Ally e Ryan

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sábado, 13 de agosto de 2011

Nada sobre nós, sem nós – da integração à inclusão - 1

Romeu Kazumi Sassaki

Introdução: Analisemos o lema “Nada sobre nós, sem nós”. São meus todos os grifos e caixas altas em certas palavras, que constam no presente texto

Nada quer dizer “Nenhum resultado”: lei, política pública, programa, serviço, projeto, campanha, financiamento, edificação, aparelho, equipamento, utensílio, sistema, estratégia, benefício etc. Cada um destes resultados se localiza em um dos (ou mais de um dos ou todos os) campos de atividade como, por exemplo, educação, trabalho, saúde, reabilitação, transporte, lazer, recreação, esportes, turismo, cultura, artes, religião.

Sobre Nós, ou seja, “a respeito das pessoas com deficiência”. Estas pessoas são de qualquer etnia, raça, gênero, idade, nacionalidade, naturalidade etc., e a deficiência pode ser física, intelectual, visual, auditiva, psicossocial ou múltipla. Segue-se uma vírgula (com função de elipse, uma figura de linguagem que substitui uma locução verbal) que, neste caso, substitui a expressão “haverá de ser gerado”.

Sem Nós, ou seja, “sem a plena participação das próprias pessoas com deficiência”. Esta participação, individual ou coletiva, mediante qualquer meio de comunicação, deverá ocorrer em todas as etapas do processo de geração dos resultados acima referidos. As principais etapas são: a elaboração, o refinamento, o acabamento, a implementação, o monitoramento, a avaliação e o contínuo aperfeiçoamento.

Juntando as palavras grifadas, temos: “Nenhum resultado a respeito das pessoas com deficiência haverá de ser gerado sem a plena participação das próprias pessoas com deficiência”. Em outras palavras, as pessoas com deficiência estão dizendo: “Exigimos que tudo que se refira a nós seja produzido com a nossa participação. Por melhores que sejam as intenções das pessoas sem deficiência, dos órgãos públicos, das empresas, das instituições sociais ou da sociedade em geral, não mais aceitamos receber resultados forjados à nossa revelia, mesmo que em nosso benefício.”

O lema comunica a ideia de que nenhuma política deveria ser decidida por nenhum representante sem a plena e direta participação dos membros do grupo atingido por essa política. Assim, na essência do lema Nada Sobre Nós, Sem Nós está presente o conceito de Participação Plena das pessoas com deficiência.

Evolução histórica

Quando surgiu este lema tão famoso nos dias de hoje? Se considerarmos as quatro eras das práticas sociais em relação a pessoas com deficiência — exclusão (antiguidade até o início do século 20), segregação (décadas de 20 a 40), integração (décadas de 50 a 80) e inclusão (década de 90 até as próximas décadas do século 21) —, este lema tem a cara da Inclusão. Mas se levarmos em conta o conceito de Participação Plena, o lema teve a sua semente plantada em 1962, em plena era da Integração, e germinada a partir de 1981 graças ao Ano Internacional das Pessoas Deficientes.

A semente consistia na idéia de que as pessoas com deficiência poderiam ser participantes, ou seja, geradoras de bens ou serviços, e não meras receptoras. Seguem-se, cronologicamente, os principais documentos e fatos sobre a evolução desta poderosa idéia, começando com um fato inédito ocorrido em 1935 (era da Segregação).

1935: Na década de 30, um grupo composto por cerca de 300 pessoas com deficiência física conseguiu chamar a atenção da sociedade americana ao protestar contra o fato de que suas fichas de pedido de emprego foram carimbadas com as letras “DF” (significando “deficientes físicos”). Elas pertenciam à Liga dos Deficientes Físicos e permaneceram sentadas por nove dias na porta de entrada do Departamento de Albergues da Cidade de Nova York. E acabaram conseguindo vários milhares de empregos em todo o país.

1950-1960: Veteranos com deficiência (da II Guerra Mundial) iniciaram um movimento pró-ambientes sem barreiras. Isto propiciou a parceria entre a Administração Federal dos Veteranos, o Comitê Presidencial de Emprego de Deficientes (hoje renomeado Comitê Presidencial para Pessoas com Deficiência), a Sociedade Nacional ‘Easter Seals’ e outras instituições – parceria esta que produziu as primeiras normas americanas de acessibilidade em edificações.

1962: Até a década de 60, as pessoas com deficiência eram tratadas como objetos de caridade, não podiam opinar e tinham de obedecer às decisões que os especialistas e os pais tomavam por elas, em tudo o que se referia à vida delas. A situação começou a mudar em 1962 quando um grupo de 7 pessoas, todas tendo deficiências muito severas (tetraplegia em sua maioria), resolveu agir. Edward V. Roberts (ou simplesmente Ed Roberts) era o líder do grupo. Ed Roberts e seus amigos (conhecidos em Berkeley como “Os Tetras Rolantes”) criaram o serviço de atendentes pessoais de que eles mesmos precisavam a fim de viver com autonomia, o que originou o movimento de direitos das pessoas com deficiência nos EUA.

A fotobiógrafa Lydia Gans relata que, em 1962, Ed Roberts foi um dos primeiros estudantes com deficiência a levar vida independente na Universidade da Califórnia. (artigo “Ed Roberts at home and at large”, in New Mobility, Culver City, v. 5, n. 15, p. 4, maio/junho 1994).

Devido à sua tetraplegia severa em consequência da poliomielite que teve aos 14 anos de idade, Ed Roberts não movia nenhuma parte do seu corpo exceto a boca e os olhos. Para respirar, ele tinha de ficar, à noite, deitado dentro de um pulmão de aço (um enorme ‘tanque’, como ele gostava de chamar) e, durante algumas horas do dia, sentado fora do ‘tanque’, mas com um respirador portátil.

É claro que este grupo visionário sabia o que estava fazendo. Como dizia o próprio Ed Roberts: “A filosofia era bastante clara para nós. Isto era uma questão de direitos civis. As pessoas presumiam que fracassaríamos se nos dessem nossos direitos, mas isso não aconteceu”. Portanto, nos EUA, o movimento pelos direitos das pessoas com deficiência começou em 1962 com “Os Tetras Rolantes”.
1970: Judy Heumann, fundadora da Disabled in Action (DIA), processou o Conselho Municipal de Educação de Nova York quando o seu requerimento de autorização para lecionar foi negado. A razão que lhe foi alegada – por sinal, a mesma utilizada para barrar a matrícula dela na educação infantil – era que a sua cadeira de rodas constituía um risco de incêndio. A ação, ganha na justiça, estreou a militância de Judy Heumann e, mais tarde, a sua carreira no Ministério da Educação dos EUA.

1972: O movimento de vida independente começou em 1972 com a criação do Centro de Vida Independente de Berkeley (CVI-Berkley), o primeiro CVI dos EUA e do mundo, estando Ed Roberts à frente com todo o seu empoderamento, competência e carisma, juntamente com outras pessoas com deficiência como, por exemplo, Phil Draper (que tem tetraplegia por lesão medular) e Judy Heumann (que tem tetraplegia por poliomielite).

Ed Roberts, em uma entrevista sobre o Centro de Vida Independente de Berkeley, contou que a sua luta pelo estilo de vida independente começou depois de vários anos de experiência como ativista no movimento pelos direitos civis dos negros e mexicanos. E acrescentou que ele pensou: “O que estou fazendo aqui? Aprendi todas essas ótimas habilidades organizacionais, mas agora eu deverei juntar-me às pessoas com deficiência”.

Historicamente, o movimento de direitos civis abrangeu o período de uma geração (1954-1980) em todo o mundo.
1973: A Seção 504 da Lei de Reabilitação de 1973, dos EUA, torna ilegal – para órgãos federais, universidades públicas, empreiteiros federais e qualquer outra instituição ou atividade que receba recursos financeiros federais – discriminar pessoas com base em deficiência. Mesmo pressionado por inúmeras demonstrações de protesto, o então Ministério da Saúde, Educação e Bem-Estar só regulamentou esta lei em 1977.

1975: O documento mais antigo no qual consta a ideia da Participação é a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, que diz: “As organizações de pessoas deficientes podem ser beneficamente consultadas em todos os assuntos referentes aos direitos das pessoas deficientes” (Organização das Nações Unidas, 9/12/75)

1976: Culminou tragicamente em 1976 um movimento iniciado em 1960 pelos negros e simpatizantes brancos da África do Sul para resistir à opressão do regime do apartheid. Em 21/3/60, aconteceu o chamado Massacre de Sharpville. Surgiram vários líderes, um dos quais era Steve Bantu Biko, o mais notável. Foi formado o Movimento da Consciência Negra (MCN), inicialmente com a proposta de campanhas não violentas e posteriormente com a ideia de resistência violenta.


O MCN reivindicava resistência à política do apartheid, liberdade de expressão e outros direitos e seus membros confrontavam as realidades legais, culturais e psicológicas do regime dos brancos separatistas. Eles buscavam não apenas a visibilidade dos negros, mas também a real participação dos negros na sociedade e nas lutas políticas. Organizaram-se vários grupos de autoajuda nas comunidades negras. Diante de muitas dificuldades, o movimento não foi aniquilado; pelo contrário, ele cresceu e recebeu amplos apoios entre os negros e os brancos sul-africanos.

No dia 16 de junho de 1976, em meio aos distúrbios raciais nas ruas de Soweto, foi morto o adolescente Hector Pieterson, 12 anos, que aparece na foto de Sam Nzima sendo carregado por Mbuyisa Makhubo, tendo ao lado sua irmã, a também adolescente Antoinette Pieterson, 17 anos. Desde então, o dia 16 de junho se tornou o Dia da Juventude.

1977: Steve Bantu Biko (1946-1977) foi um notável ativista não violento e antiapartheid. Sua luta consistia em empoderar os negros e Biko ficou famoso pela frase que ele criou: “Black is beautiful”, que para ele significa: “Cara, você está ótimo como você é, comece a se olhar como um ser humano”.
Biko foi preso no dia 18 de agosto de 1977, teve traumatismo craniano enquanto estava sob custódia da polícia e foi acorrentado à grade da janela da cadeia por 24 horas. Em 11/9/77, a polícia o colocou numa viatura para levá-lo à prisão de Pretória. Lá chegando, ele morreu no dia seguinte em circunstâncias misteriosas. Seu amigo, o jornalista branco Donald Woods, investigou, fotografou e escreveu toda a história de Biko em um livro que publicou após ser forçado pelo regime do apartheid a retornar à Grã-Bretanha.

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