O texto abaixo foi escrito pela socióloga Marta Gil*.
A “invisibilidade” na área da Deficiência já se tornou uma velha
conhecida. As pessoas com deficiência a sentem na pele, nas mais diversas situações;
os que estão perto delas ou trabalham na área têm muitas histórias dela para
contar.
Para Harry Potter e seus amigos, a invisibilidade trazia vantagens e,
portanto, era desejável. Com a capa mágica, podiam se aventurar, descobrir
segredos e identificar vilões. A capa os protegia, dava acesso a informações
preciosas ou mesmo favorecia escapadelas.
Não é esse o caso das pessoas com deficiência. Porém, já que repetimos
tantas vezes essa afirmação e até comprovamos sua ocorrência, vale a pena
refletir sobre isso.
Mas, por que usar o
plural? Porque acho que há dois tipos de invisibilidade. A nossa velha
conhecida é aquela que ignora as características das pessoas com deficiência,
camuflando-as com frases como “Para mim, todos são iguais”; “O que me interessa
são pessoas”; “Trato todos do mesmo jeito” ou variações parecidas. Essas
frases, que aparentemente traduzem sentimentos louváveis, podem esconder um
perigo, embora as intenções de quem fala sejam as melhores e as mais nobres
possíveis
Perigo? Como assim? Ele reside na não consideração de características
que fazem parte da natureza da pessoa com deficiência. Se os traços
diferenciais são “pasteurizados” em nome desta igualdade que não respeita a
diversidade – ao contrário, passa um trator sobre ela -, então essas
características ficam, sim, “invisíveis”. Resultado: escolas – e demais espaços
sociais – não têm materiais em braile, em português simplificado ou com
audiodescrição; surdos não têm intérpretes de Libras; rampas, elevadores,
softwares, pisos táteis nem são contemplados em orçamentos etc. etc.
Como alerta Reinaldo Bulgarelli: As pessoas não são “alminhas vagando
por aí”; têm corpos, características, desejos e necessidades, que formam sua
identidade. Quando esta não é sequer considerada em nome de uma suposta
“igualdade”, elas se tornam “invisíveis”, porque algumas de suas
características são solenemente ignoradas. Aí, a presença nos espaços sociais
se torna difícil ou até mesmo inviável, para muitas. Isso explica por que nem
sempre são vistas por nós.
Esse tipo de invisibilidade deve ser combatido, sempre. A Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que o Brasil ratificou com
equivalência constitucional, é o instrumento mais potente que dispomos para
garantir a visibilidade. A Convenção traz um novo olhar, tendo como base os
Direitos Humanos. Um de seus pilares é a Acessibilidade, em todos os
significados do termo. A ausência de acessibilidade configura discriminação – e
discriminar é crime. Simples assim.
Ana Paula Crosara, que tinha uma deficiência física, costumava dizer que
esperava o dia em que entrar e sair de um carro fosse algo corriqueiro,
deixando de ser “um espetáculo”, que atraía olhares curiosos. Esse outro tipo
de “invisibilidade” é desejável, pois vem da naturalidade: indica que as
condições para que as pessoas com deficiência possam participar da sociedade
estão asseguradas. Assim, elas podem “aparecer” e todos podemos conviver com
tranquilidade, segurança e respeito.
A “invisibilidade desejável” beneficia a todos, porque considera a
diversidade funcional de cada um. Ela cria um círculo virtuoso: ao olhar de
frente o diferente, a sociedade inventa alternativas e busca soluções; à medida
que a acessibilidade aumenta, mais pessoas entram na roda e a diferença passa a
ser percebida e celebrada como parte da riqueza da Vida.
Para termos direitos iguais, nossas diferenças precisam ser vistas,
reconhecidas e aceitas.
* Marta Gil é
socióloga, consultora na área da Deficiência, coordenadora do Amankay Instituto
de Estudos e Pesquisas e Fellow da Ashoka Empreendedores Sociais e colaboradora
do Senai-SP e do portal Planeta Educação.
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