Drª Luciene M. da Silva
"Vivemos atualmente uma hiperexposição do corpo como produto, algo passível de elaboração e reconstrução, tendo como referência uma cartografia corporal com toques de sedução e negação dos traços do tempo. Sabemos que os meios de comunicação, por si sós, não determinam modelos estéticos corporais; são, porém, um poderoso braço ideológico de divulgação e convencimento dos padrões selecionados e acionados pela indústria. A produção televisiva no Brasil, reconhecidamente intensa, e uma população vulnerável e receptiva aos seus produtos, devido ao baixo nível de escolaridade e rendimento, são componentes fundamentais para a legitimação de "necessidades" e formas de satisfazê-las. A não-visibilidade das pessoas com deficiência no âmbito das relações sociais é o que determina sua ausência na mídia, posto que, na lógica da indústria cultural, não existem necessidades a elas relacionadas. Sendo assim, o silêncio sobre elas é anterior e exterior aos veículos de comunicação, e suas poucas aparições ficam restritas às campanhas publicitárias para arrecadação de recursos para as instituições filantrópicas que veiculam mensagens que as representam como vítimas ou como heróis.
A televisão, como um dos mais poderosos veículos de comunicação atualmente, forja a hegemonia de valores por meio dos programas de entretenimento, jornalismo e publicidade, tornando-os referência para milhões de consumidores. Sua mensagem, que alia discurso e imagem, combina, de forma híbrida, diversos roteiros e mensagens sobre o "ser deficiente", mesmo sem freqüentemente mostrá-lo, veiculando estereótipos diversos a partir de matérias de suposta prestação de serviços, informações imprecisas e errôneas, personagens caricatos em que predominam os discursos beneficentes, preconceituosos e sensacionalistas. O enfoque dado pela mídia às notícias que envolvem pessoas com deficiência as coloca numa posição de vítima, com ênfase na impotência e dependência, revigorando a discriminação. A publicação Mídia e deficiência, coordenada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e Fundação Banco do Brasil, assinala:
Mesmo quando existe interesse e desejo de realizar uma boa cobertura, os jornalistas se deparam com a desinformação sobre aspectos educacionais, jurídicos, técnicos, médicos, éticos e políticos. [...] Não há preocupação em divulgar serviços relacionados à melhora da qualidade de vida de crianças, adolescentes, adultos e idosos com deficiência. Mais de 60% das matérias analisadas só ouviram uma fonte. Na maioria delas tampouco há clareza sobre os direitos desses cidadãos. E quase sempre a entrada da questão na pauta dos meios depende de eventos organizados por entidades interessadas na causa ou da agenda de órgãos oficiais. (Vivarta, 2003, p. 35)
Além disso, não se percebe uma atitude de pressão, por parte dos meios de comunicação, para que os órgãos públicos prestem serviços a esse segmento da população, na medida em que veiculam matérias que envolvem muito mais as entidades filantrópicas e suas realizações, deixando no esquecimento os órgãos do Estado responsáveis por políticas públicas na área, a exemplo da Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE) e a Secretaria de Educação Especial (SEESP), ou ainda o projeto de lei de autoria do senador Paulo Paim, que busca estabelecer mecanismos e ações legais para assegurar os plenos direitos dessas pessoas.
Freqüentemente, das pessoas com deficiência é retirada a possibilidade de constituírem-se como sujeitos, porque lhes são atribuídas qualidades especiais que tornam natural a sua condição de "pessoa deficiente" e, como tal, sem necessidades cognitivas, de interações sociais ou de aprendizagem. Esse processo de "sublimação" é responsável pelo tratamento assistencialista prestado por instituições especializadas e voluntários que impregnam suas práticas de um amor caridoso justificado por um entendimento de que essas pessoas são naturalmente boas, carentes e puras. É perceptível o sentimento de gratidão que têm essas pessoas pelos "voluntários". Uma certa comiseração se instala nos interstícios da relação "deficiente/voluntário", em que ambos se autocompadecem de suas condições. O "deficiente" torna-se "grato pela atenção dispensada", expressando sua carência e levando seu "agente voluntário" a assumir-se como excepcionalmente bom, solidário e generoso. A filantropia não abarca somente os deficientes, mas os desvalidos. (...)
*LUCIENE M. DA SILVA, doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professora da Universidade do Estado da Bahia, atuando no Curso de Graduação em Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação Educação e Contemporaneidade da mesma universidade. Publicações mais importantes: com FALSARELLA, Ana Maria. Preconceito na escola inclusiva (Presença Pedagógica, Belo Horizonte, Dimensão, v. 8, n. 46, p. 96-106, jul./ago. 2002); com OLAVO, Antonio; PEREIRA, Dirceu de Socorro; GUERRA FILHO, Sérgio. Quilombos da Bahia – Manual Pedagógico (Salvador: Portfolium, 2005); Apontamentos sobre as contradições da questão deficiência e trabalho (In: ENCONTRO MINEIRO DE PSICOLOGIA SOCIAL DA ABRAPSO, 14., 2005, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 2005. 1 CD-ROM). Pesquisa em desenvolvimento: "Um estudo sobre o movimento em defesa dos direitos das pessoas com deficiência: a atuação para a inclusão".
Fonte: Revista Brasileira de Educação v. 11 nº 33 set./dez. 2006.
Leia mais: http://www.deficienteciente.com.br/2010/12/midia-e-as-pessoas-com-deficiencia.html#ixzz17uvjnDFL
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