Ally e Ryan

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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O Direito à Diferença na Igualdade de Direitos


Maria Teresa Églér Mantoan.

A proposta de incluir todos os alunos na escola comum tem se chocado com a cultura assistencialista/terapêutica da Educação Especial e com o conservadorismo de políticas públicas na área. Este artigo focaliza os desafios que temos de enfrentar para remover barreiras e tornar nossas escolas democráticas e inclusivas, em todos os níveis de nossa educação.

Introdução.

Pautada para atender a um aluno idealizado e de um projeto educacional elitista, meritocrático e homogeneizador, a escola tem produzido situações de exclusão que têm, injustamente, prejudicado a trajetória educacional de muitos estudantes. Queixas escolares mal fundamentadas e ausência de laudos periciais competentes levam alunos a serem considerados como pessoas com deficiência e encaminhados indevidamente aos serviços da Educação Especial. Outros são igualmente discriminados, em programas de ensino compensatório e à parte da sala de aula.

Esse quadro situacional perpetua desmandos e transgressões ao direito à educação e à não discriminação, que algumas escolas e redes de ensino estão praticando por falta de um controle efetivo dos pais, das autoridades de ensino e da justiça em geral. As escolas e as instituições especializadas ainda resistem muito às mudanças provocadas pela inclusão, alegando motivos que expõem a fixidez organizacional dos serviços dispensados a seus alunos e assistidos.

Desconhecimento, interesses corporativistas, envolvendo pais, professores e especialistas insistem em defender a educação de alunos com deficiência em ambientes segregados, desconsiderando as novas possibilidades de se atender às necessidades desses educandos, a partir de alternativas educacionais includentes. Muitos outros entraves estão desrespeitando o direito à diferença nas escolas. Problemas conceituais, desrespeito a preceitos legais, preconceitos distorcem o sentido da inclusão escolar, reduzindo-a unicamente à inserção de alunos com deficiência no ensino regular; desconsiderando-se os benefícios que essa inovação educacional propicia à educação dos alunos em geral, ao provocar mudanças de base na organização pedagógica das escolas e na maneira de se conceber o papel da instituição escolar na formação das novas gerações. Com isso, as iniciativas que visam à adoção de posições/medidas inovadoras para a escolarização de todos os alunos nas escolas comuns pouco evoluem. No entanto, continuamos avançando nos caminhos pedagógicos que nos permitem retraçar a trajetória das escolas, norteados pela inclusão.

Um Olhar Sobre a Escola que Temos.

Sabemos que o Ensino Básico é prisioneiro da transmissão dos conhecimentos acadêmicos; e os alunos, de sua reprodução nas aulas e nas provas. A divisão do currículo em disciplinas como a Matemática, a Língua Portuguesa etc. fragmenta e especializa os saberes, fazendo de cada matéria escolar um fim em si mesmo e não um dos meios de que dispomos para esclarecer o mundo em que vivemos e para entender melhor a nós mesmos. O tempo de aprender é o das séries escolares, porque é necessário hierarquizar a complexidade do conhecimento, sequenciar as etapas de sua aprendizagem, mesmo sendo este conhecimento o básico, o elementar do saber. Uma escala de valores também é atribuída às disciplinas, dentre as quais a Matemática reina absoluta, importante e poderosa.

O conhecimento transmitido pelos professores corresponde a verdades prontas, absolutas, imutáveis e reprovam-se os alunos que tentam vencer a subordinação intelectual.

Com esse perfil organizacional, podemos imaginar o impacto da inclusão na maioria das escolas, especialmente quando se entende que incluir é ensinar a todas as crianças indistintamente, em um mesmo espaço educacional: as salas de aula de ensino regular. É como se esse espaço fosse, de repente, invadido e todos os seus domínios tomados de assalto. A escola se sente ameaçada por tudo o que ela criou para se proteger da vida que existe para além de seus muros e paredes - novos saberes, novos alunos, outras maneiras de resolver problemas, de avaliar a aprendizagem que demandem "artes de fazer", que, como nos diria Michel de Certeau (1994), contestem a escola e que transgridam o seu projeto educativo vigente.

De fato, a escola se entupiu do formalismo da racionalidade e partiu-se em modalidades de ensino, tipos de serviços, grades curriculares, burocracia. Uma ruptura de base em sua estrutura organizacional, como propõe a inclusão, é uma saída para que ela possa fluir, novamente, espalhando sua ação formadora por todos os que dela participam.

Crise e Transformação das Escolas Comuns.

Novos paradigmas e conhecimento escolar.

Estamos vivendo um tempo de crise global, em que os velhos paradigmas da Modernidade estão sendo contestados e em que o conhecimento, matéria prima da educação escolar, está passando por uma reinterpretação. A inclusão é parte dessa contestação e implica na mudança do paradigma educacional atual, para que se encaixe no mapa da educação escolar que precisamos retraçar.

As diferenças culturais, sociais, étnicas, religiosas, de gênero são cada vez mais desveladas e destacadas, sendo isso condição imprescindível para se entender como aprendemos e como entendemos o mundo e a nós mesmos. O modelo educacional já mostra sinais de esgotamento e, no vazio de idéias que acompanha a crise paradigmática, surge o momento oportuno das transformações.

As interfaces e conexões que se formam entre saberes, outrora isolados e partidos, e os encontros da subjetividade humana com o cotidiano, o social, o cultural apontam para um paradigma do conhecimento que emerge de redes cada vez mais complexas de relações, geradas pela velocidade das comunicações e informações. As fronteiras das disciplinas estão se rompendo, estabelecendo novos marcos de compreensão do mundo em que vivemos. Diante dessas novidades, a escola não pode continuar ignorando o que acontece ao seu redor, anulando e marginalizando as diferenças nos processos pelos quais ela forma e instrui os alunos. E muito menos desconhecer que o aprender implica em expressar, dos mais variados modos, o que sabemos, em representar o mundo a partir de nossas origens, valores, sentimentos.

O tecido da compreensão não se trama apenas com os fios do conhecimento científico. Como Santos (1995) nos aponta, a comunidade acadêmica não pode continuar a pensar que só há um único modelo de cientificidade e uma única epistemologia, e que, no fundo, todo o resto é um saber vulgar, um senso comum que ela contesta em todos os níveis de ensino e de produção do conhecimento. A idéia de que o nosso campo de conhecimento é muito mais amplo do que aquele que cabe no paradigma da Modernidade, traz a ciência para um campo de luta em que tem de reconhecer e se aproximar de outras formas de entendimento e perder a posição hegemônica em que se mantém, ignorando o que foge aos seus domínios.

A exclusão escolar manifesta-se das mais diversas e perversas maneiras, e quase sempre o que está em jogo é a ignorância do aluno, diante dos padrões de cientificidade do saber escolar. E, embora a escola tenha se democratizado, abrindo-se a novos grupos sociais, não se abriu aos novos conhecimentos. Exclui, então, os que ignoram o conhecimento que ela valoriza e, assim, entende que a democratização é a massificação de ensino. Além disso, não cria a possibilidade de diálogo entre diferentes lugares epistemológicos, nem se abre a novos conhecimentos que não cabem, até então, dentro dela.

O pensamento subdividido em áreas específicas é uma grande barreira para os que pretendem inovar a escola. Nesse sentido, é imprescindível questionar o modelo de compreensão que nos é imposto desde os primeiros passos de nossa formação escolar e que prossegue nos níveis de ensino mais graduados. Toda trajetória escolar precisa ser repensada, considerando-se os efeitos cada vez mais nefastos das hiper-especializações (Morin, 2001) dos saberes, que dificultam a articulação de uns com os outros e turvam a visão do essencial e do global.

O ensino curricular de nossas escolas, organizado em disciplinas, isola, separa os conhecimentos, em vez de reconhecer as suas inter-relações. O conhecimento, contudo, evolui por recomposição, contextualização e integração de saberes, em redes de entendimento e não reduz o complexo ao simples, o que aumenta a capacidade de avaliar e de apreender o caráter multidimensional dos problemas e de suas soluções.

Os sistemas escolares também estão organizados a partir de um pensamento que recorta a realidade, que permite subdividir os alunos em "normais" e com deficiência. A lógica dessa organização é marcada por uma visão determinista, mecanicista, formalista, reducionista, própria do pensamento científico moderno, que ignora o subjetivo, o afetivo, o criador, sem os quais não conseguimos romper com o velho modelo escolar e provocar a reviravolta que a inclusão impõe.

Essa reviravolta exige, em nível institucional, a extinção das categorizações e das oposições excludentes - iguais/diferentes, normais/deficientes - e em nível pessoal, a busca da articulação, flexibilidade, interdependência entre as partes que se conflitam nos nossos pensamentos, ações, sentimentos.

Identidade X Diferença.

As propostas educacionais visando à inclusão apóiam-se habitualmente em dimensões éticas conservadoras, que se sustentam e se expressam pela tolerância e pelo respeito ao outro, sentimentos que precisamos analisar com muito cuidado, para entender o que podem esconder nas suas entranhas.

A tolerância, como um sentimento aparentemente generoso, pode marcar uma superioridade de quem tolera. O respeito, como conceito, implica um certo essencialismo, uma generalização, que vem da compreensão de que as identidades são fixas, definitivamente estabelecidas, de tal modo que só nos resta respeitá-las. As deficiências são tidas como marcas indeléveis e só nos cabe aceitá-las, passivamente, pois não evoluirão além do previsto no quadro geral das suas especificações estáticas: os níveis de comprometimento, as categorias educacionais, os quocientes de inteligência, predisposições para o trabalho e outras mais.

Consoante a esses pressupostos é que criamos espaços educacionais protegidos e à parte, restritos às pessoas com deficiência e a outras minorias.

Nossa luta pela inclusão escolar tem uma dimensão ética crítica e transformadora. A posição é oposta à anterior, por considerar que as identidades são móveis e que as diferenças diferem infinitamente. Estas são produzidas e sustentadas por relações de poder que precisam ser questionadas e não apenas toleradas, respeitadas.

Os movimentos em favor da inclusão, dentre os quais os educacionais/escolares devem seguir outros caminhos, que contestam as fronteiras entre o regular e o especial, o normal e o deficiente, enfim os espaços simbólicos das diferentes identidades.

As ações educativas inclusivas que propomos têm como eixos o convívio com as diferenças, a aprendizagem como experiência relacional, participativa, que tem sentido para o aluno, pois contempla a sua subjetividade, construída no coletivo das salas de aula.

As relações de poder que presidem a produção das diferenças na escola excludente baseiam-se na igualdade, como categoria assegurada por princípios liberais, inventada e decretada a priori e que trata a realidade escolar com a ilusão da homogeneidade, promovendo e justificando a fragmentação do ensino em disciplinas, modalidades de ensino regular, especial, as seriações, classificações, hierarquias de conhecimentos.

A inclusão é produto de uma educação plural, democrática e transgressora. Ela provoca uma crise escolar, ou melhor, uma crise de identidade institucional que, por sua vez, abala a identidade dos professores e faz com que a identidade do aluno ganhe novo significado. O aluno da escola inclusiva é outro sujeito, que não tem uma identidade fixada em modelos ideais, permanentes, essenciais.

O direito à diferença nas escolas desconstrói, portanto, o sistema atual de significação escolar excludente, normativo, elitista, com suas medidas e mecanismos de produção da identidade e da diferença.

Se a igualdade é referência, podemos inventar o que quisermos para agrupar e rotular os alunos como deficientes. Se a diferença é tomada como parâmetro, não fixamos mais a igualdade como norma e fazemos cair toda uma hierarquia das igualdades e diferenças que sustentam a "normalização". Esse processo, a normalização, pelo qual a Educação Especial tem proclamado o seu poder, propõe sutilmente, com base em características devidamente selecionadas como positivas, a eleição arbitrária de uma identidade "normal", como um padrão de hierarquização e de avaliação de alunos, de pessoas. Contrariar a perspectiva de uma escola que se pauta pela igualdade de oportunidades é fazer a diferença, reconhecê-la e valorizá-la.

Temos, então, que reconhecer as diferentes culturas, a pluralidade das manifestações intelectuais, sociais, afetivas, enfim, precisamos construir uma nova ética escolar, que advém de uma consciência ao mesmo tempo individual, social e, por que não, planetária!

Parece contraditória, no mundo de hoje, marcado pela globalização, a luta de grupos minoritários por uma política identitária, pelo reconhecimento de suas raízes, como fazem os surdos, os deficientes, os hispânicos, os negros, as mulheres, os homossexuais. Há um sentimento de busca das raízes e de afirmação das diferenças e, devido a isso, contesta-se a Modernidade em sua aversão pela diferença.

Nem todas as diferenças necessariamente inferiorizam as pessoas. Há diferenças e há igualdades, e nem tudo deve ser igual e nem tudo deve ser diferente. Então, como conclui Santos (1995), é preciso que tenhamos o direito de sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza e o direito de sermos iguais quando a diferença nos inferioriza.

No desejo de assegurar a homogeneidade nos grupos sociais, nas turmas escolares, destruíram-se diferenças que consideramos valiosas e importantes nas salas de aula e para além delas.

A identidade fixa, estável, acabada, própria do sujeito cartesiano unificado e racional também está em crise (Hall, 2000). As identidades naturalizadas dão estabilidade ao mundo social, mas. a mistura, a hibridização, a mestiçagem as desestabilizam, constituindo uma estratégia provocadora e questionadora de toda e qualquer fixação da identidade (Silva, 2000; Serres; 1993).

Integração ou inclusão?

A indiferenciação entre os processos de integração e inclusão escolar é um outro grande entrave para o entendimento e a evolução dos processos de inclusão escolar. A discussão em torno da integração e da inclusão cria ainda inúmeras e infindáveis polêmicas, provocando as corporações de professores e de profissionais da área de saúde que atuam no atendimento às pessoas com deficiência, ou seja, os para-médicos e outros, que tratam clinicamente de crianças e jovens com problemas escolares e de adaptação social. A inclusão também provoca as associações de pais que adotam paradigmas tradicionais de assistência às suas clientelas. Afeta, e muito, os professores da educação especial, temerosos de perder o espaço que conquistaram nas escolas e redes de ensino, e atinge os grupos de pesquisa das Universidades, na condução de suas pesquisas na área (Mantoan, 2001; Doré, Wagner e Brunet, 1996).

Os professores comuns consideram-se incompetentes para atender às diferenças nas salas de aula, especialmente aos alunos com deficiência, pois seus colegas especializados sempre se distinguiram por realizar esse atendimento e exageraram na valorização de suas competências (Mittler, 2000).

Há também os pais de alunos sem deficiências, que desconfiam da inclusão, por acharem que as escolas vão baixar e/ou piorar ainda mais a qualidade de ensino, se tiverem de receber esses novos alunos.

Os vocábulos - integração e inclusão - conquanto possam ter significados semelhantes, são empregados para expressar situações de inserção diferentes e se fundamentam em posicionamentos teórico-metodológicos divergentes.

O processo de inserção escolar tem sido entendido de diversas maneiras. O uso do vocábulo "integração" refere-se mais especificamente à inserção escolar de alunos com deficiência nas escolas comuns, mas seu emprego é encontrado até mesmo para designar os alunos agrupados em escolas especiais para pessoas com deficiência, ou mesmo em classes especiais, grupos de lazer, residências para deficientes.

O movimento em favor da integração de crianças com deficiência surgiu nos países nórdicos em 1969, quando se questionaram as práticas sociais e escolares de segregação. Sua noção de base é o princípio de normalização, que não sendo específico da vida escolar, atinge o conjunto de manifestações e atividades humanas e todas as etapas da vida das pessoas, sejam elas afetadas ou não por uma incapacidade, dificuldade ou inadaptação.

Na integração escolar, o aluno tem acesso às escolas por meio de um leque de possibilidades educacionais, que vai da inserção às salas de aula do ensino regular ao ensino em escolas especiais. O processo de integração ocorre dentro de uma estrutura educacional, que oferece ao aluno a oportunidade de transitar no sistema escolar, da classe regular ao ensino especial, em todos os seus tipos de atendimento: escolas especiais, classes especiais em escolas comuns, ensino itinerante, salas de recursos, classes hospitalares, ensino domiciliar e outros. Trata-se de uma concepção de inserção parcial, porque o sistema educacional prevê serviços educacionais segregados.

É sabido que os alunos que migram das escolas comuns para serviços da educação especial muito raramente se deslocam para os menos segregados e, raramente, retornam/ingressam às salas de aula do ensino regular.

Nas situações de integração escolar, nem todos os alunos com deficiência cabem nas turmas de ensino regular, pois há uma seleção prévia dos que estão aptos à inserção. Para esses casos, são indicados: a individualização dos programas escolares, currículos adaptados, avaliações especiais, redução dos objetivos educacionais para compensar as dificuldades de aprender. Em uma palavra, a escola não muda como um todo, mas os alunos têm de mudar para se adaptarem às suas exigências.

A integração escolar pode ser entendida como o especial na educação, ou seja, a justaposição do ensino especial ao ensino regular, ocasionando um inchaço nas escolas comuns, pelo deslocamento de profissionais, recursos, métodos e técnicas da Educação Especial aos seus serviços.

Quanto à inclusão, esta questiona não somente as políticas e a organização da educação especial e regular, mas também o próprio conceito de integração. A Inclusão é incompatível com a integração, pois prevê a inserção escolar de forma radical, completa e sistemática. Todos os alunos, sem exceções, devem freqüentar as turmas de ensino regular.

O objetivo da integração é inserir um aluno ou um grupo de alunos que já foram anteriormente excluídos e o mote da inclusão, ao contrário, é o de não deixar ninguém no exterior do ensino regular, desde o começo da vida escolar. As escolas inclusivas propõem um modo de organização do sistema educacional que considera as necessidades de todos os alunos e que é estruturado em função dessas necessidades.

A inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não se limita aos alunos com deficiência e aos que apresentam dificuldades de aprender, mas a todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral. Os alunos com deficiência constituem uma grande preocupação para os educadores inclusivos, mas todos nós sabemos que a maioria dos que fracassam na escola são alunos que não vêm do ensino especial, mas que possivelmente acabarão nele! (Mantoan, 1999)

A radicalidade da inclusão vem do fato de que ela exige uma mudança de paradigma educacional. Na perspectiva inclusiva, as escolas atendem às diferenças, sem discriminar, sem trabalhar à parte com alguns alunos, sem estabelecer regras específicas para se planejar, para aprender, para avaliar (currículos, atividades, avaliação da aprendizagem para alunos com deficiência e com necessidades educacionais especiais).

Podemos, pois, imaginar o impacto da inclusão nos sistemas de ensino ao supor a abolição dos serviços segregadores da educação especial, os programas de reforço escolar, salas de aceleração, turmas especiais e outros. Insistimos em que a inclusão é uma provocação, cuja intenção é melhorar a qualidade do ensino das escolas, atingindo todos os alunos que fracassam em suas salas de aula. A distinção entre integração e inclusão é um bom começo para esclarecermos o processo de transformação das escolas, de modo que possam acolher, indistintamente, todos os alunos, nos diferentes níveis de ensino.

A Escola que Queremos.

xxx Se o que pretendemos é que a escola seja inclusiva, é urgente que seus planos se redefinam para uma educação voltada para a cidadania global, plena, livre de preconceitos, que reconhece e valoriza as diferenças.

Chegamos a um impasse, como nos afirma Morin (2001), pois para se reformar a instituição temos de reformar as mentes, mas não se pode reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições. Conhecemos os argumentos com os quais a escola tradicional resiste à inclusão; eles refletem a incapacidade de as escolas atuarem diante da complexidade, da diversidade, da variedade, do que é real nos seres humanos e seus grupos. Os alunos não são virtuais, objetos categorizáveis. Eles existem de fato. São pessoas que provêm de contextos culturais os mais variados. Representam diferentes segmentos sociais. Produzem e ampliam conhecimentos.Têm desejos, aspirações, valores, sentimentos e costumes com os quais se identificam. Em uma palavra, esses grupos de pessoas não são criações da nossa razão, mas existem em lugares e tempos não ficcionais, que pensam, sentem, vivem, se transformas, evoluem.

O aluno "abstrato" justifica a maneira excludente de a escola tratar as diferenças. Assim é que se estabelecem as categorias de alunos: deficientes, carentes, comportados, inteligentes, hiper-ativos, agressivos e tantos mais. Por essas classificações é que se perpetua a injustiça nas escolas; por detrás das categorizações elas se protegem do aluno, na sua singularidade. Sem dúvida, é mais fácil gerenciar as diferenças, formando classes de objetos, acontecimentos, fenômenos, pessoas...

Mas, como não há mal que sempre dure, o desafio da inclusão está desestabilizando as cabeças dos que sempre defenderam a seleção, o poder das avaliações, da visão clínica do ensino e da aprendizagem. E como não há bem que sempre ature, está sendo difícil manter resguardados e imunes às mudanças todos aqueles que colocam nos ombros dos alunos, exclusivamente, a incapacidade de aprender.

Os pretextos teóricos que distorcem propositadamente o conceito de inclusão, condicionada à capacidade intelectual, social e cultural dos alunos para atender às expectativas e exigências da escola precisam cair por terra com urgência, porque sabemos que podemos refazer a educação escolar, segundo novos paradigmas, preceitos, novas ferramentas, novas tecnologias educacionais.

As condições de que dispomos, hoje, para transformar a escola nos autorizam a propor uma educação escolar única e para todos, em que a cooperação substituirá a competição, pois o que se pretende é que as diferenças se articulem e se componham e que os talentos de cada um sobressaiam.

É inegável que as ferramentas estão aí, para que as mudanças aconteçam e para que reinventemos a escola, desconstruindo a máquina obsoleta que a dinamiza, os conceitos sobre os quais ela se fundamenta, os pilares teórico-metodológicos sobre os quais ela se sustenta. As razões para se justificar a inclusão escolar no nosso cenário educacional não se esgotam nas questões que levantamos e comentamos neste capítulo.

A inclusão também se legitima, porque a escola comum é o espaço de acesso de todos os alunos ao conhecimento; é o lugar que vai lhes proporcionar condições de desenvolvimento e de vida cidadã e oportunidades de crescerem com dignidade.

Incluir é necessário, primordialmente, para melhorar as condições da escola de modo que nela se possam formar gerações mais preparadas para viver a vida na sua plenitude, livremente, sem preconceitos, sem barreiras. Não podemos contemporizar soluções, mesmo que o preço que tenhamos de pagar seja bem alto, pois nunca será tão alto quanto o resgate de uma vida escolar marginalizada, a evasão, a criança estigmatizada sem motivos. Há ainda mais razões para se incluir - a atualização da educação e o aprimoramento das práticas de ensino. A inclusão exige que escolas públicas e particulares façam um esforço de modernização e de reestruturação de suas condições atuais, a fim de responderem às necessidades de cada um de seus alunos, em suas especificidades.

A Inclusão Escolar e a Legislação Brasileira.

A Constituição Brasileira de 1988.

No Brasil, toda escola, em respeito ao direito à educação, deve atender aos princípios constitucionais, não excluindo nenhum aluno, em razão de sua origem, raça, sexo, cor, idade ou deficiência. A Constituição Brasileira de 1988 é clara ao eleger como fundamentos da República a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III); e como um dos seus objetivos fundamentais, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV). Ela ainda garante o direito à igualdade (art. 5º), e trata, no art. 205 e seguintes, do direito de todos à educação. Esse direito deve visar ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Nossa Constituição atual é, pois, um marco na defesa da inclusão escolar e elucida muitas questões e controvérsias referentes a essa inovação, respaldando os que propõem avanços significativos para a educação escolar de pessoas com e sem deficiência. Ela institui como um dos princípios do ensino a igualdade de condições de acesso e permanência na escola (art. 206, inciso I), acrescentando que [...] o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um (art. 208, V). Esses dispositivos já seriam suficientes para que ninguém pudesse negar a qualquer aluno o acesso à mesma sala de aula.

A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência.

Esse documento, celebrado na Guatemala em maio de 1999, e do qual o Brasil é signatário, foi aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 198, de 13 de junho de 2001, e promulgado pelo Decreto nº 3.956, de 08 de outubro de 2001, da Presidência da República e veio reafirmar a necessidade de se rever o caráter discriminatório de algumas de nossas práticas escolares mais comuns e mais perversas - a exclusão internalizada e dissimulada pelos programas ditos compensatórios e à parte das turmas escolares regularmente constituídas, tais como as turmas de aceleração e outras, que acabam por responsabilizar o aluno pelo seu próprio fracasso na escola.

A importância da Convenção no entendimento e na defesa da inclusão está no fato de que deixa clara a impossibilidade de diferenciação com base na deficiência, definindo a discriminação como [...] "toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais (art. I, nº 2"a").

O texto da Convenção, no artigo I, nº 2,"b" esclarece que não constitui discriminação [...]"a diferenciação ou preferência adotada para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência" (art. I, nº 2, "b").

Como a educação deve visar ao pleno desenvolvimento humano e ao preparo para o exercício da cidadania, segundo o artigo 205 da Constituição, qualquer restrição ao acesso a um ambiente, que reflita a sociedade em suas diferenças/diversidade, como meio de preparar a pessoa para a cidadania, seria uma "diferenciação ou preferência", que estaria limitando, "em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas".

Conforme documento editado pelo Ministério Público Federal - Procuradoria Geral dos Direitos do Cidadão, denominado "O acesso de alunos com deficiência às classes e escolas comuns da rede regular de ensino" 1[1] e de acordo com o novo parâmetro relacionado ao princípio da não discriminação, trazido pela Convenção da Guatemala, só se admitem as diferenciações com base na deficiência para permitir o acesso das pessoas com deficiências aos seus direitos, e não para negar-lhes o exercício deles. Por exemplo, no caso de um aluno com problemas motores necessitar de um computador para acompanhar suas aulas, esse instrumento deve ser garantido pelo menos para ele, se não for possível para os demais alunos. Trata-se de uma diferenciação, em razão de uma deficiência, mas para possibilitar a esse aluno o seu acesso à educação. Pela Convenção da Guatemala, não será configurada uma discriminação, se a pessoa não for obrigada a aceitar a diferenciação.

A Convenção da Guatemala não está sendo rigorosamente cumprida no Brasil, conquanto já tenha ocorrido a sua internalização à nossa Constituição. Ela representa um avanço no sentido de se abolirem todas as normas e diretrizes educacionais, escolares, que garantiam às pessoas com deficiência o direito de acesso e freqüência ao ensino regular "sempre que possível", "desde que capazes de se adaptar". Essas situações são típicas da modalidade de inserção escolar, de que tratamos anteriormente, a "integração", que ainda é bastante forte, na educação brasileira.

Este documento nos faz rever, também, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN/1996 no que ela prescreve como direito de opção das pessoas com deficiência e de seus pais ou responsáveis à Educação Especial. No geral e na prática, esse direito é desrespeitado pelas escolas e por profissionais que indevidamente a impõem e a prescrevem aos alunos com deficiência e até mesmo àqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem.

Para se ajustar à Convenção, é indispensável que todos os encaminhamentos de alunos com deficiência a serviços complementares à escolarização ou a atendimentos clínico-terapêuticos tenham a concordância expressa dos pais/responsáveis ou do aluno, quando possível.

Os nossos estabelecimentos de ensino têm, por força da lei, que adotar práticas de ensino adequadas às diferenças dos alunos em geral, oferecendo alternativas que contemplem suas especificidades. Os serviços complementares à escolarização, acima referidos, que se fizerem necessários, para atender às necessidades educacionais dos alunos, com e sem deficiências, precisam ser oferecidos, mas com a garantia de que não discriminem, não façam restrições e exclusões, como comumente ocorrem nos programas de reforço escolar e em outros que se dizem de apoio, para que "alguns alunos" possam se recuperar dos seus atrasos escolares. Seriam esses atrasos de alguns alunos ou da escola, em sua organização pedagógica retrógrada, arcaica, excludente?

Como o acesso a todas as séries do Ensino Fundamental é obrigatório e incondicionalmente garantido a todos os alunos de 7 a 14 anos, os critérios de avaliação e de promoção, com base no aproveitamento escolar, previstos na LDBEN/1996 (art. 24), terão de ser reorganizados para cumprir os princípios constitucionais da igualdade de direito ao acesso e permanência na escola, bem como aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

Para que se cumpra a Convenção da Guatemala, os órgãos responsáveis pela emissão de atos normativos infra-legais e administrativos relacionados à Educação (Ministério da Educação, Conselhos de Educação e Secretarias de todas as esferas administrativas), deverão emitir diretrizes para a Educação Básica, em seus respectivos âmbitos, com orientações adequadas e suficientes para que as escolas em geral recebam, com qualidade, todas as crianças e todos os adolescentes.

Ao defender as pessoas com deficiência de situações de discriminação, a Convenção da Guatemala é o brado mais recente em favor do direito à diferença nas nossas escolas. Mas há ainda outros avanços na interpretação de nossas leis, que esclarecem e prescrevem a inclusão escolar.

A Re-significação da Educação Especial.

No Capítulo III, Da Educação, da Cultura e do Desporto, a Constituição Brasileira diz em seu art. 208, que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...]"atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Esse atendimento é um serviço complementar e necessariamente diferente do ensino escolar e se destina a atender às especificidades dos alunos com deficiência, abrangendo principalmente instrumentos necessários à eliminação das barreiras que as pessoas com deficiência naturalmente têm para relacionar-se com o ambiente externo, como por exemplo: ensino da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS; ensino de Língua Portuguesa para surdos; Sistema Braille; orientação e mobilidade para pessoas cegas; Soroban; ajudas técnicas, incluindo informática; mobilidade e comunicação alternativa/aumentativa; tecnologia assistiva, educação física especializada; enriquecimento e aprofundamento curricular; atividades da vida autônoma e social.

O atendimento educacional especializado é um serviço da Educação Especial re-significada, para atender aos propósitos da educação inclusiva. Esse atendimento está citado na Constituição Federal e é uma das garantias de acesso e de prosseguimento da escolaridade de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação na escola comum, com seus colegas sem deficiência e da mesma faixa etária. As turmas da escola comum favorecem a quebra de qualquer ação discriminatória e favorece todo tipo de interação promotora do desenvolvimento cognitivo, social, motor, afetivo dos alunos, em geral. O direito ao atendimento educacional especializado está igualmente previsto nos artigos 58, 59 e 60 da Lei 9394/96 - LDBEN, que, para não ferir a Constituição, ao usar o termo Educação Especial deve fazê-lo, segundo sua nova interpretação, baseada no que a Constituição/1988 inovou, ao prever o atendimento educacional especializado e não mais os serviços da Educação Especial que constavam das legislações anteriores, como as escolas e classes especiais.

Dizemos uma nova interpretação da Educação Especial, pois esta sempre foi vista como a modalidade de ensino que substituía a escolaridade regular para alunos com deficiência. A Educação Especial, em sua nova concepção, perpassa e complementa as etapas da Educação Básica e Superior. Por esse motivo, os alunos com deficiência, especialmente os que estão em idade de cursar o Ensino Fundamental (dos 06 aos 14 anos de idade), não podem freqüentar unicamente os serviços de Educação Especial (classes especiais, salas de recursos e outros). Eles devem estar matriculados e freqüentando regularmente as turmas de sua faixa etária, nas escolas comuns. Trata-se de cumprir uma prerrogativa legal, que diz respeito ao direito indisponível de todo e qualquer aluno à educação e que, não sendo acatada, pode acarretar aos pais e responsáveis por esses alunos penalidades decorrentes do crime de abandono intelectual de seus filhos.

Embora existam pessoas com deficiências bastante significativas, não podemos esquecer que, como alunos, elas têm o mesmo direito de acesso à educação, em ambiente escolar não segregado, que os seus pares com deficiências menos severas e os alunos sem deficiência da mesma faixa de idade. A participação de alunos severamente prejudicados nas salas de aula de escolas comuns deve ser, portanto, garantida para que eles possam se beneficiar do ambiente regular de ensino e aprender conforme suas possibilidades. Aliás, são esses os alunos que, de fato, provocam mudanças drásticas e necessárias na organização escolar e que fazem com que seus colegas e professores vivam a experiência da diferença, nas salas de aula. O papel da Educação Especial, na perspectiva inclusiva é, pois, muito importante e não pode ser negado, embora dentro dos limites de suas atribuições, sem que sejam extrapolados os seus espaços de atuação específica. Essas atribuições, repetimos, complementam e apóiam o processo de escolarização de alunos com deficiência que estão regularmente matriculados nas escolas comuns.

Considerações Finais.

Diante dessas novidades, a escola brasileira não pode continuar ignorando o que acontece ao seu redor, anulando e marginalizando as diferenças nos processos através dos quais ela forma e instrui os alunos. E muito menos desconhecer que aprender implica em saber expressar, dos mais variados modos, o que nós entendemos; implica em representar o mundo a partir de nossas origens, valores, sentimentos.

Precisamos reverter essa situação crítica, marcada pelo fracasso e pela evasão de uma parte significativa dos seus alunos, os quais são marginalizados pelo insucesso, pelas privações constantes e pela baixa auto-estima resultante da exclusão escolar e da sociedade.

Se o que pretendemos é que a escola seja inclusiva, é urgente que seus planos se redefinam para uma educação voltada à cidadania global, plena, livre de preconceitos e disposta a reconhecer as diferenças entre as pessoas e a emancipação intelectual. Porque não basta uma educação na/para a cidadania. É preciso que se eduque para a liberdade e, nesse sentido, nenhuma forma de subordinação intelectual pode ser admitida. O mito pedagógico do professor como explicador e o próprio princípio da explicação, como nos ensinou Jacotot, é a origem da subordinação intelectual, pois esse princípio, que distingue uma inteligência superior que domina o conhecimento e uma, inferior, que se subjuga a esse domínio, permite ao professor, segundo Rancière (2002) [...] "transmitir seus conhecimentos, adaptando-os às capacidades intelectuais do aluno, e verificar se o aluno entendeu o que acabou de aprender" (p.24). Temos de inverter a lógica do sistema explicador, pois, segundo uma educação libertadora, [...] "é o explicador que tem necessidade do incapaz e não o contrário, é ele que constitui o incapaz como tal" (idem, p 23).

Em todo mundo despontam, aqui e ali, propostas similares de transformação das escolas, o que muito nos anima, pois essas propostas reafirmam a nossa determinação e de outros educadores de assegurar o pleno direito dos escolares a uma educação de qualidade.

Não existe uma regra geral para se construir esta escola que queremos - uma escola para todos. Mas podemos nos aproximar cada vez mais dela, se encararmos a transformação das escolas que hoje temos da forma mais realista possível, abolindo-se tudo o que nos faz pensá-las e organizá-las a partir de modelos que as "idealizam", como temos feito até então. Já se impõe, mesmo timidamente, uma tendência de reorientação das escolas, segundo uma lógica educacional regida por princípios sociais, democráticos, de justiça, de igualdade, contrapondo-se à que é sustentada por valores econômicos e empresariais de produtividade, competitividade, eficiência, modelos "ideais", (sugestão:as aspas aqui daria um sentido de ironia ao termo) que tantas exclusões têm provocado na educação, em todos os seus níveis. Temos de acreditar e dar uma grande virada na educação escolar.

Os desafios para a concretização dos ideais inclusivos na educação brasileira são inúmeros, como se pode perceber pelo o que aqui expusemos. Se, do ponto de vista legal, temos de conciliar os impasses entre nossa Constituição e as leis infraconstitucionais referentes à educação, do ponto de vista educacional, é urgente estimular as mudanças, buscando e divulgando novas práticas pedagógicas, experiências de sucesso, saberes adquiridos em estudos desenvolvidos no cotidiano das nossas escolas. Há ainda que vencer os desafios que nos impõem o conservadorismo das instituições especializadas e enfrentar as pressões políticas e das pessoas com deficiência, que ainda estão muito habituadas a viver de seus rótulos e de benefícios que acentuam a incapacidade, a limitação, o paternalismo e o protecionismo social.

Em janeiro deste ano finalizamos e submetemos ao Senhor Ministro da Educação, Fernando Haddad, o texto final elaborado pelo grupo de trabalho instituído por esse Ministério e do qual tive a honra de fazer parte, da Política Nacional de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva. Essa Política se sustenta legal e teoricamente no que foi exposto neste artigo e esclarece e orienta os sistemas de ensino tendo em vista a re-significação da Educação Escolar e os novos serviços que decorrem dessa nova interpretação, em que o atendimento educacional especializado é a novidade que mais se destaca.

A inclusão propõe uma pedagogia e uma escola das diferenças em contraposição às escolas dos/para os diferentes e a nossa Política de Educação Especial, nessa perspectiva, é um passo decisivo para que consigamos chegar à escola que tanto queremos. Estamos caminhando com muita determinação e buscando os melhores e mais sólidos caminhos para que não se perpetuem em nosso sistema educacional a discriminação e as injustiças em todos os níveis de ensino .

O essencial, em nossa opinião, é que todos os investimentos atuais e futuros da educação brasileira não repitam o passado e reconheçam e valorizem as diferenças na escola. Temos de ter sempre presente que o nosso problema se concentra em tudo o que torna nossas escolas injustas, discriminadoras e excludentes, e que, sem solucioná-lo, não conseguiremos o nível de qualidade de ensino escolar, que requer uma educação verdadeiramente inclusiva.

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Maria Teresa Églér Mantoan. Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas.

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