Ally e Ryan

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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Nada sobre nós, sem nós – da integração à inclusão - 2

Romeu Kazumi Sassaki
1980: Segundo William Rowland, a questão da deficiência na África do Sul precisa ser vista no contexto da luta de libertação. Durante a década de 80 e no início dos anos 90, “as pessoas com deficiência eram parte daquela luta e hoje nós compartilhamos os frutos de uma nova democracia”. Para cada pessoa que morreu na luta, três outras ficaram com uma deficiência. E foi deste charco de injúria e raiva que emergiu a liderança da organização Pessoas com Deficiência da África do Sul, que projetou o movimento pelos direitos das pessoas com deficiência no país. Estas foram também as condições que deram origem ao movimento massivo de pessoas com deficiência, que atraiu entre 10.000 e 12.000 ativistas, que trabalharam unidos e falaram com uma única voz não silenciável.

1981: Foi comemorado em todo o mundo o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (assim proclamado pela ONU em 1979), cujo lema foi Participação Plena E Igualdade.

1981: A Unesco aprovou a Declaração de Sundberg, na qual se encontra a seguinte frase: “A Conferência Mundial sobre Ações e Estratégias para Educação, Prevenção e Integração afirma que as autoridades públicas, as organizações qualificadas e a sociedade como um todo devem levar em consideração, ao prepararem qualquer estratégia de médio ou longo prazo pertinente a pessoas com deficiência, os princípios fundamentais de participação, integração, personalização, descentralização (setorização) e coordenação interprofissional, de tal modo que: (a) A plena participação das pessoas com deficiência e suas associações em todas as decisões e ações a elas pertinentes seja assegurada”.

1982: A ONU, através da resolução 37/52, adotou o Programa Mundial de Ação relativo a Pessoas com Deficiência, cujo parágrafo 93 se refere às organizações de pessoas com deficiência dizendo: “Os estados-membros devem estabelecer contatos diretos com essas organizações e lhes proporcionar canais para que possam exercer influência sobre as políticas e decisões governamentais em todos os campos que lhes concernem. Os estados-membros devem prestar o apoio financeiro que, nesse sentido, seja necessário às organizações de pessoas com deficiência.”

1986: No artigo “Nada Sobre Nós, Sem Nós: algumas reflexões sobre o movimento das pessoas com deficiência na África do Sul”, William Rowland conta que, em 1981, o Governo se recusou a reconhecer o Ano Internacional das Pessoas Deficientes e que, em 1986, à revelia das próprias pessoas com deficiência, proclamou convenientemente o Ano das Pessoas Deficientes da África do Sul. As lideranças das pessoas com deficiência se retiraram da conferência nacional e só retornaram quando lhes foi garantido o espaço para ler a mais poderosa declaração até então escrita. O líder Phindi Mavuso fez a leitura do “catálogo” de injustiças, contendo a dupla discriminação do apartheid e das deficiências.

Quando Eugene Terreblanche convocou seus homens “armados com um milhão de rifles”, Mavuso e mais 1.200 pessoas com deficiência marcharam até a colina de Soweto onde, diante das portas do Hospital Baragwanath, lançaram o protesto contra a crescente onda de violências.

Além do protesto, as lideranças realizaram duas iniciativas: a iniciativa política para mobilizar as pessoas com deficiência para reivindicarem seus direitos; e a iniciativa desenvolvimentista para gerar renda através da autoajuda. E também construíram uma nova filosofia: a deficiência não era uma questão de saúde e bem-estar, e sim uma questão de direitos humanos e de desenvolvimento; o modelo médico da deficiência não era adequado e os médicos e assistentes sociais “não deveriam controlar nossa vida, os métodos pacifistas de luta serviriam melhor à nossa causa e nós deveríamos nos alinhar com o movimento de libertação. Nós nos conscientizamos e adotamos o nosso (agora famoso) lema: Nada Sobre Nós, Sem Nós”, termina Rowland.

1992: Pessoas com deficiência reunidas no Canadá aprovaram a Declaração de Vancouver (1992), que diz: “Nós exigimos que os governantes, legisladores e centros de poder, profissionais e agências de desenvolvimento reconheçam que as pessoas com deficiência são verdadeiramente peritas em assuntos de deficiência e que nos consultem diretamente inserindo-nos nas atividades concernentes à nossa existência”.

1993: Em 1993, era publicado mais um livro cujo título contém o lema Nada Sobre Nós, Sem Nós. Este traz o subtítulo: “Opressão à deficiência e empoderamento”. Autor: James I. Charlton. No livro, o autor conta que ele ouviu pela primeira vez a expressão Nada Sobre Nós, Sem Nós, quando estava na África do Sul em 1993.
Nada sobre nós, sem nós” é o primeiro livro na literatura sobre deficiências que oferece um panorama teórico da opressão à deficiência, apresentando semelhanças e diferenças entre racismo, sexismo e colonialismo. O autor entrevistou, durante 10 anos, ativistas do Terceiro Mundo, da Europa e dos Estados Unidos. “Nada sobre nós, sem nós” expressa a convicção das pessoas com deficiência de que elas sabem o que é melhor para elas.

1993: Neste ano, mais de 450 pessoas com deficiência representando 41 países da Europa (ocidental, oriental, central, nórdica, balcânica e báltica), América do Norte, África e Ásia, se reuniram na Holanda e aprovaram a Declaração de Maastricht (4/8/93), da qual se destaca a seguinte afirmação: “Nós precisamos participar plenamente em nossas sociedades em todos os níveis e, através de nossas organizações, ser consultados e envolvidos decisivamente em todos os programas e políticas que nos afetem. Nós somos os peritos; o nosso poder precisa ser reconhecido”.

1993: A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, através da Resolução 48/96, o documento “Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência” (20/12/93), em que enfatiza: “Os Países-Membros devem envolver organizações de pessoas com deficiência em toda tomada de decisão sobre planos e programas relativos a pessoas com deficiência ou que afete sua condição econômica e social.”(…) “As organizações de pessoas com deficiência devem ser consultadas quando estiverem sendo desenvolvidos padrões e normas de acessibilidade. Elas devem também ser envolvidas no nível local desde a etapa do planejamento inicial dos projetos de construção pública, garantindo, assim, a máxima acessibilidade”.

1997: Em novembro de 1997, foi publicado o livro “Awakening to Disability: Nothing About Us Without Us” (Despertando para a Deficiência: Nada Sobre Nós, Sem Nós), de autoria de Karen G. Stone. Editora Volcano Press, 256 páginas.

1998: Em 1998, foi a vez de mais um livro, cujo título contém o lema Nada Sobre Nós, Sem Nós. Título do livro: “Nothing about us without us: developing innovative technologies for, by and with disabled persons” (Nada sobre nós, sem nós: desenvolvendo tecnologias inovadoras para, por e com pessoas com deficiência). Autor: David Werner. Editora: HealthWrights/Workgroup for People´s Health and Rights. Cidade: Palo Alto, Califórnia, EUA.

David Werner informa que, em muitos países, as organizações de pessoas com deficiência adotaram o lema NADA SOBRE NÓS, SEM NÓS, especialmente em países desenvolvidos, mas cada vez mais freqüentemente em países do Terceiro Mundo. As pessoas com deficiência estão exigindo ser ouvidas em decisões que afetam sua vida. Porém, segundo Werner, as organizações de pessoas com deficiência ainda não assumiram plenamente a liderança em assuntos de reabilitação e de tecnologias assistivas. As crianças com deficiência quase não podem decidir sobre aparelhos e equipamentos que elas precisam usar. Isso tem levado a erros de projeto. O próprio Werner, que desde criança tem deficiência nas pernas, era obrigado a usar aparelhos ortopédicos que lhe fizeram mais mal que bem. Somente várias décadas depois, ele pôde obter aparelhos que funcionaram bem… graças aos artesãos com deficiência do Projeto PROJIMO que o acolheram como parceiro no processo de solução de problemas.

1999: “Pessoas com deficiência devem ter um papel central no planejamento de programas de apoio à sua reabilitação; e as organizações de pessoas com deficiência devem ser empoderadas com os recursos necessários para compartilhar a responsabilidade no planejamento nacional voltado à reabilitação e à vida independente” (Carta para o Terceiro Milênio, 9/9/99).

2000: “Nós acreditamos que o limiar do novo século é uma época oportuna para todos pessoas com deficiência de qualquer tipo e suas organizações e outras instituições cívicas, governos locais e nacionais, membros do sistema da ONU e outros órgãos intergovernamentais, bem como o setor privado colaborarem estreitamente em um processo consultivo inclusivo e amplo, visando à elaboração e adoção de uma convenção internacional para promover e proteger os direitos das pessoas com deficiência e aumentar as suas oportunidades iguais de participação na corrente principal da sociedade”, diz a Declaração de Pequim (12/3/00)

2001

O ativista de direitos das pessoas com deficiência, Tom Shakespeare, em sua palestra “Entendendo a Deficiência”, registrou o seguinte posicionamento perante a Conferência Internacional “Deficiência com Atitude”, realizada na University of Western Sydney, Austrália, em fevereiro de 2001:

“Reconhecer a perícia e a autoridade das pessoas com deficiência é muito importante. O movimento das pessoas com deficiência se resume em falar por nós mesmos. Ele trata de como é ser uma pessoa com deficiência. Ele trata de como é ter este ou aquele tipo de deficiência. Ele trata de exigir que sejamos respeitados como os verdadeiros peritos a respeito de deficiências. Ele se resume no lema Nada Sobre Nós, Sem Nós”.

2001

O Grupo de Usuários de Estratégias, do Ministério da Saúde da Grã-Bretanha, é formado por pessoas com dificuldades de aprendizagem, participantes das organizações People First, Mencap, Change e Speaking Up. O grupo adotou o lema “Nada Sobre Nós, Sem Nós” para exigir a inclusão de pessoas com dificuldade de aprendizagem em todos os serviços públicos: saúde, emprego, serviços sociais, habitação, associações de habitação, consumidores de serviços, fornecedores de serviços, inspeção e outros.

Tais serviços devem oficializar que estão incluindo pessoas com dificuldade de aprendizagem e que recebem apoios apropriados. Devem também concordar com a crença de que nada sobre elas está sendo feito sem a participação delas.

Para tanto um órgão consultivo nacional sobre dificuldades de aprendizagem deverá ser constituído com representantes de todo o país. Este Grupo e o Ministério da Saúde elaboraram uma estratégia para dificuldades de aprendizagem.

2001

Um dos mais notáveis ativistas com deficiência da atualidade é William Rowland, da República da áfrica do Sul. Ele escreveu o monumental artigo “Nothing About Us Withou Us: Some Historical Reflections on the Disability Movement in South Africa” (Nada Sobre Nós, Sem Nós: Algumas Reflexões Históricas sobre o Movimento da Deficiência na áfrica do Sul), inserido no site da Disability World (http://www.disabilityworld.org/11-12_01/spanish/vida/southafrica.shtmlSite Externo., n.11, nov./dez. 2001).

Nele, Rowland descreve a longa história de lutas, sacrifícios e humilhações, mas também de vitórias e avanços da organização não-governamental Pessoas com Deficiência da áfrica do Sul (Disabled People South Africa – DPSA). Fundada em 1984, a DPSA adotou em 1986 o lema “Nada Sobre Nós, Sem Nós”. Portanto, esta é a data mais antiga em que foi registrado o famoso lema dos dias de hoje, O lema da DPSA foi adotado em reconhecimento da necessidade de as próprias pessoas com deficiência promoverem diretamente os direitos humanos e o desenvolvimento de todos os sul-africanos com deficiência (http://www.dpsa.org.za/aboutus.phpSite Externo.).

Quando o prisioneiro politico mais célêbre e mais antigo (preso por 27 anos), Nelson Mandela, foi libertado no dia 11 de fevereiro de 1990, os ativistas William Rowland e Phindi Mavuso – representando a DPSA – já estavam lá para cumprimentá-lo e pedir a sua intervenção pela causa das pessoas com deficiência. A missão da DPSA é a de ser uma efetiva e eficiente assembleia nacional democrática de todas as pessoas que as mobilize para defenderem seus direitos de acesso a iguais oportunidades em um inclusivo ambiente social, politico e econômico.

2001

A Fundação Parceria Sussex-SNS (Serviço Nacional de Saúde), da Grã-Bretanha, mantém o programa “Nada Sobre Nós, Sem Nós” (Vision & Values (.doc)), que tem os seguintes objetivos:

• A Fundação Parceria Sussex-SNS colocará os usuários de seus serviços no centro de todas as ações. A fundação atuará com as pessoas e seus representantes para atingir este fim.

• Cada usuário de nossos serviços é único e será tratado como tal. Os cuidados de cada pessoa serão planejados e acordados com ela (ou seu defensor).

• Adequaremos nossos serviços às necessidades das pessoas, não o inverso. Ouviremos as pessoas e aprenderemos do que elas nos disserem sobre suas experiências.

• A frase “Nada Sobre Nós, Sem Nós” tem sido usada por mais de 20 anos como um lema para promover os direitos das pessoas com deficiência e foi adotada no documento official do Ministério da Saúde sobre as estratégias dos services para pessoas com dificuldade de aprendizagem (“Valorizando Pessoas”, 2001).

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