Ally e Ryan

Ally e Ryan

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Cada um aprende de um jeito


Professores propõem a alunos de 1ª a 8ª série com deficiência as mesmas atividades planejadas para os demais

A lei é categórica: todas as crianças e jovens de 6 a 14 anos devem estar matriculados na rede regular de ensino, sem exceção. Entre os objetivos que se apresentam, está o de ensinar os conteúdos curriculares de uma forma que permita também aos que têm deficiência intelectual aprender. Para alcançá-lo, é necessário respeitar o ritmo e os limites de cada aluno e propor as mesmas atividades a toda a turma - incluindo os estudantes que têm deficiências como síndrome de Down, síndrome de Williams e autismo. Algumas estratégias utilizadas pela Escola Viva, em Cotia (SP), e pela EMEF Professor Francisco Weiler, em Morro Reuter (RS), permitem que essas crianças e jovens não freqüentem as aulas apenas como um passatempo ou uma atividade de recreação.
O conceito de inclusão deve estar contemplado no projeto pedagógico da escola. Atividades com esse propósito se encaixam no dia-a-dia dos professores e alunos (vejam amanhã alguns exemplos) e tendem a dar resultados a longo prazo. Na Escola Viva, por exemplo, todos os alunos com deficiência têm exatamente os mesmos materiais que os demais, garantindo que ninguém se sinta discriminado.

João Gabriel Uemura, 16 anos, é aluno da 8ª série e no começo do ano fez questão de que a mãe comprasse para ele cadernos para todas as disciplinas, mesmo não sabendo ler e escrever de forma convencional. Assim como os colegas, João colou nas capas imagens de seus heróis preferidos. Isso o faz se sentir parte do grupo.

O simples fato de ter o material já ensina. Certa vez, Diogo Mitsuro Nakagawa, 15 anos, aluno da 8ª série, disse a Rossana Ramos, diretora da escola: "Amanhã é sábado e eu vou passear com meu pai". A diretora perguntou como ele sabia que o dia seguinte seria um sábado. Ele respondeu: "Porque hoje teve apostila de Sociologia. Então hoje é sexta-feira". Segundo Rossana, ter um material que estabelece a rotina da escola deu a esse aluno a noção de tempo. "Essa foi a aprendizagem dele naquele momento."

Escrita própria

Outra preocupação constante dos professores é pedir que esses estudantes escrevam, não importa como ou o quê. Na Escola Viva acredita-se que todos podem avançar e cada progresso é percebido e comemorado. Apesar de também ter baixa visão, João usa todos os cadernos e não deixa de registrar uma lição sequer. Quando entrou na escola, há cinco anos, as páginas eram repletas de desenhos e rabiscos. Nesse tempo, ele aprendeu a escrever seu nome, percebeu que a escrita se faz da esquerda para a direita e passou a rabiscar no caderno pautado "minhoquinhas" (a chamada escrita social), que iam do começo ao fim da linha. Hoje, ele reconhece que os textos são compostos de muitas palavras. Por isso, ele dispõe diversas "minhoquinhas" na mesma linha. Para deixar o caderno organizado e bonito, João sempre coloca "título" e "data" nos trabalhos, com canetas de cores diferentes. "No caderno de Matemática, no entanto, ele só usa números", conta Rossana.

A proposta pedagógica leva em conta também as necessidades de adaptação dos alunos com deficiência a pessoas e ambientes novos. É comum essas crianças e jovens, assim que entram na escola regular, não quererem permanecer mais do que cinco minutos dentro da sala de aula, terem comportamento agressivo ou se refugiarem no isolamento. Quando chegou à adolescência, muitas vezes Davi Nascimento da Silva, hoje com 15 anos, aluno da 8ª série, não queria nem saber de entrar na classe. Não conversava, apenas passeava pelos corredores ou ficava sentado no parque, onde ele se sentia mais à vontade.

Em vez de insistir para que Davi permanecesse em sala, os professores levavam a turma para o parque e lá davam suas aulas. Isso ajudou muito o garoto a se aproximar do grupo. A equipe da escola se orgulha dos progressos do menino. Hoje ele conversa, brinca e joga bola com os colegas, participa de todas as aulas - do lado de dentro da sala - e respeita a rotina e as regras comuns a todos. "Nos dias em que o Davi está mais agitado, deixamos que ele saia um pouquinho da sala. Ele dá um passeio, volta e retoma as atividades", afirma a coordenadora, Daniela Jarandilha.

Na escola Professor Francisco Weiler, o cuidado com o outro faz parte da rotina da garotada. Nas salas em que há estudantes com deficiência, os professores organizam um rodízio para determinar quem vai auxiliar o colega a cada dia.

E essa mãozinha não se limita às tarefas de classe. O ajudante da vez acompanha o amigo na hora da merenda, escolhe um livro e conta a história para ele ou o ajuda a ir ao banheiro. "Eles se sentem importantes com essa atribuição e é esse sentimento que queremos despertar", afirma a diretora, Dayse Eckhard Ondan.

A participação da família

A aprendizagem sobre a importância da inclusão chega até os pais. "Eles aprovam a experiência diária dos filhos. Muitos contam que as crianças se tornam mais cooperativas", constata Dayse. A mudança de atitude é fruto de muita conversa e da parceria com as famílias. No início das aulas, os pais participam de uma reunião em que a equipe pedagógica explica os procedimentos da inclusão e qual o papel da garotada nessa área. Ao longo do ano, também assistem a quatro seminários, em que podem tirar dúvidas e sugerir temas de discussão.

Todas essas diretrizes fazem das duas escolas espaços abertos às diferenças. Nelas, as crianças com deficiência ganham muito, pois são estimuladas constantemente a avançar e as demais aprendem a respeitar os colegas. Os pais, que estudaram em escolas onde a convivência com as diferenças não fazia parte da proposta, têm a oportunidade de aprender junto com os filhos um comportamento solidário e cidadão.

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