Ally e Ryan

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terça-feira, 6 de setembro de 2011

O Decreto 5.626/05 e as questões de formação dos TILS


O Decreto 5.626 prevê, entre outras ações, um exame nacional – o Prolibras - que visa certificar tradutores-intérpretes de Libras. Este exame propõe-se a avaliar a proficiência em Libras e a capacidade de verter enunciados desta língua para o Português e vice-versa. Contudo, a competência em língua portuguesa não é avaliada de maneira específica e o foco do exame está na fluência em Libras. Uma vez certificada, a pessoa pode atuar como TILS em qualquer área e, tendo formação em nível superior, poderá exercer sua função em todos os níveis de ensino e, com formação em nível médio, atuará apenas na Educação Básica.

Não há qualquer atenção para as competências nas diferentes áreas de conhecimento, nem sobre os diferentes campos (área jurídica, de saúde, eventos científicos e etc). A criação deste exame nacional, previsto para vigorar até que ocorra formação específica para os profissionais TILS em nível superior, é um modo de reconhecer aqueles que já atuavam nessa função, além de rapidamente certificar profissionais para oferecer ao mercado, que, com a vigência do próprio decreto, demandava com urgência TILS para atuarem nas salas de aula.

Entre outros pontos, o decreto traz em si também o embrião de propostas de cursos de graduação para formar professores de Libras e TILS. O primeiro curso para atender esta necessidade foi criado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e visava à formação de professores de Libras, preferencialmente surdos (Curso de Licenciatura Letras/Libras), organizado na modalidade ensino a distância, e oferecido inicialmente em 15 polos espalhados pelo país, coordenados localmente por IES públicas federais e estaduais, com 50 vagas em cada polo.

Apenas em 2008, a UFSC passa a oferecer também o Curso de Graduação Letras/Libras Bacharelado para formação de TILS, na modalidade ensino a distância em 20 polos no Brasil.

Em 2005, antes mesmo da publicação do referido decreto, algumas IES privadas divulgaram a abertura de cursos de formação em nível superior como forma de atender a demanda crescente por TILS pelas IES, induzida pela Lei 10.098. Não se observou a criação de cursos de graduação/bacharelado, com duração de três anos ou mais, mas cursos com menor duração (modalidade sequencial e/ou tecnólogo), talvez pelo interesse em melhor compreender a necessidade e a demanda por esse profissional, e a falta de história anterior de formação do TILS. As grades curriculares destes cursos revelam ênfase na formação/aprofundamento do conhecimento em Libras, em aspectos específicos da teoria e técnicas de interpretação e formação prática em interpretação. Menos de uma dezena de cursos foram abertos nestas condições em todo país, com formação de número restrito de profissionais.

A formação de tradutores e intérpretes de línguas orais é, na atualidade, uma área consolidada, já que há pelo menos 50 anos em diferentes países se conta com a experiência de formação em nível superior. O fundamento principal é ter conhecimento amplo e profundo tanto da língua de partida como da língua alvo, sendo que aos tradutores caberá dominar bem a língua escrita, e aos intérpretes o domínio prestimoso da língua oral. Tal domínio é condição prévia e indispensável para a atuação de tradutores e de intérpretes, e os programas de formação desses profissionais não têm como objetivo o ensino de línguas. O domínio das línguas de trabalho deve anteceder a formação de tradutores e intérpretes.

Este aspecto é um ponto discrepante nas exigências observadas para a formação de TILS. No curso oferecido pela UFSC, o vestibular é feito em Libras, o que pressupõe que o candidato tenha domínio nessa língua. Todavia, pelo modo como é organizada a prova, avalia-se um conhecimento em Libras que, entretanto, não assegura fluência nessa língua. Além disso, o Português é pouco avaliado, dado como conhecido pelos candidatos, o que nem sempre se verifica, pois pessoas fluentes em Libras podem ter domínio precário do Português em sua norma padrão. Quando se analisa a grade curricular do curso, há um eixo de disciplinas voltadas para o ensino e aprimoramento da Libras (cinco disciplinas). Contudo, o mesmo não se verifica em relação ao Português.

Há disciplinas sobre aspectos gramaticais e questões teóricas, mas que não focalizam o estudo do Português enquanto fluência e uso da língua em diferentes contextos discursivos. Outras disciplinas propostas abordam o Português, mas já envolvido em processos tradutórios em relação à Libras. Sobre as técnicas de tradução/interpretação trabalhadas com os alunos, pouco se pode dizer já que as ementas ou programas de disciplinas não se encontram disponíveis (LETRAS/LIBRAS, 2009) e o curso foi iniciado recentemente, apenas dois semestres foram concluídos, envolvendo principalmente disciplinas básicas, com foco teórico.

Nos cursos oferecidos pelas IES privadas, são aceitos estudantes sem conhecimento prévio de Libras e os cursos são construídos de modo que o aluno aprenda a Libras durante sua formação. Ressalta-se que é incentivada a convivência com a comunidade surda para maior desenvolvimento e fluência na língua, e, frequentemente, o desempenho em Libras alcançado no decorrer do curso é avaliado como de boa qualidade, já que as experiências informais com a comunidade surda são entremeadas com experiências de reflexão formal sobre a língua nas aulas, o que favorece aquisição e uso adequado da língua.

Contudo, nem sempre é fácil o estudante adquirir e tornar-se fluente em uma língua nova durante a formação, que, em muitos casos, é de aproximadamente dois anos. O ensino do Português também não é enfatizado.

Cabe destacar que a aceitação de estudantes sem fluência prévia em Libras se dá porque, se ela for exigida como requisito para o ingresso nos cursos, nem sempre será possível a formação de novas turmas. Esta não é uma realidade específica do Brasil, já que o mesmo fenômeno também é observado em outros países (TAYLOR, 2002). A língua de sinais é, em geral, uma língua de menor prestigio social e o interesse por ela emerge justamente pela oportunidade de postos de trabalho que oferece e, nesse sentido ter a língua previamente adquirida é pouco frequente. Em países como os EUA, verifica-se a mesma realidade, já que a atuação como intérprete de línguas de sinais não envolve atividades de prestigio econômico – acompanhar executivos em transações de negócios, eventos científicos e empresariais (como é o caso de intérpretes de línguas orais – inglês, alemão, chinês, por exemplo). A atuação como TILS têm na educação sua fonte principal de empregabilidade, área com histórico de remuneração menos atraente.

Além disso, os poucos cursos propostos no Brasil, tanto pelas IES públicas como pelas privadas, oferecem formação para a atuação do TILS em todas as áreas. Entretanto, na atualidade, a demanda mais importante por este profissional está na área educacional e os estudantes nem sempre recebem formação aprofundada para atuar neste campo e refletir sobre as especificidades de seu papel nos diferentes níveis de ensino. Por este motivo, defende-se que a formação dos TILS enfatize também as questões que envolvam o campo educacional e os princípios da educação inclusiva bilíngue, na medida em que este profissional terá papel fundamental no processo de aprendizagem das pessoas surdas.

Fonte - Cadernos de Educação
FaE/PPGE/UFPel

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