- Jonir Bechara Cerqueira.
Segurança, autoconfiança, independência são naturalmente proporcionadas aos indivíduos cegos treinados, pelo seu instrumento básico de locomoção: a bengala.
Breve abordagem histórica.
Registros históricos nos revelam o emprego de cajados, bastões e outros instrumentos de formatos semelhantes, aplicados como verdadeiras extensões dos braços, com os quais as pessoas facilitavam seus longos deslocamentos por ásperos caminhos, controlavam os rebanhos e, em ações defensivas ou ofensivas, até os utilizavam em ferozes combates. Por outro lado, o bastão, sob a forma de cetro, conferia dignidade, autoridade e era uma das insígnias da realeza.
Em frequentes passagens bíblicas, encontramos referências ao cajado, como no livro de ÊXODO, Capítulo 12, Versículo 11 -- "Assim pois o comereis: Os vossos lombos cingidos, os vossos sapatos nos pés, e o vosso cajado na mão; e o comereis apressadamente; esta é a páscoa do Senhor."
A literatura histórica sobre as pessoas cegas nos informa sobre gravuras muito antigas de homens cegos empunhando bastões ou acompanhados de cães. As irregularidades dos caminhos e estradas se constituíam em obstáculos quase intransponíveis para a locomoção de indivíduos cegos de modo independente. Os deficientes visuais se valiam, normalmente, de guias videntes. Limitavam-se a viver em ambientes restritos e exercer atividades em regime sedentário.
A criação de escolas para cegos, iniciada por Valentin Haüy em 1784, a invenção do Sistema Braille por Louis Braille em 1825, o exercício de diversificadas atividades profissionais desde então, demandavam soluções práticas para minimizar as grandes dificuldades de locomoção dos deficientes visuais.
Datam da primeira metade do século XX as primeiras iniciativas concretas e a aplicação de recursos materiais efetivos que passaram a garantir a locomoção independente das pessoas cegas.
Militares deficientes na Europa e nos Estados Unidos, egressos dos campos de batalha das duas grandes guerras, 1914-1918 e 1939-1945, atendidos por serviços públicos e privados empenhados em sua reabilitação, foram os pioneiros no processo de locomoção independente.
A primeira providência no sentido de serem usadas bengalas brancas com extremidade inferior vermelha, para identificar seu portador, suscitar eventuais ajudas pelos pedestres videntes e alertar os condutores de veículos, foi de George Benham, presidente do Lion's Club do estado de Illinois, Estados Unidos, em 1930.
O norte-americano, Dr. Richard Hoover (1915-1986), professor especializado no ensino de cegos, engajado na reabilitação de militares deficientes na década de 1940, desenvolveu técnicas específicas de locomoção e criou um modelo padronizado de bengala longa, hoje universalmente adotados.
O Dia Internacional da Bengala Branca de Segurança.
O Dia Internacional da Bengala Branca de Segurança ("International White Cane Safety Day") foi instituído em 1970, sob iniciativa da Federação Internacional dos Cegos ("International Federation of the Blind"), em Paris. Diversos países hoje comemoram este dia como meio de divulgar o alcance das conquistas das pessoas cegas no exercício de seu direito de transitar nos lugares públicos, nos locais de lazer e na locomoção para os ambientes de trabalho de forma independente. Alguns desses países adotaram legislação especial sobre a matéria.
A Federação Nacional dos Cegos dos Estados Unidos ("National Federation of the Blind" -- NFB), sob a liderança de seu presidente, Dr. Jacobus tenBroek (1911-1968), em campanha nacional, obteve do Congresso norte-americano, em 1964, a Resolução HR 753, que autoriza o Presidente dos Estados Unidos a proclamar anualmente o dia 15 de outubro como o "Dia da Bengala Branca de Segurança", cujo primeiro ato foi assinado em outubro daquele ano pelo presidente Lyndon Johnson.
O Dr. tenBroek, cego desde tenra idade, brilhante professor universitário, elaborou um modelo de lei sobre a Bengala Branca, que em seu primeiro artigo estabelece:
"É política deste Estado estimular e capacitar os cegos, os deficientes da visão e os deficientes físicos a participar plenamente da vida social e econômica do Estado e serem aproveitados em atividades remuneradas".
Em nosso país, o "Dia Internacional da Bengala Branca" não tem merecido atenção dos indivíduos, nem das entidades envolvidas na educação e reabilitação das pessoas cegas. Eventualmente, a data é lembrada e comemorada em caráter restrito.
A bengala, hoje utilizada amplamente no Brasil, nem sempre de cor branca, companheira de nosso dia-a-dia, nos remete a várias considerações sobre as razões de comemorarmos o 15 de outubro a cada ano:
• A garantia de nosso direito de ir e vir.
• A preservação de nossa privacidade.
• A condição de executarmos tarefas com autonomia.
• A possibilidade do cumprimento de compromissos sociais e profissionais.
• A indispensável segurança no caminhar.
• A preservação de nossa integridade física.
Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto. Objetivamos oferecer alguns elementos históricos, divulgar informações e, pretensiosamente, sugerir que aproveitemos esta data internacionalmente instituída, em favor de nossa afirmação como cidadãos independentes, em condições de cumprir deveres e exigir direitos como participantes ativos da sociedade brasileira.
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