A EVOLUÇÃO DO ENSINO DA MATEMÁTICA E O PRÉ-SOROBAN
O soroban, aparelho utilizado por pessoas cegas e com baixa visão na efetuação de operações matemáticas, tem sido temática em diversos manuais direcionados a usuários e professores. As abordagens, em geral, descrevem este aparelho, seu manejo, metodologias empregadas em sua utilização, além de listas de exercícios práticos.
O redimensionamento pelo qual passa o ensino da Matemática, o repensar de práticas pedagógicas que privilegiam o uso do raciocínio convergente e linear na maioria das escolas brasileiras, tem influenciado estudiosos que atuam no ensino dessa disciplina para pessoas com deficiência visual e em particular no ensino do soroban.
No Brasil, o ensino do soroban tem sido alvo de acalorados debates nos últimos anos, o que justificou a criação por meio do MEC/SEESP da CBS.
A partir de levantamento bibliográfico, da experiência dos membros da comissão e de pesquisa realizada em âmbito nacional em 2003, foram detectadas no Brasil duas metodologias empregadas no ensino do soroban e diversas adaptações que variam em nível regional.
Ao longo da história o ensino do soroban tem se revelado abstrato e dissociado da vida das pessoas cegas, tanto quanto é a própria Matemática numa versão tradicional que ainda é tão predominante em nossas escolas.
O conjunto de regras constantes nas metodologias ora vigentes para o ensino do soroban, somado às próprias regras inerentes ao ensino da Matemática, faz com que o domínio desse aparelho por pessoas com deficiência visual converta-se em algo rígido, enfadonho e pouco prazeroso.
O Pré-Soroban, conjunto de subsídios teórico-práticos, deriva das novas tendências metodológicas que repensam o ensino da Matemática e constitui objeto principal deste capítulo.
O PAPEL DOS JOGOS NA CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO SIMBÓLICO
As crianças em sua prática social aprendem e produzem brincadeiras, jogos e contos, em que estão presentes e são desenvolvidas noções e representações matemáticas, muito antes de ingressarem na escola formal.
Piaget, (apud Moraes Dias, 1990), defendeu ser “a representação de atos por meio de jogos simbólicos a primeira possibilidade de pensamento propriamente dito”.
No dizer deste autor, a imaginação criadora da criança surge em forma de jogo sensório-motor, que se transforma em jogo simbólico, ampliando suas possibilidades de ação e compreensão do mundo.
Na linguagem infantil, as crianças transformam sombras em dragões, pedras em aves, pedaços de madeira em valentes guerreiros, onde tais jogos e brincadeiras são instrumentos fundamentais no processo de construção do pensamento e da própria linguagem verbal socializada.
Piaget embasou parte de seus estudos sobre os estágios do desenvolvimento cognitivo na observação de jogos e brincadeiras de sua própria filha.
Na vasta produção acadêmica sobre essa temática podemos encontrar muitos exemplos de jogos infantis que demonstram as várias fases de desenvolvimento intelectual.
ASPECTOS PECULIARES NO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
Em um mundo eminentemente visual, cuja produção acadêmica atende prioritariamente em suas pesquisas ao paradigma da normalidade e da homogeneidade, convém indagar:
□ Como se processa o desenvolvimento do pensamento cognitivo em crianças cegas ou com baixa visão?
□ Que aspectos devem ser levados em conta para favorecer esse desenvolvimento?
□ Qual a importância de se compreender e de se oportunizar essa forma diferente de interação com o meio?
Essas questões remetem-nos a um rápido situar sobre o que pensam alguns pesquisadores a esse respeito, visando garantir o espaço da criança com deficiência visual em sua dinâmica relação com o mundo, por meio de jogos que lhes serão peculiar, adequados a sua forma de compreensão e formação do pensamento simbólico, tão importante para consolidar os rudimentos do pensamento lógico-matemático a que se propõe esse estudo.
Segundo Amiralian (1997), a formação de conceitos, a capacidade classificatória, o raciocínio, as representações mentais e outras funções cognitivas revelam-se como fatores críticos para a educação de crianças cegas constituindo-se preocupações prioritárias para teóricos que desenvolveram estudos e pesquisas sobre o referencial piagetiano.
Gottesman (apud Amiralian, 1997:39) transcreve um trecho de uma conferência proferida por Piaget na Universidade de Columbia onde esse teórico fez algumas alusões a possíveis desvantagens no desenvolvimento de crianças cegas, decorrentes das limitações acarretadas por essa deficiência no seu viver cotidiano.
Nas palavras de Piaget:
Bebês cegos têm uma grande desvantagem por não poderem fazer a mesma coordenação do espaço que as crianças normais são capazes durante os dois primeiros anos de vida; assim, o desenvolvimento da inteligência sensório-motora e a coordenação das ações neste nível são seriamente impedidos na criança cega. Por essa razão, achamos que há um grande atraso no seu desenvolvimento no nível do pensamento representacional e a linguagem não é suficiente para compensar a deficiência na coordenação das ações. O atraso é posteriormente compensado, mas ele é significante e muito mais considerado do que o atraso no desenvolvimento da lógica de crianças surdas....(apud Amiralian, 1997; 39)
O desenvolvimento cognitivo da criança cega é bastante complexo, pois, por um lado ela é completamente dependente do mediador vidente e, por outro está dissociada da concepção que o mediador tem do mundo.
Com base nessas reflexões podemos inferir que, caso o referencial visual seja imposto como alternativa única para a construção da realidade por uma criança cega, o seu processo de interação com essa realidade será bastante limitado. (Souza, 2000).
A este respeito, Simmons e Santin (1996:09) concluem que: “a cada fase do desenvolvimento da criança, provavelmente haverá confusão quando ela tenta resolver o conflito entre sua experiência privada e pública”.
Chamamos a atenção para esse aspecto, à medida que professores devem ser bastante detalhistas em explicações, atentos também aos conteúdos simbólicos que essas crianças trazem no seu processo de representação de conceitos. (Souza, 2000).
Gottesman (apud Massini, 1994:43-44) conclui em seus estudos não haver diferenças significativas nos vários níveis de idade em relação às tarefas realizadas por cegos e videntes. Esse autor selecionou em seu grupo de pesquisa sujeitos cegos integrados no meio familiar. Essas pessoas eram tratadas, primeiro como crianças, depois como cegas.
O grau de liberdade propiciado pelos pais contribui de maneira crucial para esse desenvolvimento. Embora
o autor reconheça o papel significante que a visão desempenha na aquisição de conceitos, sugere que:
Padrões e critérios podem ser estabelecidos para maximizar a função potencial de crianças cegas menos capazes. Currículos e materiais educacionais podem ser produzidos para responder aos vários níveis de necessidades.Gottesman (apud Massini, 1994.p.43-44)
Anderson (apud Massini, 1994:46) examinou os efeitos da falta da visão nos conceitos que crianças cegas apresentam de objetos comuns; verificou esses conceitos pelos atributos que elas usam para descrevê- los.
O autor conclui que os sujeitos da pesquisa desenvolveram suas imagens mentais ou conceitos dos objetos a partir de suas próprias experiências com o mundo e com a forma de linguagem que eles usam, independentemente das influências das representações mentais das pessoas videntes. Esse autor sugere algumas recomendações de ordem prática para a intervenção com pessoas cegas, a saber:
□ necessidades de prover crianças cegas com programas de atividades orientados para amplas oportunidades de explorar e fazer experimentações com objetos;
□ ensiná-las a usar métodos mais apropriados e sistemáticos de obter informações táteis;
□ organizar o currículo escolar de forma a encorajar crianças cegas congênitas a investigar mais criativamente o uso de objetos comuns.
Num país em que as limitações da cegueira somam-se às limitações econômicas, ressaltamos a necessidade de maiores investimentos em políticas públicas de subsídio a programas de estimulação precoce e aconselhamento familiar, visando propiciar à criança cega uma participação mais ativa na investigação e elaboração do seu cotidiano. (Souza, 2000).
Fonte de pesquisa: Estudos do Ministério da Educação