Ally e Ryan

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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

25 mitos sobre gagueira

Autores: Sandra Merlo e Hugo Silva.



Revisão: Ignês Maia Ribeiro.


1. Mito: A gagueira é um hábito adquirido.

Realidade: Afirmar que a gagueira é um hábito significa que a pessoa começaria a gaguejar voluntariamente e, com a prática, a gagueira se tornaria automática. Não é isso o que acontece. A gagueira é um distúrbio neurobiológico causado provavelmente pelo mau funcionamento de áreas do cérebro responsáveis pela automatização da fala: os núcleos da base não conseguem ajustar adequadamente o tempo de duração de sons e sílabas, ocasionando alongamentos, bloqueios ou repetições. Esta disfunção é resultado de uma predisposição genética ou de uma alteração na estrutura do próprio cérebro. Portanto, a gagueira não pode ser simplesmente aprendida por imitação, porque ocorre em pessoas que, de alguma forma, estão propensas a ela.

2. Mito: Se eu não gaguejo em algumas situações (por exemplo: cantar, ler em coro, falar com outro sotaque, representar um personagem, sussurrar), é sinal de que posso ser fluente em todas as situações. Se não consigo ser sempre fluente, a culpa é minha.

Realidade: Dependendo do contexto, a fala é processada por diferentes partes do cérebro. As variações situacionais da gagueira - embora possam soar indevidamente como um problema emocional ou de ansiedade social - refletem apenas diferenças no modo como o cérebro processa a fala de acordo com a circunstância, usando um de dois sistemas pré-motores para fazer a temporalização do movimento: o sistema pré-motor medial ou o sistema pré-motor lateral. Na gagueira, o sistema pré-motor medial, responsável pela fala espontânea e integrado pelos núcleos da base, é o que tende a estar comprometido. Por outro lado, o sistema pré-motor lateral, responsável pela fala não-espontânea (como falar sozinho, cantar, ler em coro, representar um personagem e sussurrar) e integrado pelo cerebelo, tende a estar íntegro. Assim, a melhora da gagueira em situações que não envolvem fala espontânea é esperada e não significa que esta melhora possa ser transferida para a fala espontânea, uma vez que são processamentos distintos.

3. Mito: Pessoas com gagueira nunca gaguejam cantando ou quando representam um personagem no teatro.

Realidade: A maior parte das pessoas com gagueira realmente não gagueja quando canta. Entretanto, algumas pessoas com gagueira podem enfrentar dificuldades para iniciar o canto, outras podem gaguejar apenas quando cantam músicas de ritmo quase falado (como o rap, por exemplo) e outras ainda podem gaguejar no canto da mesma forma que gaguejam quando falam. Da mesma forma, boa parte das pessoas com gagueira não gagueja quando representa um personagem no teatro. A explicação para a ausência da gagueira durante o canto ou a representação de um personagem está em como o cérebro processa estas formas de expressão verbal: ambas tendem a ser processadas pelo sistema pré-motor lateral, que tende a estar preservado nas pessoas que gaguejam. Quando a gagueira ocorre durante o canto ou durante a representação de personagens, significa que o processamento não foi transferido para o sistema pré-motor lateral ou que também há algum comprometimento neste sistema.

4. Mito: O fato de as pessoas com gagueira experimentarem melhora na fluência em situações de alteração de feedback auditivo (atraso, alteração de freqüência ou mascaramento) prova que a gagueira é psicológica, porque não haveria nenhuma razão para a gagueira melhorar sob estas condições.

Realidade: Quando o feedback auditivo é modificado, a fala não é mais processada de forma automática pelo cérebro. Nestes casos, o cerebelo entra em ação, porque se torna necessário extrair pistas acústicas do som externo para temporalizar a fala. É o mesmo efeito que ocorre com a leitura em coro e com o falar ao ritmo de um metrônomo, que também melhoram a gagueira de muitas pessoas.

5. Mito: O fato de as pessoas com gagueira vivenciarem piora da gagueira de acordo com o interlocutor prova que a gagueira é psicológica.

Realidade: Oscilações na gagueira que dependem do interlocutor geralmente podem ser explicadas pela ativação da resposta de congelamento. A resposta de congelamento está relacionada a uma baixa geral de atividade do organismo, incluindo diminuição dos batimentos cardíacos, da pressão arterial e dos movimentos de fala. Quando uma pessoa (com gagueira ou não) se encontra em uma situação de dúvida, o cérebro dá uma ordem para o corpo se movimentar menos até que a pessoa decida o que fazer. No caso de pessoas que gaguejam, a situação de ambigüidade pode piorar a gagueira. Este efeito também pode explicar a melhora da gagueira quando a pessoa fala ou lê sozinha.

6. Mito: Geralmente tenho dificuldade para dizer meu nome e meu número de telefone quando as pessoas solicitam. Entretanto, consigo dizê-los fluentemente se estou sozinho. Isso é uma evidência de que a gagueira é psicológica.

Realidade: Este efeito pode ser explicado por três fatores. Primeiro, a gagueira é um distúrbio de fala espontânea, isso quer dizer que ela tende a se manifestar com maior intensidade quando a fala é utilizada de maneira proposicional, isto é, quando a fala de fato tem finalidade prática. Falar uma expressão fora de contexto (quando se está sozinho, por exemplo) diminui a proposicionalidade daquela expressão, fazendo com que a gagueira também diminua. Segundo, no contexto real, existe uma pressão de tempo natural, ou seja, a expressão deve ser proferida no tempo adequado. Lembrando que a dificuldade de temporalização é justamente a maior dificuldade das pessoas que gaguejam, não é de se espantar que a dificuldade aumente quando a pressão de tempo está presente. Terceiro, se a pessoa reagir negativamente frente à antecipação da ocorrência da gagueira, a gagueira também terá maior probabilidade de ocorrer devido à ativação da resposta de congelamento, que faz com que o corpo tenda a paralisar, alterando assim a produção da fala. É bom lembrar que muitos outros distúrbios oscilam de acordo com a situação (por exemplo: Síndrome de Tourette, disfonia espasmódica, doença de Parkinson), não sendo esta uma característica exclusiva da gagueira.

7. Mito: Se eu não gaguejasse, minha vida seria perfeita e eu conseguiria realizar todos os meus sonhos.

Realidade: A gagueira de origem hereditária parece envolver níveis elevados do neurotransmissor dopamina e um funcionamento atípico de receptores dopaminérgicos em determinadas áreas do cérebro. O excesso de atividade dopaminérgica está relacionado a dificuldades na automatização de movimentos (como os de fala, gerando a gagueira), mas também está relacionado a um maior desempenho intelectual, maior capacidade de atenção e menor tendência à hiperatividade e impulsividade. A gagueira por lesão neurológica envolve dano físico ou bioquímico aos núcleos da base, estando relacionada a menor capacidade de atenção e maior tendência à hiperatividade e impulsividade. Portanto, se você não gaguejasse, você não seria quem é; sua vida e seus problemas seriam outros. (continua amanhã)

FONTE: Instituto Brasileiro de Fluência

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