Século XIX.
Já no século XIX, a questão da deficiência aparece de maneira mais recorrente em função do aumento dos conflitos militares (Canudos, outras revoltas regionais e a guerra contra o Paraguai). O general Duque de Caxias externou ao Governo Imperial suas preocupações com os soldados que adquiriam deficiência. Foi então inaugurado no Rio de Janeiro, em 29 de julho de 1868, o “Asilo dos Inválidos da Pátria”, onde “seriam recolhidos e tratados os soldados na velhice ou os mutilados de guerra, além de ministrar a educação aos órfãos e filhos de militares” (Figueira, 2008, p. 63). Apesar da intenção humanitária, as referências históricas expressam um quadro de extrema precariedade no funcionamento da instituição durante o período imperial . Mesmo assim, e certamente com alguma melhora nas condições de atendimento, o Asilo Inválidos da Pátria permaneceu funcionando por 107 anos, somente sendo desativado em 1976.
O Século XX e o Modelo Médico.
O avanço da medicina ao longo do século XX trouxe consigo uma maior atenção em relação as pessoas com deficiência. A criação dos hospitais-escolas, como o Hospital das Clínicas de São Paulo, na década de 40, significou a produção de novos estudos e pesquisas no campo da reabilitação. Nesse contexto, como não poderia ser diferente, havia uma clara associação entre a deficiência e a área médica. Na verdade, ainda em meados do século XIX, com a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos (1854), ficava explícita uma relação entre doença e deficiência que, sem exagero algum, permanece até os dias atuais (em que pese a luta do movimento organizado das pessoas com deficiência a partir de 1981 pelo chamado “modelo social” para tratar dessa questão, em oposição ao modelo “médico-clínico”).
O fato é que, ao longo de nossa história, assim como ocorreu em outros países, a deficiência foi tratada em ambientes hospitalares e assistenciais. Ao estudar o assunto, os médicos tornavam-se os grandes especialistas nessa seara e passavam a influenciar, por exemplo, a questão educacional das pessoas com deficiência, tendo atuação direta como diretores ou mesmo professores das primeiras instituições brasileiras voltadas para a população em questão.
O grau de desconhecimento sobre as deficiências e suas potencialidades, porém, permaneceu elevado na primeira metade do século XX, o que se percebe pelo número considerável de pessoas com deficiência mental tratadas como doentes mentais. A falta de exames ou diagnósticos mais precisos resultou numa história de vida trágica para milhares de pessoas nesta condição, internadas em instituições e completamente apartadas do convívio social.
Antes da existência das instituições especializadas, as pessoas com deficiência tiveram, em grande medida, sua trajetória de vida definida quase que exclusivamente pelas respectivas famílias. O Imperial Instituto dos Meninos Cegos (1854), que citamos acima, marca o momento a partir do qual a questão da deficiência deixou de ser responsabilidade única da família, passando a ser um “problema” do Estado. Mas não enquanto uma questão geral de política pública, pois o que ocorreu foi a transferência dessa responsabilidade para instituições privadas e beneficentes, eventualmente apoiados pelo Estado. Estas instituições ampliaram sua linha de atuação para além da reabilitação médica, assumindo a educação das pessoas com deficiência. Até 1950, segundo dados oficiais, havia 40 estabelecimentos de educação especial somente para pessoas com deficiência intelectuais (14 para outras deficiências, principalmente a surdez e a cegueira).
Na década de 40, cunhou-se a expressão “crianças excepcionais”, cujo significado se referia a “aquelas que se desviavam acentuadamente para cima ou para baixo da norma do seu grupo em relação a uma ou várias características mentais, físicas ou sociais” (Figueira, 2008, p. 94). O senso comum indicava que estas crianças não poderiam estar nas escolas regulares, do que decorre a criação de entidades até hoje conhecidas, como a Sociedade Pestallozzi de São Paulo (1952) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE do Rio de Janeiro (1954). Essas entidades, até hoje influentes, passaram a pressionar o poder público para que este incluísse na legislação e na dotação de recursos a chamada “educação especial”, o que ocorre, pela primeira vez, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961.
Felizmente, percebeu-se com o tempo que, assim como acontecia em outros países, as pessoas com deficiência poderiam estar nos ambientes escolares e de trabalho comuns a toda população, freqüentando também o comércio, bares, restaurantes ou prédios públicos, enfim, não precisariam estar sempre circunscritas ao espaço familiar ou das instituições especializadas. Esta percepção está refletida na expansão de leis e decretos sobre os mais variados temas a partir, principalmente, da década de 80, como discutiremos mais à frente.
Fonte: http://www.bengalalegal.com/
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