O jornal Folha de São Paulo que circula neste domingo traz como matéria de capa o crescimento do uso da motocicleta, vale a pena conferir.
Frota de moto supera a de carro em metade do país
Dados mostram que em 46% das cidades veículo de duas rodas é maioria
Índice se limitava a 26% no começo da década; na média, a cada três dias um novo município entra na lista
ALENCAR IZIDORO
DE SÃO PAULO
O office-boy virou motoboy. O transporte público se rendeu ao mototáxi. O jegue deu lugar à moto. E, para escapar de engarrafamentos ou de ônibus caros, lentos e desconfortáveis, muita gente decidiu se tornar motociclista.
O fenômeno notado desde os anos 90 está perto de ganhar um status de predominante: quase metade das cidades brasileiras já tem mais motocicletas do que carros.
Mapeamento da Folha a partir de dados do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) mostra que 46% dos municípios, onde vive um a cada quatro habitantes do país, têm uma frota onde as motos são majoritárias.
O índice se limitava a 26% no começo da década. Na média, a cada três dias uma nova cidade entrou na lista.
Embora esse domínio esteja concentrado em municípios pequenos e médios, são claros os sinais de avanço em grandes centros urbanos.
Duas capitais, inclusive, já têm as motos como preponderantes em suas frotas: Boa Vista (RR) e Rio Branco (AC).
MOTIVOS
Essa expansão mostra a consolidação de um transporte típico de países asiáticos, como Índia e Vietnã, e que é motivo de preocupação por ser vulnerável e provocar mais mortes em acidentes -além de mais poluente.
Além da má qualidade dos ônibus, a principal razão do avanço das motos é seu preço e facilidade de financiamento -há prestações de R$ 100. O fenômeno foi estimulado pelos vários níveis de governo, com queda de impostos e legalização de mototáxis.
Especialistas reconhecem a importância das motos para a mobilidade das pessoas. O resultado social, entretanto, é considerado negativo.
O número de motociclistas mortos no país saltou de 725 em 1996 para estimativas acima de 8.000 no ano passado.
O engenheiro e sociólogo Eduardo Vasconcellos cita dois agravantes da expansão desse transporte no Brasil.
O primeiro é que, enquanto a população da Ásia sempre conviveu com muitas bicicletas, aqui as pessoas não sabem lidar com veículos de duas rodas -seja na travessia seja para se equilibrar.
O segundo é a mistura de motos com caminhões e ônibus. "Não tem volta. É preciso reprogramar o trânsito."
Ele se refere a ações como redução de limites de velocidade, separação dos veículos grandes e fiscalização dos infratores -hoje muitos radares não flagram motos.
"O problema não é do veículo em si, mas da educação dos condutores", defende Moacyr Alberto Paes, da Abraciclo (associação dos fabricantes de motocicletas).
O aumento da frota de carros no Brasil nos últimos cinco anos foi de 40%, menos de metade do ritmo de crescimento das motos -105%.
Mesmo assim, há mais carros (35,4 milhões) do que motos (15,3 milhões) no país devido às grandes capitais.
PROPORÇÃO
Quem vive em São Paulo pode se impressionar com a quantidade de motoboys enfileirados em grandes vias.
Mas a capital paulista tem 7 motos por 100 habitantes, contra mais de 26 por 100 habitantes em Ji-Paraná, segundo município mais populoso de Rondônia -onde os ônibus urbanos não chegam a 30, contra 200 mototáxis.
Em Tefé (AM), a quantidade de motos -4.464- equivale a nove vezes a de carros.
Não é à toa: sem estradas, seus acessos são feitos por barco ou avião. "É uma emoção viver nesta cidade, com tantas motos", diz a bióloga Lorena Andrade, em referência ao zigue-zague num lugar onde semáforos e faixas de pedestres são escassos.
Colaborou EDUARDO GERAQUE
São Caetano ainda é a "terra do carro"
Renda da população e cultura da indústria automobilística da cidade do Grande ABC ajudam a explicar fenômeno
Se as crianças e os idosos forem retirados do cálculo, município tem praticamente um veículo por habitante
DE SÃO PAULO
Não é de hoje que São Caetano do Sul, no ABC paulista, é considerada a "terra do automóvel". Ela se mantém há anos no topo do ranking de veículos ou de carro por habitante, dentre os municípios médios ou grandes do país.
A cidade tem 75 veículos -ou 57 carros- por 100 moradores. Se descontar as crianças e os idosos, fica praticamente um para cada.
A primeira explicação está ligada à renda da população de São Caetano do Sul, que costuma permanecer sempre entre as líderes no país.
O fator "município rico" se junta à condição de totalmente urbanizado e à cultura da indústria automobilística enraizada na história local.
"A General Motors está aqui. É difícil passar um mês sem fazer um "feirão" de vendas", diz Marcelo Ferreira de Souza, secretário de Mobilidade Urbana da prefeitura.
O curioso é que, mesmo com tantos veículos, os congestionamentos no município não se equiparam aos da capital -apesar de queixas de lentidão na av. Goiás.
Isso porque ela tem um pouco de cidade-dormitório. Muita gente mora lá, mas trabalha e utiliza seu carro diariamente em São Paulo.
E os acessos de entrada e saída não são poucos nem pequenos -da rodovia Anchieta à av. dos Estados.
DESENVOLVIDOS
São Caetano é líder, mas não a única no país com taxas de motorização semelhante à de países desenvolvidos, como nos EUA e em boa parte da Europa.
O país tem uma lista de 418 municípios com mais de 50 veículos por 100 habitantes -a maioria no Sul e Sudeste.
É como se 7% do país tivesse, em quantidade, uma frota igual à do primeiro mundo.
Só que com a desvantagem do transporte coletivo deficiente e malha viária restrita. Os resultados inevitáveis são os engarrafamentos, bem como avanço de motos, que não são disseminadas na maioria dos países ricos.
Na capital paulista, a média é de 57 veículos (ou 41 carros) por 100 moradores.
O mapeamento da Folha utilizou registros da frota do Denatran e dados de população estimados pelo IBGE.
Os primeiros podem ter imprecisões pelo fato, por exemplo, de não incluir veículos com as antigas placas amarelas, sem que tivessem se regularizado desde então. A quantidade em circulação, porém, é muito pequena.
(ALENCAR IZIDORO)
Municípios têm mais veículos que habitantes
Santa Bárbara do Monte Verde tem 187 veículos para cada cem pessoas
Proximidade com o Estado do RJ, onde IPVA é mais caro, favorece registro nessa e em outras duas cidades
JOÃO PAULO GONDIM
DE SÃO PAULO
Santa Bárbara do Monte Verde, na Zona da Mata mineira, tem apenas quatro avenidas, uma delas sem asfalto, e 5.603 veículos -quase dois, na média, para cada um de seus 2.999 habitantes.
A cidade, a 319 km de Belo Horizonte, tem a maior proporção de veículos por habitantes do Brasil: são 187 para cada cem pessoas.
Está no bolso a explicação para Santa Bárbara do Monte Verde, que não tem nenhuma concessionária de automóveis e ficou três anos sem posto de gasolina -até um ser reinaugurado há quatro meses-, liderar o ranking.
O IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores) cobrado em Minas é mais barato que no Estado do Rio, logo ao lado.
De acordo com a tabela da Secretaria da Fazenda de Minas Gerais, a alíquota do imposto para "automóveis de uso misto com autorização para transporte público", como táxi ou escolar, é de 2%. No Rio, a alíquota é de 4%.
A Folha apurou que a diferença de valores é aproveitada por empresas frotistas, que, apesar de sediadas no Rio, como nas cidades vizinhas de Rio das Flores e Valença, registram seus carros em municípios mineiros.
Além disso, em MG as taxas de primeira licença e primeiro emplacamento são mais baratas que as do Rio.
"Já teve gente que pagou R$ 350 só para emplacar seu primeiro carro no Rio. Aqui, não cobramos nada", afirmou o delegado Alexandre Pereira, diretor do Ciretran (Circunscrição Regional de Trânsito) de Rio Preto (MG), cidade vizinha de Santa Bárbara do Monte Verde.
O município -que também não tem concessionária, mas registra 7.630 veículos e 5.631 moradores- é o segundo na média de veículos por 100 habitantes (135).
"Meus tios moram no Rio de Janeiro, mas emplacaram o carro em Santa Bárbara [do Monte Verde]. Sai mais barato ter o registro do carro aqui", afirmou a enfermeira Angélica Lourenço, 25.
Metade dos recursos do IPVA amealhados pelo Estado vai para o município arrecadador. O prefeito de Santa Bárbara do Monte Verde, Fábio Nogueira (PSC), afirma não ver problemas em receber verbas que, em tese, deveriam ir para o Rio.
"Assumi o cargo em 1º de janeiro de 2009 e a situação já era assim. Não cabe a mim controlar", disse. Segundo o prefeito, o IPVA representa 10% da receita do município.
ESPÍRITO SANTO
Uma ponte de 60 metros separa Bom Jesus de Itabapoana (RJ) de Bom Jesus do Norte (ES). Com 9.672 habitantes e uma frota de 11.802 automóveis, a cidade capixaba, que não possui loja de venda de carros, é a terceira do país na média de veículo para cem habitantes (122).
Assim como nas duas primeiras colocadas, boa parte dos carros registrados lá pertence a fluminenses. A distorção, novamente, é explicada pela alíquota do IPVA: no Espírito Santo, 2% para carro de passeio ; no Rio, 4%.
Arapongas lidera em caminhões por morador
DE SÃO PAULO
O campeão na quantidade de caminhões por pessoa, dentre os municípios com mais de 100 mil habitantes, tem a explicação para esse resultado na ponta da língua.
"É a nossa indústria moveleira. Temos mais de 200 fábricas. E como é que vai transportar sofá?", pergunta Arnaldo Sebastião, major da divisão que cuida do trânsito em Arapongas, no Paraná, onde há quase três caminhões a cada 100 pessoas.
De lá saem móveis para as principais lojas do Brasil. Além de transportadores, autônomos fazem os serviços. Mas a prefeitura diz não haver transtornos porque eles ficam próximo de rodovias.
No interior paulista, Valinhos é a líder em ônibus -1,7 a cada 100 habitantes.
"Temos muitas empresas de fretamento que atendem toda a região metropoltana de Campinas", diz Ademir Bueno Martins, secretário de trânsito, citando ainda os ônibus para transportar pessoas que moram lá, mas trabalham na capital paulista.
Uso do automóvel é irracional, diz técnico
Para especialista, brasileiro tem imagem equivocada do "direito de ir" e vir do carro
DE SÃO PAULO
O problema não é ter muita gente com moto e carro, mas a utilização desses veículos de maneira irracional.
A avaliação é do engenheiro Cláudio de Senna Frederico, que já integrou um grupo de especialistas convidados pela UITP (associação internacional de transportes públicos) para traçar as diretrizes do setor para 2020.
"A Europa é bastante motorizada. Mas tem uso mais disciplinado. Aqui temos a imagem equivocada do "direito de ir" e vir de carro."
O ideal é que, mesmo tendo muitos veículos, a maioria da população não se locomova a todo momento com transporte individual -que polui mais, provoca mais acidentes e engarrafamentos.
O caminho, diz Federico, é a recuperação do sistema de ônibus (corredores exclusivos, melhoria da velocidade, tarifa mais barata) para que ele deixe de perder tanta gente para as motocicletas.
O segundo é a restrição à utilização de carros e motos -neste caso, com redução da velocidade, por exemplo.
Luiz Artur Cane, do Movimento Brasileiro de Motociclistas, diz que, para melhorar a segurança, a alternativa é difundir as motofaixas.
(ALENCAR IZIDORO)
Veja lista das 150 cidades com maior proporção de veículos por habitante
folha.com.br/ct768237