Ally e Ryan

Ally e Ryan

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

do livro: História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil


O livro citado é muito interessante e, para quem participou ativamente dos movimentos nos faz viajar no tempo e lembrar dos momentos... Vou colocar aqui a partir de hoje alguns trechos da obra que julgo fundamental para se entender o atual estágio:

DEFICIÊNCIA

O modelo social defendido pelo Movimento das Pessoas com Deficiência é o grande avanço das últimas décadas. Nele, a interação entre a deficiência e o modo como a sociedade está organizada é que condiciona a funcionalidade, as dificuldades, as limitações e a exclusão das pessoas. A sociedade cria barreiras com relação a atitudes (medo, desconhecimento, falta de expectativas, estigma, preconceito), ao meio ambiente (inacessibilidade física) e institucionais (discriminações de caráter legal) que impedem a plena participação das pessoas.

Palavras e significados

Falar ultrapassa a simples exteriorização de pensamentos ou a descrição de aspectos de dada realidade. Quem fala de algum lugar, parte de alguma premissa. As palavras usadas para nomear as pessoas com deficiência comportam uma visão valorativa que traduz as percepções da época em que foram cunhadas.

Para os novos movimentos sociais e suas políticas de identidade, as palavras são instrumentos importantes de luta política. A busca por novas denominações reflete a intenção de rompimento com as premissas de menos-valia que até então embasavam a visão sobre a deficiência.

Termos genéricos como “inválidos”, “incapazes”, “aleijados” e “defeituosos” foram amplamente utilizados e difundidos até meados do século XX, indicando a percepção dessas pessoas como um fardo social, inútil e sem valor.

Ao se organizarem como movimento social, as pessoas com deficiência buscaram novas denominações que pudessem romper com essa imagem negativa que as excluía. O primeiro passo nessa direção foi a expressão “pessoas deficientes”, que o movimento usou quando da sua organização no final da década de 1970 e início da década de 1980, por influência do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD). A inclusão do substantivo “pessoa” era uma forma de evitar a coisificação, se contrapondo à inferiorização e desvalorização associada aos termos pejorativos usados até então.

Posteriormente, foi incorporada a expressão “pessoas portadoras de deficiência”, com o objetivo de identificar a deficiência como um detalhe da pessoa. A expressão foi adotada na Constituição Federal de 1988 e nas estaduais, bem como em todas as leis e políticas pertinentes ao campo das deficiências. Conselhos, coordenadorias e associações passaram a incluí-la em seus documentos oficiais. Eufemismos foram adotados, tais como “pessoas com necessidades especiais” e “portadores de necessidades especiais”. A crítica do movimento a esses eufemismos se deve ao fato de o adjetivo “especial” criar uma categoria que não combina com a luta por inclusão e por equiparação de direitos. Para o movimento, com a luta política não se busca ser “especial”, mas, sim, ser cidadão. A condição de “portador” passou a ser questionada pelo movimento por transmitir a ideia de a deficiência ser algo que se porta e, portanto, não faz parte da pessoa. Além disso, enfatiza a deficiência em detrimento do ser humano.

“Pessoa com deficiência” passou a ser a expressão adotada contemporaneamente para designar esse grupo social. Em oposição à expressão “pessoa portadora”, “pessoa com deficiência” demonstra que a deficiência faz parte do corpo e, principalmente, humaniza a denominação.
Ser “pessoa com deficiência” é, antes de tudo, ser pessoa humana. É também uma tentativa de diminuir o estigma causado pela deficiência. A expressão foi consagrada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2006. Não raramente, o termo “excepcional” e a expressão “deficiente físico” são usados, erroneamente, para designar todo o coletivo das pessoas com deficiência. Esses equívocos são mais comuns na grande mídia.

As principais iniciativas para atender a deficiência intelectual desse período foram dos
movimentos pestalozziano e apaeano. Até a metade do século XIX, a deficiência Intelectual era considerada uma forma de loucura e era tratada em hospícios. Durante a República, iniciaram-se as investigações sobre a etiologia da deficiência intelectual, sendo que os primeiros estudos realizados no Brasil datam do começo do século XX.

A deficiência intelectual, à época denominada “idiotia”, passou a ser tratada na perspectiva educacional com tratamento diferenciado em relação aos hospícios do século XIX. Ao longo do tempo, a pessoa com deficiência intelectual já foi denominada de oligofrênica, cretina, imbecil, idiota, débil mental, mongolóide, retardada, excepcional e deficiente mental. A expressão “deficiência intelectual” significa que há um déficit no funcionamento do intelecto, mas não da mente.

A expressão “deficiência intelectual” foi introduzida oficialmente em 1995, pela ONU, e consagrada, em 2004, no texto da “Declaração de Montreal Sobre Deficiência Intelectual”.

Tanto os institutos do Império, voltados para a educação de cegos e surdos, quanto as organizações surgidas na República, direcionadas às pessoas com deficiência intelectual e à reabilitação, embora não tivessem nenhum cunho político claramente
definido, propiciaram, mesmo que para poucos, espaços de convívio com seus pares e discussão de questões comuns. Nesse sentido, contribuíram para forjar uma identidade das pessoas com deficiência.

Foram precursoras, naquele momento, da formulação do ser cego, surdo, deficiente intelectual e deficiente físico não apenas na denominação, mas em sua identificação como grupo social.

Todas as iniciativas, desde o Império até a década de 1970, são parte de uma história na qual as pessoas com deficiência ainda não tinham autonomia para decidir o que fazer da própria vida.

Todavia, entre as pessoas com deficiência, esse foi um período de gestação da necessidade de organização de movimentos afirmativos dispostos a lutar por seus direitos humanos e autonomia, dentre os quais se destaca a capacidade de decidirem sobre a própria vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário