, por conta própria, levá-la à escola em que Rebeca estudava, Colégio Yolanda Dias Rocha. Fez isto por três meses, sem nosso conhecimento. Trabalhou em cada sala da escola, do maternal à 4ª série do ensino fundamental, provocando discussões, conversando. Quando nós soubemos, as questões das quais tínhamos verdadeiro pavor, medo de a escola não aceitá-la, de as crianças rejeitaram-na, de as mães não deixarem seus filhos terem contato com Aimé, de Aimé não conseguir entender as coisas, e... Já estavam equacionadas e ela foi matriculada, vale dizer que a escola tem uma parceria bem interessante com a Rede Pitágoras.

O primeiro ano foi complicado para lidarmos com as questões de treinamento dos professores, mas contamos com a coordenação pedagógica da Profª Alda Conceição e com toda boa vontade da equipe de estarem em Salvador ou recebendo na escola várias visitas de técnicos como a fonoaudióloga Ivalda Gomes, a fisioterapeuta Luciane Gama, a especialista em múltipla deficiência Drª Ursulla Heymeyer, a Mestra em educação Marilda Bruno e a própria equipe técnica da Apae, na época, com a Profª Kátia Leite na Coordenação.

Compramos vários materiais pedagógicos na Laramara, em São Paulo, e confeccionamos outros tantos. Erramos em algumas escolhas como o uso de tipos braile ampliados e outras mais, mas acertamos em uma enormidade de outros como: os encontros durante à tarde, no horário da aula, em nossa casa, onde mandamos construir um parquinho cujo nome é RA-RA (Rebeca e Aimée), piscina, quintal com frutas etc... A professora Fátima dava aulas naquele ambiente, e se criou a maravilhosa experiência de convidar os colegas para brincar no sábado ou mesmo irem dormir no final de semana.

Por diversas vezes levamos os professores em nossa casa para trabalharmos várias questões e fazermos “vivências” de passar quase um dia todo de vendas nos olhos para podermos ter uma idéia das dificuldades de Aimée, do medo de se locomover, da noção de espaço, tempo...

Durante esses quatro anos de escola só vimos Aimée crescer, evoluir, ir para frente. Sua relação com os colegas é a melhor possível, pois ela é compreendida, ajudada da mesma forma que os outros, acontecem tanto brigas quanto momentos de grande afeto.

Hoje ela está na primeira série e fala isso com muito orgulho e auto-estima. Estamos fazendo toda a adaptação curricular e vencendo devagar as questões diárias de como avaliá-la em matemática, português, história, geografia, ciências, inglês etc... como melhorar a escrita, a leitura que ela já consegue de várias palavras e algumas frases, de estimulá-la a melhorar seu andar, pois já usa bengala, de diminuir o maneirismo de colocar a mão insistentemente nos olhos. Em casa faz ginástica com uma professora, três vezes por semana, professora Lucineide, com bicicleta, esteira, cama elástica, tentando vencer a hipotonia, e tem outra professora que estuda o braile e vamos introduzir o sorobã com a professora Neuma. Na escola tem a professora Rosa, da sala, e uma outra que é professora Lariane, que ajuda nas atividades que necessitam de maior concentração, confeccionando todo o material para tornar as atividades concretas, transcrevendo o braile e os livros de história.

São várias professoras ajudando: professora Dulce, professor Júnior, com quem fez natação durante três anos, professora Fátima, também estudando a melhor forma de fazer, repensando o que achávamos que era uma maravilha e encontrando “furos” no que era “dez” numa primeira olhada. Exemplificando: acreditávamos que não precisava repetir as letras várias vezes e mudamos, pois Aimée discrimina melhor se repetimos inúmeras vezes as mesmas coisas até ela aprender. Aumentamos o espaço entre uma letra e outra e entre uma palavra e outra, e isso ajudou. Diminuímos as frases, resumimos os textos, utilizamos o cursinare, o material dourado para matemática, e agora vai Aimée vai começar com o sorobã. Estamos fazendo uma avaliação diária, na qual os professores escrevem tudo sobre seu comportamento, suas atividades, sua colaboração, seus interesses, suas birras, seus avanços, e tem servido de referência para compararmos o quanto tem avançado e o quanto necessitamos trabalhar para chegar mais adiante.

Nós, como família, estamos impressionados com o crescimento de nossa filha, e não vamos negar: muitas vezes desacreditamos que ela pudesse fazer tanto, saber tanto e ser alegre, espirituosa, com respostas rápidas e muitas vezes desaforadas demais para nosso gosto, ter amigos, ir a festinhas de aniversário, parquinhos, casa das amigas, falar com todo mundo, saber o que passa nas novelas, no rádio, nos jornais da TV, e saber da vida alheia e das fofocas e casos que houve por aí. Isso nos faz bem e acalma nosso coração e nosso sofrimento dos primeiros anos, e faz com que acreditemos que tudo é possível.

Compreender que as pessoas têm possibilidades, internalizar que todos têm direito de acesso à escola de qualidade, fazer com que essas possibilidades floresçam, desabrochem, evoluam, lutar para que os conteúdos, as habilidades e as experiências sejam apreendidos, compartilhados, tendo funcionalidade e que possam ser aplicadas em um futuro próximo constituem os nossos sonhos, seja para Aimée, seja para Rebeca, Raul, Maria Ester, Enzo, Camila, Hannah, Amanda,....

Agradecemos a Deus pelo dom da vida, da fé, e da esperança, a ele toda honra e toda glória!

Emanuele Costa
Mãe da Aimé.

Fonte: Ministério da Educação

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