Autora - Maria Terezinha da Consolação Teixeira dos Santos
A constatação de que a realidade escolar é dinâmica e depende de todos dá força e sentido à elaboração do PPP, entendido não apenas como um mero documento exigido pela burocracia e administração escolar, mas como registro de significados a serem outorgados ao processo de ensino e de aprendizagem, que demanda tomada de decisões e acompanhamento de ações consequentes.
O PPP não pode ser um documento paralelo que não diz respeito, que não atravessa o cotidiano escolar e fica restrito à categoria de um arquivo ou de uma alegoria, de caráter residual. Ele altera a estrutura escolar e escrevê-lo e arquivá-lo nos registros da escola só serve para acomodar a consciência dos que não têm um verdadeiro compromisso com uma escola de todos, por todos e para todos.
Nossa legislação educacional é clara no que toca à exigência de a escola ter o seu PPP; ela não pode se furtar ao compromisso assumido com a sociedade de formação e de desenvolvimento do processo de educação, devidamente planejado.
A exigência legal do PPP está expressa na LDBEN - Lei Nº. 9.394/96 que, em seu artigo 12, define, entre as atribuições de uma escola, a tarefa de "[...] elaborar e executar sua proposta pedagógica", deixando claro que ela precisa fundamentalmente saber o que quer e colocar em execução esse querer, não ficando apenas nas promessas ou nas intenções expostas no papel.
Ao sistematizar estas escolhas e decisões, o PPP, a partir de um estudo da demanda da realidade escolar cria as condições necessárias para a elaboração do planejamento e o desenvolvimento do trabalho da sua equipe e da avaliação processual das etapas e metas propostas.
Para Gadotti e Romão (1997), o Projeto Político Pedagógico deve ser entendido como um horizonte de possibilidades para a escola. O Projeto imprime uma direção nos caminhos a serem percorridos pela escola. Ele se propõe a responder a um feixe de indagações de seus membros, tais como: qual educação se quer e qual tipo de cidadão se deseja, para qual projeto de sociedade? O PPP propõe uma organização que se funda no entendimento compartilhado dos professores, alunos e demais interessados em educação.
Todas as intenções da escola, reunidas no Projeto Político Pedagógico, conferem-lhe o caráter POLÍTICO, porque ele representa a escolha de prioridades de cidadania em função das demandas sociais. O PPP ganha status PEDAGÓGICO ao organizar e sistematizar essas intenções em ações educativas alinhadas com as prioridades estabelecidas.
O caráter coletivo e a necessidade de participação de todos é inerente ao PPP, pois ele não se resume a um mero plano ou projeto burocrático, que cumpre as exigências da lei ou do sistema de ensino. Trata-se de um documento norteador das ações da escola que, ao mesmo tempo, oportuniza um exercício reflexivo do processo para tomada de decisões no seu âmbito.
O professor, portanto, ao contribuir para a elaboração do PPP, bem como ao participar de sua execução no cotidiano da escola, tem a oportunidade de exercitar um ensino democrático, necessário para garantir acesso e permanência dos alunos nas escolas e para assegurar a inclusão, o ensino de qualidade e a consideração das diferenças dos alunos nas salas de aula. Exercer esse papel como um dos mentores do PPP não é uma obrigação formal, mas o resultado de um envolvimento pessoal do professor. Nesse sentido, vem antes a sua disposição de participar, porque contribuir é reconhecer a importância de sua colaboração para que o projeto se execute.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 206, explicita, como um dos princípios para a educação no Brasil, "[...] a gestão democrática do ensino público". Essa preocupação é reiterada na LDBEN (Lei nº 9394/96), no artigo 3º, ao assinalar que a gestão democrática, além de estar em conformidade com a Lei, deve estar consoante à legislação dos sistemas de ensino, pois como Lei que detalha a educação nacional, acrescenta a característica das variações dos sistemas nas esferas federal, estadual e municipal. Ainda nesse detalhamento, a LDBEN avança, no seu artigo 14, afirmando que:
[...] Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
Nos textos legais, fica clara a ênfase dada ao Projeto Político Pedagógico de cada escola, bem como a reiteração de que a proposta seja construída e administrada à luz de uma gestão democrática.
Outra legislação que vem corroborar nesse sentido é o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei Nº. 8.069/90), que, no seu artigo 53, enfatiza os objetivos da educação nacional, repetindo os princípios constitucionais e os da LDBEN, mas deixando claro em seu parágrafo único que "[...] é direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais". Evidencia-se na legislação o caráter da comunidade escolar participativa e ampliada para além dos muros escolares, com compromisso conjunto nos rumos da educação dos cidadãos. A gestão democrática ampliada nos contornos da comunidade ganha, por meio do texto legal, condições de ser exercida com autonomia.
Embora a escola não seja independente de seu sistema de ensino, ela pode se articular e interagir com autonomia como parte desse sistema que a sustenta, tomando decisões próprias relativas às particularidades de seu estabelecimento de ensino e da sua comunidade.
Entretanto, mesmo outorgada por lei, a autonomia escolar é construída aos poucos e cotidianamente. Do ponto de vista cultural e educacional, encontram-se poucas experiências de construção da autonomia e do cultivo de hábitos democráticos.
A democracia, freqüentemente proclamada, mas nem sempre vivenciada nas redes de ensino, tem no PPP a oportunidade de ser exercida, e essa oportunidade não pode ser perdida, para que consiga espalhar-se por toda a instituição. Gadotti e Romão (1997) manifestam suas posições sobre a construção da democracia na escola e afirmam que esse tipo de gestão constitui um passo relevante no aprendizado da democracia.
Os professores constroem a democracia no cotidiano escolar por meio de pequenos detalhes da organização da prática pedagógica. Nesse sentido, fazem a diferença: o modo de trabalhar os conteúdos com os alunos; a forma de sugerir a realização de atividades na sala de aula; o controle disciplinar; a interação dos alunos nas tarefas escolares; a sistematização do AEE no contra-turno; a divisão do horário; a forma de planejar com os alunos; a avaliação da execução das atividades de forma interativa.
Embora já tenhamos uma Constituição, estatutos, legislação, políticas educacionais e decretos que propõem e viabilizam novas alternativas para a melhoria do ensino nas escolas, ainda atendemos a alunos em espaços escolares semi ou totalmente segregados, tais como as classes especiais, as turmas de aceleração, as escolas especiais, as aulas de reforço, entre outros.
O salto da escola dos diferentes para a escola das diferenças demanda conhecimento, determinação, decisão. As propostas de mudança variam e dependerão de disposição, discussões, estudos, levantamento de dados e iniciativas a serem compartilhadas pelos seus membros, enfim, de gestões democráticas das escolas, que favoreçam essa mudança.
Muitas decisões precisam ser tomadas pelas escolas ao elaborarem seus Projetos Político Pedagógicos, entre as quais destacamos algumas, que estão diretamente relacionadas com as mudanças que se alinham aos propósitos da inclusão: fazer da aprendizagem o eixo das escolas, garantindo o tempo necessário para que todos possam aprender; reprovar a repetência; abrir espaço para que a cooperação, o diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito crítico sejam praticados por seus professores, gestores, funcionários e alunos, pois essas são habilidades mínimas para o exercício da verdadeira cidadania; valorizar e formar continuamente o professor, para que ele possa atualizar-se e ministrar um ensino de qualidade.
É frequente a escola seguir outros caminhos, adotando práticas excludentes e paliativas, que as impedem de dar o salto qualitativo que a inclusão demanda. Elas se apropriam de soluções utilitárias, prontas para o uso, alheias à realidade de cada instituição educacional.
Essas práticas admitem: ensino individualizado para os alunos com deficiência
e/ou problemas de aprendizagem; currículos adaptados; terminalidade específica; métodos especiais para ensino de pessoas com deficiência; avaliação diferenciada; categorização e diferenciação dos alunos; formação de turmas escolares buscando a homogeneização dos alunos.
No nível da sala de aula e das práticas de ensino, a mobilização do professor e/ou de uma equipe escolar em torno de uma mudança educacional como a inclusão não acontece de modo semelhante em todas as escolas. Mesmo havendo um Projeto Político Pedagógico que oriente as ações educativas da escola, há que existir uma entrega, uma disposição individual ou grupal de sua equipe de se expor a uma experiência educacional diferente das que estão habituados a viver. Para que qualquer transformação ou mudança seja verdadeira, as pessoas têm de ser tocadas pela experiência. Precisam ser receptivas, disponíveis e abertas a vivê-la, baixando suas guardas, submetendo-se, entregando-se à experiência [...] sem resistências, sem segurança, poder, firmeza, garantias (BONDÍA, 2002).
As mudanças não ocorrem pela mera adoção de práticas diferentes de ensinar. Elas dependem da elaboração dos professores sobre o que lhes acontece no decorrer da experiência educacional inclusiva que eles se propuseram a viver. O que vem dos livros e o que é transmitido aos professores nem sempre penetram em suas práticas. A experiência a que nos referimos não está relacionada com o tempo dedicado ao magistério, ao saber acumulado pela repetição de uma mesma atividade utilitária, instrumental. Estamos nos referindo ao saber da experiência, que é subjetivo, pessoal, relativo, adquirido nas ocasiões em que entendemos e atribuímos sentidos ao que nos acontece, ao que nos passa, ao que nos sucede ao viver a experiência (BONDÍA, 2002).
O reconhecimento de que os alunos aprendem segundo suas capacidades não surge de uma hora para a outra, só porque as teorias assim afirmam. Acolher as diferenças terá sentido para o professor e fará com que ele rompa com seus posicionamentos sobre o desempenho escolar padronizado e homogêneo dos alunos, se ele tiver percebido e compreendido por si mesmo essas variações, ao se submeter a uma experiência que lhe perpassa a existência. O professor, então, desempenhará o seu papel formador, que não se restringe a ensinar somente a uma parcela dos alunos que conseguem atingir o desempenho exemplar esperado pela escola. Ele ensina a todos, indistintamente.
O caráter de imprevisibilidade da aprendizagem é constatado por professores que aproveitam as ocasiões para observar, abertamente e sem idéias pré-concebidas, a curiosidade do aluno que vai atrás do que quer conhecer, que questiona, duvida, que se detém diante do que leu, do que lhe respondemos, procurando resolver e encontrar a solução para o que lhe perturba e desafia com avidez, possuído pelo desejo de chegar ao que pretende.
Ao se deixar levar por uma experiência de ensinar dessa natureza, querendo entender o que ela revela e compartilhando-a com seus colegas, o professor poderá deduzir que certas práticas e aparatos pedagógicos, como os métodos especiais e o ensino adaptado para alguns alunos, não correspondem ao que se espera deles. Ambos provêm do controle externo da aprendizagem, de opiniões que circulam e se firmam entre os professores, que são creditadas pelo conhecimento livresco e generalizado e pelas informações equivocadas que se naturalizam nas escolas e fora delas.
Opor-se a inovações educacionais, resguardando-se no despreparo para adotá-las, resistir e refutá-las simplesmente, distancia o professor da possibilidade de se formar e de se transformar pela experiência. Oposições e contraposições à inclusão incondicional são freqüentes entre os professores e adiam projetos do ensino comum e especial focados na inserção das diferenças nas escolas.
É nos bancos escolares que se aprende a viver entre os nossos pares, a dividir as responsabilidades, a repartir tarefas. Nesses ambientes, desenvolvem-se a cooperação e a produção em grupo com base nas diferenças e talentos de cada um e na valorização da contribuição individual para a consecução de objetivos comuns de um mesmo grupo.
A interação entre colegas de turma, a aprendizagem colaborativa, a solidariedade entre alunos e entre estes e o professor devem ser estimuladas. Os professores, quando buscam obter o apoio dos alunos e propõem trabalhos diversificados e em grupo, desenvolvem formas de compartilhamento e difusão dos conhecimentos nas salas de aula.
A formação de turmas tidas como homogêneas é um dos argumentos de defesa dos professores, gestores e especialistas em favor da qualidade do ensino, que precisa ser refutado, porque se trata de uma ilusão que compromete o ensino e exclui alunos.
A avaliação de caráter classificatório, por meio de notas, provas e outros instrumentos similares, mantém a repetência e a exclusão nas escolas. A avaliação contínua e qualitativa da aprendizagem, com a participação do aluno, tendo, inclusive, a intenção de avaliar o ensino oferecido e torná-lo cada vez mais adequado à aprendizagem de todos os alunos conduz a outros resultados. A adoção desse modo de avaliar com base na qualidade do ensino e da aprendizagem já diminuiria substancialmente o número de alunos que são indevidamente avaliados e categorizados como deficientes nas escolas comuns.
Os professores em geral concordam com novas alternativas de se avaliar os processos de ensino e de aprendizagem e admitem que as turmas são naturalmente heterogêneas.
Sentem-se, contudo, inseguros diante da possibilidade de fazer uso dessas alternativas em sala de aula e inovar as rotinas de trabalho, rompendo com a organização pedagógica pré-estabelecida.
Ao contrário do que se pensa e se faz, as práticas escolares inclusivas não implicam um ensino adaptado para alguns alunos, mas sim um ensino diferente para todos, em que os alunos tenham condições de aprender, segundo suas próprias capacidades, sem discriminações e adaptações.
A ideia do currículo adaptado está associada à exclusão na inclusão dos alunos que não conseguem acompanhar o progresso dos demais colegas na aprendizagem. Currículos adaptados e ensino adaptado negam a aprendizagem diferenciada e individualizada. O ensino escolar é coletivo e deve ser o mesmo para todos, a partir de um único currículo. É o aluno que se adapta ao currículo, quando se admitem e se valorizam as diversas formas e os diferentes níveis de conhecimento de cada um.
A aprovação e a certificação por terminalidade específica, como propõe a LDBEN/1996, não faz sentido, quando se entende que a aprendizagem é diferenciada de aluno para aluno, constituindo-se em um processo que não pode obedecer a uma terminalidade prefixada com base na condição intelectual de alguns.
Outra prática usual nas escolas é o ensino dos conteúdos das áreas disciplinares (Matemática, Língua Portuguesa, Geografia, Ciências, etc.) como fins em si mesmos e tratados de modo fragmentado nas salas de aulas.
A afirmação da interdisciplinaridade é a afirmação, em última instância, da disciplinarização: só poderemos desenvolver um trabalho interdisciplinar se fizermos uso de várias disciplinas. [...] A interdisciplinaridade contribui para minimizar os efeitos perniciosos da compartimentalização, mas não significaria, de forma alguma, o avanço para um currículo não disciplinar (GALLO, 2002, p. 28-29).
Um currículo não disciplinar implica um ensino sem as gavetas das disciplinas, em que se reconhece a multiplicidade das áreas do conhecimento e o trânsito livre entre elas.
O ensino não disciplinar não deve ser confundido com os Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais não superam a disciplinarização, continuando a organizar o currículo em disciplinas, pelas quais perpassam assuntos de interesse social, como o meio ambiente, sexualidade, ética e outros.
Segundo Gallo (2002), transversalidade em educação e currículo não disciplinar tem a ver com processos de ensino e de aprendizagem em que o aluno transita pelos saberes escolares, integrando-os e construindo pontes entre eles, que podem parecer caóticas, mas que refletem o modo como aprendemos e damos sentido ao novo.
As propostas curriculares, quando contextualizadas, reconhecem e valorizam os alunos em suas peculiaridades de etnia, de gênero, de cultura. Elas partem das vidas e experiências dos alunos e vão sendo tramadas em redes de conhecimento, que superam a tão decantada sistematização do saber. O questionamento dessas peculiaridades e a visão crítica do multiculturalismo trazem uma perspectiva para o entendimento das diferenças, a qual foge da tolerância e da aceitação, atitudes estas tão carregadas de preconceito e desigualdade.
O multiculturalismo crítico, segundo Hall (2003), um estudioso das questões da pós-modernidade e das diferenças na atualidade, é uma das concepções do multiculturalismo.
Essa concepção questiona a exclusão social e demais formas de privilégios e de hierarquias das sociedades contemporâneas, indagando sobre as diferenças e apoiando movimentos de resistência dos dominados.
O multiculturalismo crítico toma como referência a liberdade e a emancipação e defende que a justiça, a democracia e a equidade não são dadas, mas conquistadas. Difere do multiculturalismo conservador, em que os dominantes buscam assimilar as minorias aos costumes e tradições da maioria.
Outras práticas educacionais inclusivas que derivam dos propósitos de se ensinar à turma toda, sem discriminações, por vezes são refutadas pelos professores ou aceitas com parcimônia, desconfiança e sob condições. Motivos não faltam para que eles se comportem desse modo. Muitos receberam sua própria formação dentro do modelo conservador, que foi sendo reforçado dentro das escolas.
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