Ally e Ryan

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terça-feira, 6 de julho de 2010

Jairo Marque hoje no jornal Folha de São Paulo

JAIRO MARQUES

A loira do banheiro

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Funcionária de uma loja, ela se viu no direito de usar o único banheiro acessível porque ali não tinha fila
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DIA DESSES fiquei mais bravo do que cachorro de japonês com uma loira de cabelos sebosos em um shopping aqui de São Paulo.
Funcionária de uma loja, ela se viu no direito de usar o único banheiro acessível do andar com a justificativa de que "tinha pouco tempo de almoço" e ali não tinha fila. E mais, segundo ela, "não há lei" que a proíba de retocar a maquiagem no espaço reservado para deficientes e pessoas com mobilidade reduzida.
Reconheço que o banheiro acessível -aquele com o símbolo de uma cadeira de rodas na porta- disponha de vantagens que convidam para o uso os mortais comuns: é ligeiramente maior, tem aquelas barras de apoio, sem falar que é difícil faltar papel higiênico, uma vez que muita gente usa o local inadequadamente como depósito.
Acontece que essas "vantagens" estruturais têm razões práticas. O espaço mais generoso é porque não rola deixar a cadeira de rodas na porta, levantar e usar o WC.
Tem que entrar com quatro rodas mesmo. Para os cegos que arrastam cão-guia, também é preciso maior metragem, ou alguém consegue imaginar um cachorro naqueles cubículos junto com o dono? As barras de apoio servem para ajudar que os desequilibrados, como eu, consigam se transferir da cadeira e se manter firmes no trono.
Mas, voltando à loira do banheiro, tudo aconteceu quando eu esperava para usar a casinha, que ficou ocupada por cerca de 15 minutos por uma morena, também funcionária do shopping. Quando ela me viu na porta, batendo palmas, quis se transformar no Belchior e sumir. Ela me pediu desculpas, e bola para a frente. Antes disso, chegou a loira, ignorou a entrada do banheiro feminino e ficou do meu lado, esperando vaga no acessível.
"Moça, esse banheiro é reservado", quis eu alertar. "Eu sei, mas a lei obriga que haja o espaço acessível, e não que ele seja exclusivo para vocês", declarou a rábula com desdém. Naquele momento, como diz um amigo meu chamado Wadê, "eu pirei". Era só o que falta, ter de criar leis para que as pessoas sejam cidadãs, tenham bom senso, ajam com o mínimo de dignidade com o outro.
Existe uma lógica de os deficientes defenderem o uso exclusivo do banheiro acessível. Imagine você, depois daquela coxinha criminosa devorada no pé-sujo da esquina, procurando desesperadamente um lugar para se livrar do pesadelo. Para os "normais", um banheiro público oferece diversas opções de relaxamento com mais ou menos coliformes, mas oferece. Para cadeirantes, quando existe UM, já é um alívio, literalmente. Agora, se esse UM estiver ocupado por quem poderia usar outra casinha, é de chorar de tanga no meio da rua.
O banheiro exclusivo também é importante por uma razão de saúde. Pessoas que tiveram lesão medular -devido a um acidente, por exemplo- ficam mais suscetíveis a contrair infecções urinárias. Num ambiente com menos uso, o risco de contaminação pode ser menor. Sem falar dos cegos que, por motivos óbvios, se expõem menos num banheiro menos frequentado.
Entendo que não é preciso lei que regule o respeito às diferenças. Um bocadinho de informação e um pouco mais de compreensão talvez acabassem de vez com as assombrações e indignações por causa de banheiros.

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