Ally e Ryan

Ally e Ryan

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O Tradutor-Intérprete de Língua de Sinais


O TILS é um profissional fundamental para mediar o acesso aos conhecimentos para alunos surdos, conforme prevê o Decreto 5.626/05.

Nesta direção, torna-se fácil compreender a demanda crescente por este profissional, já que muitos surdos ingressam a cada ano nas escolas, além daqueles que estavam fora dela por não terem como avançar em seus estudos e conhecimentos em um projeto educacional monolíngue.

Eles se encaminham para o espaço escolar em busca de conhecimento sentindo-se acolhidos pela presença da Libras.

Todavia, este profissional tem sido historicamente constituído na informalidade, nas relações sociais, pela demanda dos próprios surdos que inúmeras vezes precisam de intérpretes para mediar sua comunicação com ouvintes. A maioria dos intérpretes aprendeu ou desenvolveu sua fluência em Libras em espaços religiosos (que por sua necessidade de propiciar acesso à doutrina à comunidade surda, capacitam e acolhem fiéis usuários ou interessados na língua de sinais).

Assim, os grupos religiosos têm-se apresentado no decorrer das últimas décadas como comunidades solidárias à condição bilíngue dos surdos, e nelas pessoas que se interessam pela língua de sinais (ou por terem parentes surdos, ou amigos, ou mesmo por afinidade) ampliam seus conhecimentos e são convidadas a mediar situações mais ou menos formais entre surdos e ouvintes. Então, o intérprete molda-se às demandas da prática e vai constituindo-se como TILS nas e pelas experiências que vai vivenciando.

É neste contexto que, na década de 1990, surgem tentativas de dar uma formação mais específica para estes profissionais, principalmente por iniciativa da Federação Nacional de Educação e Instrução dos Surdos (FENEIS), que, observando a heterogeneidade de desempenho dos intérpretes, propõe cursos de curta duração para formação. Estes cursos eram, em geral, ministrados por ouvintes e, ocasionalmente, por surdos e visavam ampliar os conhecimentos e fluência em Libras, sem outros focos de atenção.

Além desta formação, nos últimos 20 anos, foram realizados alguns encontros regionais e/ou nacionais de intérpretes de Libras, objetivando a troca de experiências e formação sobre aspectos pontuais relativos à atuação como intérprete (destacam-se discussões sobre ética e código de ética profissional) e, apenas em 2008, os TILS em todo o país conseguiram organizar-se em associações regionais, criando em seguida uma federação nacional (FEBRAPILS) com representatividade junto ao World Association of Sign Language Interpreters - WASLI (órgão internacional que representa TILS do mundo todo). Ou seja, trata-se de organização recente, que passará a apoiar o profissional e colaborar para sua formação.

A assunção da abordagem bilíngue para educação de surdos e seus desdobramentos político-pedagógicos é nova no espaço educacional para todos que nele atuam. A abordagem bilíngue passa a fazer parte das políticas educacionais brasileiras apenas na última década, em função da pressão dos movimentos sociais, dos resultados de pesquisas nas áreas da Linguística e Educação e da incorporação desses novos conhecimentos e tendências às agendas governamentais. Deste modo, formar para atuar em espaços educacionais bilíngues é uma necessidade atual.

Todavia, por ser muito recente, a formação oferecida é, em geral, fruto da experiência daqueles que vêm atuando como intérpretes há mais tempo, fundamentada prioritariamente em suas práticas.

Na página da FENEIS disponível na internet (FENEIS, 2009), afirma-se que a formação oferecida busca orientar e esclarecer sobre aspectos importantes na situação de interpretação, sem detalhar, entretanto, quais seriam estes aspectos. Defende-se que o profissional intérprete deve conhecer profundamente a Libras e as técnicas de interpretação, mantendo sua postura ética profissional, atento ao vestuário, “aparência pessoal, iluminação, local, fundo visual, barulhos laterais, acomodações, posição natural para sinalizar, tempo de interpretação, expressões faciais, uso do alfabeto manual, tautologia, expressões idiomáticas, possíveis distrações e outros” (FENEIS, 2009).

Para a FENEIS, o intérprete deve ser imparcial, não deixando que suas opções pessoais, religiosidade ou amizades interfiram em seu trabalho, e o fato de a pessoa ser filha de pais surdos não a capacita automaticamente para atuar como intérprete, já que uma aprendizagem específica para esta função se faz necessária. A entidade contribui para o fortalecimento e reconhecimento da carreira de intérpretes, realizando cursos de capacitação e oficinas de aprimoramento, além de encontros para discussão de temas relacionados à área.

Em relação à preparação para tornar-se TILS, a FENEIS indica que os interessados devem frequentar cursos de língua de sinais e conviver com pessoas surdas nas associações, para desenvolverem um uso efetivo da língua em situações de comunicação concretas. Contudo, apenas conhecer a Libras não é suficiente, sendo necessário ter boa fluência para poder interpretar, versando sentidos do Português para a Libras e vice-versa. O foco do texto disponibilizado pela FENEIS recai também sobre aspectos éticos e a questão da confiança entre pessoa surda e intérprete, já que o surdo depende deste profissional para várias situações sociais nas quais ele terá de se expor (médicos, advogados, entre outros) e precisa confiar na atuação do TILS, já que questões pessoais estão envolvidas. O que se destaca é que aspectos específicos da ação de interpretar não são tratados, e apenas se afirma que as questões técnicas são complexas e precisam ser cuidadas, não indicando como se pretende formar melhor os intérpretes.

Além disso, argumenta-se que o envolvimento da comunidade surda e sua maior participação social demandará maior complexidade da atuação do TILS. A formação de TILS suscita continua atenção aos níveis de participação da comunidade surda na sociedade em geral, já que seu envolvimento em diferentes práticas sociais (eventos científicos, jogos olímpicos, ações junto ao poder legislativo, frequentar diversos níveis de ensino em diferentes campos do conhecimento) implica demandas mais complexas, exigindo consequente refinamento da atuação do intérprete.

Dependendo de seu nível de participação social, a comunidade surda atentará para aspectos da formação dos intérpretes, buscando profissionais cada vez mais competentes como verificado em países que assumiram a abordagem bilíngue há mais tempo (por exemplo: Dinamarca, Suécia e Finlândia), com experiências de formação de TILS mais consolidadas (FENEIS, 2009).

No Brasil, a publicação do Decreto 5.626 tornou obrigatória a presença deste profissional nos espaços educacionais que recebem alunos surdos. Na verdade, a Lei 10.098, de 2000, na perspectiva da educação inclusiva, já previa a presença do TILS no nível superior, não havendo, contudo, nenhuma descrição de como formá-lo. Assim, as instituições de ensino superior (IES), para atender a demandas judiciais e/ou da comunidade surda, passaram a contratar pessoas que se dispunham a atuar como TILS sem avaliar mais pormenorizadamente sua formação e competência para exercer esta função. Importava que atuassem em sala de aula de forma satisfatória diante do aluno surdo e do professores. Neste contexto, a entrada dos TILS na educação deu-se sem um cuidado com sua formação prévia, e tornou-se comum pessoas sem formação no nível superior atuarem como intérpretes neste nível de ensino, ou ainda, não terem formação específica nas áreas de conhecimento em que atuavam.

Ao mesmo tempo, o aluno surdo que chega ao ensino superior, muitas vezes, tem domínio restrito da Libras e menor ainda do léxico da área de conhecimento específico na qual está estudando. Nem tudo que o intérprete traduz em Libras é acessível a ele, gerando problemas no espaço acadêmico. Além disso, as IES, de modo geral, estavam pouco preparadas para a inclusão do aluno surdo e, consequentemente, para a presença do intérprete em sala de aula. Professores resistentes à presença do TILS, preparando aulas considerando somente os alunos ouvintes; desentendimento entre professores e intérpretes que se refere aos processos de avaliação dos alunos são frequentes. Observa-se, de forma geral, um despreparo de todos os atores para compartilharem esta cena. Fazeres e práticas são tecidas nas experiências, muitas vezes, enfrentando problemas que poderiam ser evitados, com planejamento comum anterior, oferecimento do material a ser trabalhado em sala ao intérprete com antecedência, conhecimento do professor sobre as

necessidades e possibilidades dos estudantes surdos, para ações pedagógicas mais adequadas. Na verdade, não se verifica a presença de um Projeto Político Pedagógico nas IES que contemple a inclusão de alunos surdos, para além da presença do intérprete em sala de aula (MARTINS, 2008).

Estas mesmas dificuldades se repetem na Educação Básica, quando a presença do TILS passou a ser obrigatória diante da matricula de alunos surdos no ensino fundamental segunda etapa e ensino médio. A formação dos TILS não sanará todos os problemas apontados, mas a ausência de formação, certamente, colabora para que muitas dessas dificuldades se aprofundem.

Fonte - Cadernos de Educação
FaE/PPGE/UFPel

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