A LIBRAS é dotada de uma gramática constituída a partir de elementos constitutivos das palavras ou itens lexicais e de um léxico (o conjunto das palavras da língua) que se estruturam a partir de mecanismos morfológicos, sintáticos e semânticos que apresentam especificidade mas seguem também princípios básicos gerais. Estes são usados na geração de estruturas linguísticas de forma produtiva, possibilitando a produção de um número infinito de construções a partir de um número finito de regras. É dotada também de componentes pragmáticos convencionais, codificados no léxico e nas estruturas da LIBRAS e de princípios pragmáticos que permitem a geração de implícitos sentidos metafóricos, ironias e outros significados não literais. Estes princípios regem também o uso adequado das estruturas linguísticas da LIBRAS, isto é, permitem aos seus usuários usar estruturas nos diferentes contextos que se lhes apresentam de forma a corresponder às diversas funções linguísticas que emergem da interação do dia a dia e dos outros tipos de uso da língua.
A LÍNGUA PORTUGUESA
O aluno surdo assim como qualquer pessoa compartilha uma série de experiências linguísticas, mais ou menos significativas, a depender das interações verbais a que se submeteu na família e da opção metodológica, desenvolvida no contexto de educação a que teve acesso.
Considerando o impedimento biológico para aquisição da língua portuguesa, de forma natural, é necessário que sua aprendizagem seja realizada de forma sistematizada. Este aprendizado é, na maioria das vezes, de responsabilidade da escola, que dispõe de professores especializados para este fim. No entanto, nem sempre as metodologias utilizadas pelos professores possibilitam ao surdo o acesso a experiências significativas, no meio acadêmico.
Pelo contrário, é comum nos depararmos com propostas de ensino de Língua Portuguesa para estudantes surdos que a separam de seu conteúdo vivencial, desconsiderando seu contexto de produção e reduzindo-a a um sistema abstrato de regras, que deve ser incorporado através do treino e da repetição. De maneira geral, elege-se como objeto de trabalho palavras ou enunciados isolados, delimitados por uma progressão fonética preestabelecida, organizada a partir de critérios do nível de complexidade de sua produção fonoarticulatória e de sua percepção visual pelo surdo. Mesmo quando o enunciado eleito é um pouco mais complexo, em sua organização sintática, o objetivo não é a língua viva, mas a preocupação em apresentar sua estruturação gramatical, garantindo a fixação da ‘ordem correta’ das palavras.
Enfim, como resultado final, temos um grupo de alunos com dificuldades de aprender a língua portuguesa por insuficiência de um processo psicolinguístico consistente. São estes os alunos que seguem marginalizados por um fracasso que não é deles, mas de seu grupo social, incapaz de possibilitar-lhes o aprendizado significativo da língua oficial de seu país.
No Brasil, é comum os surdos serem monolíngues, seja porque só falem o português, seja porque só utilizem a língua de sinais. Isso é consequência de vários fatores:
• a criança surda, na maioria das vezes, é filha de pais ouvintes. Nesse caso, os pais comunicam-se com ela por meio da língua portuguesa oral. Como ela não adquire naturalmente esta língua a comunicação entre ambos não é eficiente ou até mesmo não se realiza;
• preconceito é também um fator que contribui para o surdo ser monolíngüe. Os pais e professores têm medo de que o surdo não aprenda a falar e, assim, não só não permitem que ele utilize a língua de sinais, como não aceitam aprendê-la, nem utilizá-la. Por outro lado, há surdos que não tiveram a oportunidade de aprender a língua portuguesa ou mesmo a rejeitam;
• a falta de uma estrutura adequada no sistema público de saúde e educação
(ausência de convênios e interfaces entre os dois setores, por exemplo);
• as falhas curriculares na formação dos especialistas na educação dos surdos, excluindo conteúdos relacionados ao ensino de línguas (tanto da língua portuguesa, quanto da língua de sinais);
• a opção pela utilização, apenas, da língua de sinais, por ser esta a forma ‘natural’ de comunicação dos surdos.
No entanto, a potencialidade das pessoas surdas nos sinaliza que o sistema educacional deve oferecer condições para que elas possam ser bilíngues, ativas (pessoas que entendem e usam duas ou mais línguas) ou receptivas (pessoas que entendem duas ou mais línguas, mas não as utilizam plenamente). Entende-se assim, como ideal, que deva haver, no processo educacional, a oferta e o uso da língua de sinais brasileira, da língua portuguesa e de outra língua estrangeira moderna.
A modalidade oral da língua portuguesa, sem ser impositiva, nem mecanicista, pode ser ofertada, principalmente, durante a educação infantil, em período contrário ao da escolarização e realizada por profissionais adequados, em interface entre a Saúde e a Educação. Nesse caso, respeita-se o seu direito de manifestar-se também oralmente, se esta for sua opção e de sua família.
A modalidade escrita da língua portuguesa deve ser ofertada desde a educação infantil, seguida do aprendizado da língua de sinais, configurando a educação bilíngue , em escolas comuns ou especiais (desde que esta seja a opção dos pais).
Na educação dos surdos, a adequação do ensino da língua portuguesa ocorre por meio de:
• práticas metodológicas de ensino de segundas línguas;
• utilização da escrita na interação simultânea professor/aluno (conversação);
• escolha prévia de textos de acordo com a competência lingüística dos educandos;
• apresentação de referências relevantes (contexto histórico, enredo, personagens, localização geográfica, biografia do autor, etc.) sobre o texto, em língua de sinais ou utilizando outros recursos, antes de sua leitura;
• exploração do vocabulário e da estrutura do texto (decodificação de vocábulos desconhecidos, por meio do emprego de associações e analogias);
• apresentação do texto por escrito;
• ênfase aos aspectos semânticos e estruturais do texto;
• estímulo à formação de opinião e do pensamento crítico;
• interpretação de textos por meio de material plástico (desenho, pintura e murais) ou cênico (dramatização e mímica);
• adequação de conteúdos e objetivos;
• avaliação diferenciada, considerando-se a interferência de aspectos estruturais da língua de sinais.
Todos os conteúdos, que têm como pré-requisito a oralidade ou a percepção auditiva para sua perfeita compreensão, devem ser repensados em termos de estratégias para sua aprendizagem, pois a perda auditiva impede a realização de associações e análises da mesma forma que as pessoas ouvintes. Como já dito anteriormente, recursos visuais alternativos devem ser utilizados, para que não haja prejuízo em relação aos conteúdos desenvolvidos. Entre as situações mais comuns, que devem ser repensadas encontram-se os seguintes casos:
• acentuação tônica;
• pontuação;
• ditados ortográficos;
• discriminação dos fonemas;
• estudos comparativos entre as letras e os fonemas: x com som de z, s, ks,...
A sistematização do processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa deve iniciar-se na educação infantil para viabilizar, com pleno êxito, as atividades de alfabetização de alunos surdos.
Quando, por algum motivo, o aluno não foi beneficiado pelas atividades da educação infantil e, principalmente, estiver com defasagem idade/série no período de alfabetização, deve-se priorizar o uso da língua de sinais e da língua portuguesa escrita.
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