Ally e Ryan

Ally e Ryan

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Amiotrofias Espinhais

Sequência do texto de ontem da dra. Ana Lúcia Langer:

Genética

Como é o mecanismo de herança nas AEPs ?

Embora existam formas raras de AEPs de herança ligada ao cromossomo X (que afetam só homens) ou de herança autossômica dominante, a grande maioria obedece a padrão de herança autossômica recessiva.

Uma doença autossômica recessiva requer a presença de 2 mutações para que apareça. Gene autossômico significa que ele não se localiza nos cromossomos sexuais, o X e o Y. A herança é recessiva quando necessita de 2 genes mutantes para levar à doença. Um gene recessivo pode permanecer oculto por várias gerações de uma família, até que algum membro dela tenha uma criança com alguém que também seja portador desta mutação. As pessoas com mutação de um gene para determinada enfermidade são chamadas de portadoras e elas estão protegidas contra esta enfermidade pela presença de um gene normal no outro cromossomo correspondente (há sempre um par de cromossomos, um de cada pai).

As doenças autossômicas recessivas afetam igualmente os dois sexos. Neste caso, os pais são portadores assintomáticos do gene e o risco de que seus outros filhos sejam afetados pela mesma doença é 25%.

Diagnóstico de AEP

É importante que todos os testes diagnósticos sejam conhecidos para que uma análise crítica a respeito de cada um possa ser feita.

A) Exame de DNA (Profa. Dra. Mayana Zatz)

A análise molecular do gene SMN tem se mostrado extremamente importante para confirmação do diagnóstico clínico e diagnóstico diferencial sem necessidade de outros exames mais invasivos ou doloridos como a biopsia muscular ou a eletromiografia .
OBS: As deleções genéticas podem ser detectadas em 98% dos casos

O que é o exame de DNA?

O exame de DNA é a análise de um gene específico dentro dos milhares que são responsáveis por nossas doenças genéticas.

O DNA é formado por este conjunto de genes. É o material genético que herdamos de nossos pais e que determinam todas as nossas características. Algumas, como os grupos sangüíneos ou a cor dos olhos, só dependem dos genes. Outras, dependem da interação entre os genes e o ambiente (ou outros fatores), em maior ou menor grau. É o caso dos genes que causam doenças genéticas.

Os nossos genes são seqüências (pedaços) de DNA que codificam proteínas essenciais para o funcionamento do nosso organismo. Se houver um defeito no DNA (uma mutação) a proteína correspondente também estará alterada (ausente ou defeituosa). O exame de DNA tem sido extremamente importante para confirmar o diagnóstico, em um número cada vez maior de doenças genéticas. No caso das AEPs ele tem sido extremamente útil porque como salientamos acima ele permite evitar outros exames dolorosos e as vezes pouco informativos. Portanto, em caso de suspeita, o primeiro exame a ser realizado é a análise do gene SMN em DNA extraído de amostra de sangue.

O diagnóstico correto e precoce é fundamental para o Aconselhamento Genético de casais em risco.

O que é o Aconselhamento Genético?

O Aconselhamento Genético (AG) envolve várias etapas, que são:
- Confirmar o diagnóstico.
- Determinar se existe risco de repetição daquela doença na futura prole (no caso de pais de afetados) ou para outros membros da família.
- Orientar os consulentes (pais do afetado ou outros membros da família).
É importante que se diga que apesar do nome Aconselhamento Genético, o geneticista nunca aconselha! Qualquer decisão reprodutiva é única e exclusivamente dos consulentes.
Uma vez confirmado o diagnóstico em uma criança, é importante saber se existe risco para futura prole do casal ou para outros parentes do afetado (irmãos, primos etc.) já que as AEPs geralmente obedecem a um padrão de herança autossômico recessivo.
- O diagnóstico pré-natal (DPN)
O DPN é feito através de um exame indolor, realizado entre 10-12 semanas de gestação. Para o estudo de DNA são coletadas amostras de vilosidades coriônicas, que tem a mesma constituição genética que o feto.
Quando o exame de DNA não é conclusivo para a elaboração diagnóstica, pode-se lançar mão de outros recursos:

B) Dosagem de enzimas séricas

A enzima mais comumente estudada é a CPK (creatino-fosfo-quinase). Na amiotrofia tipo 1 (Werdnig-Hoffman) esta enzima tende estar normal, mas moderada elevação pode ocorrer nas formas mais leves, principalmente o tipo 3.

C) Eletromiografia

Este teste mede a atividade elétrica do músculo. Pequenas agulhas são colocadas nos músculos dos pacientes, geralmente de pernas e braços, é passada uma corrente elétrica e seu padrão é, então, medido e analisado. A velocidade de condução nervosa pode ser medida, assim como a resposta do nervo a um estímulo elétrico.
A eletromiografia é um exame doloroso para os pacientes e hoje, com a análise do DNA, que detecta as possíveis deleções do cromossomo 5 na maior parte dos casos, através apenas de um simples exame de sangue, já não necessitaria ser solicitada de rotina.

D) Biópsia Muscular
Em alguns casos onde não se pode detectar a deleção do gene SMN há necessidade de se proceder outros métodos diagnósticos, entre eles, a biópsia muscular. A biópsia pode ser feita através de uma pequena incisão de 2 ou 3 cm ou, dependendo da experiência do serviço, por agulha.

Tratamento das Amiotrofias

Tratamento dietético

Pensar que as doenças neuromusculares referem-se a pacientes com alterações apenas em músculos ou nervos é uma simplificação grosseira que compromete o atendimento global destes portadores. Na verdade, a grande maioria destas doenças leva a alterações sistêmicas que necessitam ser conhecidas para que itens importantes da terapia sejam respeitados: a prevenção e o tratamento precoce.

Dentro deste contexto, uma das alterações metabólicas dos portadores de amiotrofia, até recentemente ignorada pela grande maioria, será descrita abaixo e propostas terapêuticas advindas desta alteração metabólica serão colocadas para discussão.

Nas amiotrofias ocorrem anormalidades na oxidação de ácidos graxos que ocorrem em mitocôndrias musculares. Existem, também, anormalidades no metabolismo da carnitina e uma falha no processo de regulação da insulina. Todos estes erros metabólicos contribuem para a piora da doença muscular e aceleram o processo degenerativo.

Algumas situações, entre elas o jejum prolongado, defeitos do transporte de ácidos graxos ou da beta-oxidação, levam à produção de um catabólito tóxico, o ácido dicarboxilico, pelo fígado e pelo rim. Um jejum prolongado, em pessoas normais, aumenta a produção de corpos cetônicos, decorrente da oxidação hepática de ácidos graxos. Nos pacientes com amiotrofia, principalmente em faixa etária pediátrica, esta cetose poderá não ocorrer devido ao aumento da gliconeogênese (formação de depósitos de glicogênio no fígado, uma fonte potencial de energia) a custa de massa muscular e pela baixa resposta à insulina.

Há um aumento dos níveis de ácido dicarboxílico em sangue e urina das crianças após uma noite de jejum prolongado e este aumento será função da severidade da doença.

No tipo 1 a tolerância ao jejum será pequena enquanto no tipo 3 as alterações apenas ocorrerão após jejum prolongado, doenças ou estresse psicológico e a produção do ac. dicarboxílico será pequena e metabolizável pelo fígado. Nos tipos mais graves, 1 e 2, a produção é alta, ultrapassa a capacidade hepática de metabolização, saturando, então, este órgão e o excesso do metabolito passa a ser detectado em sangue e urina.

As anormalidades do metabolismo de ácidos graxos aparentemente se resolvem espontaneamente com a idade, independente da severidade da doença.

As alterações como hipoglicemia precoce, perda renal seletiva de carnitina e vacuolização gordurosa das células hepáticas refletem alterações da fisiologia celular e estas alterações podem ser decorrentes de alterações do gene da SNM ou genes da vizinhança.

O comprometimento da deglutição e o prejuízo nutricional secundário podem levar à uma exacerbação súbita da doença muscular provavelmente decorrente do jejum celular, daí, a importância do correto monitoramento destas crianças.

Intervenção nutricional

As necessidades calóricas das crianças com doença neuromuscular oscilam entre 80 e 100 cal/kg; as crianças mais velhas também têm menores necessidades calóricas. A necessidade hídrica necessita ser cuidadosamente avaliada para a prevenção da desidratação, calculose urinária, obstipação intestinal. É freqüente a ingesta líquida ser insuficiente porque há diminuição da sede, dificuldade de obtenção de líquidos, de deglutição ou falha na comunicação.

Alguns objetivos na dieta das crianças com amiotrofia devem ser realçados:
a) Aumento de carboidratos complexos
b) Ingesta protéica de 2 gramas/kg/dia
c) Manter jejum máximo de 4 horas para crianças pequenas e 8 horas para as mais velhas
d) Um mínimo de 5% das calorias precisam vir da ácidos graxos essenciais

O uso de dietas elementares ou semi-elementares (pequenos polipeptídios) que se encontram em fórmulas como o Vivonex ou Tolerex (este último apenas nos EUA) podem facilitar a digestão e favorecer o melhor uso de nutrientes. Uma papa de carboidratos complexos (por exemplo, mingau de maisena), antes de dormir, pode ajudar na manutenção dos níveis glicêmicos.

A denervação pode levar à diminuição dos níveis musculares de carnitina, além de desencadear as alterações metabólicas dos ácidos graxos. Para minimizar os danos sugere-se suplementação de carnitina, riboflavina (vitamina B2), coenzima Q10, além de de glutamina e arginina. As fórmulas elementares, a glutamina, a arginina suprem com aminoácidos essenciais extras, favorecendo a retenção e a síntese protéica.

Há também evidências que há benefícios com suplementação de doses acima às recomendadas pela RDA de ácido fólico e vitamina B12.

O baixo conteúdo de gorduras das fórmulas acima deve ser complementado com a adição de algumas gramas de óleos como os de girassol ou prímula em água ou sucos de frutas.
As fórmulas acima devem ser palatáveis para pacientes sem gastrostomia. Esta alteração dietética melhora a utilização de substratos energéticos, diminui a dependência da oxidação de ácidos graxos e a formação de ácidos dicarboxílicos. Há manutenção da glicemia e normalização das enzimas hepáticas. As crianças gastrostomizadas não recebem proteínas provenientes de ovo, carne, soja e outros grãos visto que estes produtos levam ao aumento e espessamento das secreções, e pioram a obstipação. Alguns autores relatam significante melhora da força e função em crianças tratadas desta maneira. Deve-se ter cautela com dietas empíricas pois o estoque protéico de proteínas no músculo é pequeno e o aumento do nitrogênio sangüíneo secundário ao uso da proteína como fonte de energia poderá ser deletério.

A creatina, sob a forma de monoidrato, deverá ser suplementada visto haver evidências de seu efeito benéfico nas crianças com amiotrofia. Recentemente o butirato de sódio tem sido introduzido na dieta das crianças, com efeitos benéficos.

Conforme exposto acima, a manutenção de níveis glicêmicos é crucial para estes pacientes e nas fases de doença complicada ou avançada, ou de quadros de disfagia instalados, o jejum e a subnutrição deveriam ser evitados a qualquer custo. Geralmente todas as crianças tipo 1 e boa parte das crianças tipo 2 são gastrostomizadas antes dos 2 anos de idade e esta pode ser uma conduta importante para se evitar a deterioração nutricional e piora da doença como um todo.
Inicialmente as crianças tipo 1 recebem 80 a 90 cal/kg/24horas, 60 a 90 ml por hora pela gastrostomia. As crianças de 2-3 anos recebem 60-70 cal/kg/dia em bolus.

Tratamento físico

É importante salientar que embora ainda não exista cura, muitos tratamentos podem melhorar a qualidade e a expectativa de vida, tais como a fisioterapia e a ventilação assistida.

O uso de órteses para prevenção de contraturas, tanto para membros inferiores como superiores, colete para tentar evitar a progressão da escoliose são algumas medidas que podem ser tomadas. No caso das contraturas estarem estabelecidas, cirurgia de alongamentos de quadril, tendão de Aquiles, fixação da coluna vertebral, devem ser discutidas.

O suporte ventilatório geralmente é necessário logo nos primeiros meses no caso dos pacientes tipo 1, durante a primeira infância no caso das crianças tipo 2 e na fase adulta, geralmente após os 40 anos, no terceiro tipo. Normalmente dá-se preferência para assistência ventilatória do tipo não invasiva, exceto no tipo 1, onde a grande maioria dos serviços opta por traqueostomia. O serviço do Dr. J.Bach, EUA, com a dieta apropriada, tem conseguido retardar a ventilação no tipo 1 e, havendo a necessidade, ela tem sido instalada de forma não invasiva.
Os objetivos a serem almejados no seguimento ventilatório do paciente são:

- Manutenção da complacência pulmonar
Para a prevenção de contraturas da caixa torácica, preservação de sua amplitude de movimentos e diminuição das restrições pulmonares há necessidade de exercícios regulares de “air-stacking” (em português significando empilhamento de ar, são insuflações que são adicionadas aos pulmões de forma a expandi-los até sua capacidade máxima. Podem ser feitos através de ambu ou respiração glossofaríngea).

- Auxílio à musculatura expiratória
O auxílio à tosse é indicado quando o paciente não atinge o fluxo mínimo de tosse: 160 l/min ou 2,7 l/seg.
Há 2 tipos de ajuda:
1- Auxílio manual
- Através de air-stacking.
- Através da pressão abdominal
2- Auxílio mecânico
- O auxílio mecânico à tosse envolve aparelhagem (Por exemplo, Emerson in-exsufflator) que promove uma insuflação profunda (cerca de 30 a 50 cm de água) seguida de uma exsuflação com uma pressão negativa da mesma monta. Ciclos de insuflação e exsuflação podem ser repetidos até o clearance completo das secreções e retorno da saturação de oxigênio até os níveis normais.

- Auxílio à musculatura inspiratória
Realizado através de suporte ventilatório. A ventilação não invasiva inicialmente pode ser necessária apenas nos episódios gripais. Com o evoluir da fraqueza da musculatura respiratória, seu uso passa a ser necessário no período noturno e, progressivamente, o número de horas vai aumentando até atingir as 24 horas do dia.
As indicações para o uso de ventilação não invasiva, segundo consenso internacional de 1999, são as seguintes:
1) Sintomas como fadiga muscular respiratória, dispnéia, cefaléia matinal.
2) Critérios fisiológicos:
a. PaCO2 > ou = 45mmHg
b. Oximetria noturna demonstrando saturação de oxigênio < ou = 88% por 5 minutos consecutivos
c. Pressão Inspiratória Máxima < 60 cmH20
d. Capacidade Vital Forçada < 50% do predito
Obs: segundo a Muscular Dystrophy Association o valor de CVF < ou = 40% do valor predito indica auxílio ventilatório noturno. Aos 30%, a indicação é de ventilação por 24 horas.

Alguns aspectos importantes no seguimento clínico dos pacientes

Deve-se salientar que em todas as doenças neuromusculares, o acometimento de músculos e nervos geralmente é parte de um contexto onde toda a economia do corpo pode ser afetada. Neste sentido, recomendamos vigilância nos seguintes setores:

a) Vacinal
Vacinas, principalmente contra a gripe (fluarix, vaxgripe), dadas anualmente, e pneumonias (prevenar para crianças até 2 anos e pneumo 23 para maiores de 2 anos), são vitais para evitar potenciais complicações.

b) Respiratório
Conforme visto acima, monitoramento periódico através de espirometrias, oximetrias (diurna e noturna), capnografia, medida de fluxo de tosse.

c) Cardíaco
Alterações no ritmo cardíaco como taquicardia e bradicardia podem ser observados nos casos mais severos (tipos 1 e 2); hiperexcitabilidade atrial com bloqueio átrio-ventricular foi descrito em 8 pacientes tipo 3. Há relatos, também, de cardiomiopatia dilatada. Portanto, a monitorização do paciente através de eletrocardiograma, ecocardiograma e, eventualmente, holter (eletrocardiograma nas 24 horas), está indicada.

d) Osteoporose
A imobilidade, aliada à baixa exposição à radiação solar e à baixa ingesta de cálcio e vitamina D contribuem para a perda de massa óssea e a possibilidade de fraturas patológicas. A monitorização através de densitometrias ósseas e a suplementação com cálcio e vitamina D são medidas importantes para prevenção. No caso da doença já estar instalada, o uso de drogas da classe dos bifosfonatos (alendronato, risedronato, pamidronato) estaria indicado.

e) Aparelho urinário
Incontinência urinária pode ocorrer em alguns casos devido à fraqueza de músculos responsáveis pela contração da uretra. A baixa ingesta hídrica pode propiciar, também, a formação de litíase (calculose) urinária.
A presença de resíduos urinários conseqüentes da fraqueza da musculatura abdominal, sondagens vesicais, litíases, são fatores que favorecem à infecção do trato urinário.
Portanto, dentre os exames de “rotina”, principalmente nas crianças de tipo mais grave, exames de urina e ultra-sons devem estar incluídos na propedêutica de exames subsidiários.

f) Aparelho digestório
Neste setor, várias doenças devem ser monitorizadas:
- obstipação intestinal
- disfagia e incordenação da deglutição
- refluxo gastroesofágico

Obstipação intestinal

Extremamente frequente pela falta de prensa abdominal, baixa ingesta de fibras, pequena quantidade de alimentos ingeridos e, principalmente, pela hipomotilidade intestinal. Deve ser tratada com laxantes não irritantes, fibras.

Disfagia e incoordenação da deglutição

Disfagia é a interrupção ou prejuízo de qualquer estágio do processo da deglutição.
Todas as fases da deglutição podem estar afetadas em pessoas com doença neuromuscular. Na fase de lactente poderá haver dificuldades na sucção do leite e na sua caminhada até a faringe, enquanto que em fases mais tardias estas dificuldades estarão na formação do bolo alimentar e na sua impulsão adiante.

Os problemas ocorrem tanto pelo envolvimento muscular como por anormalidades em ossos e articulações. Inicialmente, o problema pode resumir-se na mastigação e dificuldade de abertura da boca; a má oclusão dentária é freqüente na infância. Alterações na musculatura labial e língua podem também ser importantes.

No nível faríngeo, a doença muscular traz problemas para empurrar o bolo alimentar para o esôfago. Algumas partículas alimentares podem, então, alojarem-se nas reentrâncias da laringe e, posteriormente, caírem para a via aérea.

Os portadores devem ser avaliados clinicamente, onde necessitam ser vistas a cavidade oral no tocante à presença de cáries, gengivites, úlceras e tamanho da língua. As musculaturas da mandíbula, boca e lábios são avaliadas individualmente. O anasalamento da voz e a perda de ar pelo nariz indica a falência do controle do pálato mole. Deformidades ósseas, movimento mandibular, oclusão dentária, poder de fechamento dos lábios devem ser examinados.

O espessamento salivar pode estar presente em decorrência de uma evaporação maior através de uma boca aberta. A estabilidade do pescoço e sua mobilidade, principalmente flexão e extensão, devem ser avaliadas. Os movimentos repetidos de flexão e extensão do pescoço podem ocorrer como auxílio para a propulsão do alimento até a retrofaringe.

Algumas questões devem ser levantadas para avaliação dos estágios seguintes da deglutição, entre elas, a necessidade de ingesta de líquidos acompanhando a alimentação. A presença freqüente de secreções pulmonares pode ser indício de aspiração. Outros sintomas também sugerem este quadro: tosse, dificuldade de “limpar” a faringe, fala nasal, alteração do timbre da voz após a deglutição, episódios súbitos de alterações respiratórias, pneumonias de repetição. A aspiração de líquidos pode ocorrer de forma silenciosa, sem tosse ou outro sintoma.
Quando o portador é traqueostomizado alguns testes com corantes podem ser feitos. Por exemplo: ingesta de água com azul de metileno e pesquisa subseqüente em aspirado pulmonar.
Finalmente, deve ser enfatizado que a perda de peso pode ser um dos primeiros sinais de um problema de deglutição.

Do ponto de vista propedêutico armado, alguns exames podem ser solicitados:

1-Videofluoroscopia ou videodeglutograma
É o exame mais completo para o estudo da deglutição. Consiste essencialmente em uma monitorização contínua, através de raio X contrastado por bário ingerido, do processo da deglutição.

2-Fibroscopia
Este exame consiste em uma câmera fina que é introduzida pelo nariz e possibilita algumas informações tais como fechamento da glote durante a deglutição, mobilidade das cordas vocais, presença de secreção, restos alimentares.

Tratamento da disfagia

Disfagia leve
Os alimentos devem variar bastante tanto em sabor como em odor. Alimentos tipo “fast food” devem ser evitados, assim como alimentos muito secos e refeições volumosas. O ideal é que os portadores troquem 3 grandes refeições por 6 menores.
Uma grande refeição poderia levar à fadiga e à distensão abdominal. Neste último caso haveria dificuldade no esvaziamento gástrico e, também, poderia haver uma piora das condições ventilatórias.

Exercícios da musculatura oral, posicionamento de cabeça e tronco são importantes. A posição ideal para alimentação é sentada e com a cabeça fletida 30 a 40 graus.

Disfagia moderada

Líquidos com consistência grossa podem beneficiar aqueles que aspiram líquidos mais ralos e, assim, o portador pode manter ingesta calórica adequada.

Antes da alimentação a saliva da garganta necessita ser limpa. Suco de mamão ou chá quente poderiam ser usados para diminuição do espessamento da saliva.

Durante a alimentação, o tronco e a cabeça necessitam ser seguros para limitar a extensão do pescoço. Repetidas flexões e extensões do pescoço podem ajudar no reflexo da deglutição.
Aparelhos simples ou robôs de apoio aos membros superiores podem ajudar por trazerem independência ao doente neuromuscular.

A insuficiência ventilatória deve ser tratada porque a fadiga leva a um aumento de dificuldade de deglutição. A perda de peso é um dos sintomas da falência ventilatória e sua estabilização ou aumento significam que os cuidados de ventilação estão adequados.

No caso dos indivíduos traqueostomizados há prejuízo na rotação do pescoço e na deglutição e aumentam as chances de aspiração. O tubo de traqueostomia também pode comprimir o esôfago, contribuindo para a piora do quadro de disfagia.

Disfagia severa e aspiração

Nos casos graves de disfagia, com alterações severas da musculatura da face a boca torna-se seca durante a noite por permanecer aberta neste período ou pela medicação em uso. Pode-se borrifá-la ou lavá-la com água morna ou usar “swabs de limão glicerinado”. As secreções da parte posterior da cavidade oral devem ser removidas com os dedos.

Existem medicações que diminuem a salivação e que, eventualmente, poderiam ser usadas para momentos de piora com aspiração e na “babação”. Entre elas podemos citar amitriptilina, nortriptilina, imipramina, metanteline, trihexyphenidyl; uma colher de sopa de suco de limão em 60 ml de água pode ser usada. Os antidepressivos, de uma forma geral, pioram a obstipação. Os narcóticos, por outro lado, devem ser evitados porque podem piorar a subventilação.

A produção salivar pode ser reduzida seccionando-se cirurgicamente os nervos que inervam as glândulas salivares, porém este procedimento freqüentemente necessita ser repetido devido ao crescimento nervoso.

Outro procedimento cirúrgico a ser considerado em alguns casos é a miotomia cricofaríngea, isto é, um corte em um dos músculos da faringe, o que promoveria seu relaxamento e melhoraria a passagem para o esôfago.

Considera-se uma disfunção bulbar severa quando só é possível a passagem de líquidos espessos. Aspirações freqüentes, quedas da saturação durante a deglutição, perda de peso, levam à indicação de alimentação por gastrostomia.

A dieta pela gastrostomia é geralmente necessária nas amiotrofias tipo 1 logo nos primeiros meses de vida. No tipo 2 a freqüência de indicação nos primeiros 2 anos de vida também é importante. A cirurgia anti-refluxo (Nissen) deve ser considerada ao se indicar a gastrostomia.
O uso do tubo de gastrostomia não elimina a alimentação oral caso os pacientes mantenham alguma capacidade de deglutição.

Refluxo gastroesofágico

O RGE em pacientes neuromusculares decorre da fraqueza diafragmática e, com freqüência, é o responsável, por broncoaspirações e pneumonias. Os sintomas mais freqüentes são queimação retroesternal, tosse, dor torácica, broncoespasmo, náusea, regurgitação, vômitos, perda de peso, baixa estatura.
O diagnóstico pode ser feito através da monitorização do pH esofágico, além de raio X contratastado de esôfago, estômago e duodeno e cintilografia pulmonar.
O tratamento pode ser:
a) Clínico - através de posicionamento (elevação de decúbito), espessamento de fluidos, fracionamento da dieta, medicações como bromoprida ou cisaprida e protetores de mucosa como ranitidina ou inibidores da bomba de prótons.
b) Cirúrgico - através da fundoplicatura da parede do estômago em torno do esfíncter inferior do esôfago (cirurgia de Nissen).

Tratamento medicamentoso

A maioria das drogas testadas para tratamento de amiotrofias tentam aumentar a eficiência do gene SMN2. Abaixo citaremos as principais com um breve comentário a respeito.

Butirato de sódio

Em 2001 pesquisadores chineses relataram que o butirato de sódio aumentava o SMN RNAm e a proteína SMN de algumas linhagens celulares de células linfóides de portadores de amiotrofia. In vivo, o tratamento de camundongos modelo de amiotrofia resultou na expressão da proteína SMN de neurônios motores da medula espinhal e isto se traduziu por uma significativa melhora clínica dos sintomas.
O butirato de sódio foi testado em humanos para doença de Crohn, talassemia e certos tipos de câncer. A metabolização do butirato de sódio é extremamente rápida, o que pode ser um problema para seu uso por via oral: altas doses deveriam ser dadas para manutenção de um nível sérico adequado.
http://www.pnas.org/cgi/content/full/98/17/9808?maxtoshow=
Há relatos isolados de pacientes e poucos grupos americanos que falam em melhora importante com a droga.

Fenilbutirato

O fenilbutirato é um pequeno ácido graxo que teve sua ação testada em pacientes com amiotrofia, uma vez que in vitro já era conhecida sua ação de aumentar a expressão do gene SMN2. A preferência pelo fenilbutirato decorre de sua meia vida mais longa, quando comparada com a do butirato de sódio e , também, por sua melhor tolerabilidade.
O estudo in vivo confirmou uma melhora motora nas crianças tratadas, uma melhora também no desempenho de atividades diárias, sem efeitos adversos significantes.
http://www.fsma.org/brahe2003.shtml
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi? cmd=Retrieve&db=PubMed&list_uids=14733959&dopt=Abstract

Ácido Valpróico

O ácido valpróico é uma importante droga que atua no gene SMN2 e ativa a transcrição do SMN2 em doses relativamente baixas, fato observado em culturas de fibroblastos de portadores, tratadas com ácido valpróico.


A droga tem a vantagem de ser conhecida por ser usada em tratamento de epilepsia, enxaquecas e bem tolerada pela maioria das pessoas, embora em alguns raros casos possa levar a danos em fígado, pâncreas e coagulação sangüínea.

Investigadores escolheram o ácido valpróico porque ele pertence a uma classe de drogas conhecidas como inibidoras de histona deacetilase, que têm atividade sobre certos genes do corpo. Alguns estudos já haviam demonstrado que o butirato de sódio poderia aumentar os níveis da proteína SMN, produzida pelo gene SMN2. Entretanto, o butirato de sódio é rapidamente eliminado do corpo, o que não o torna próprio para o uso humano. Por outro lado, o ac. valpróico é geralmente bem tolerado.

Dois trabalhos recentes demonstram seu efeito potencial em culturas de células. Um estudo clínico está sendo desenvolvido.
"Valproic acid increases SMN levels in spinal muscular atrophy patient cells." ,
"Valproic acid increases the SMN2 protein level: a well-known drug as a potential therapy for spinal muscular atrophy."

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