A matéria
abaixo foi extraída do site Bengala Legal. O texto foi escrito pelo
educador Reinaldo Bulgarelli*.
Diversidade
é o conjunto de diferenças e semelhanças que nos caracterizam, não apenas as
diferenças. Diversos não são os outros que estão em situação de
vulnerabilidade, desvantagem ou exclusão. Essa maneira de encarar a diversidade
como uma característica de todos nós e não de alguns de nós faz toda diferença
quando trabalhamos o tema. Não se trata de incluir os que ficaram do lado de
fora porque eles são os diversos. Eles ficaram do lado de fora porque estamos
cometendo injustiças e não porque são “desajustados” e os incluídos são os
perfeitos.
Portanto,
aproximando essa reflexão de nossas vidas, de nossas organizações, é evidente
que não estamos falando apenas de oportunidades iguais para todos. É isso e
mais um pouco. Abrir espaços, incluir, buscar quem está do lado de fora,
reconhecer identidades, compor equipes caracterizadas pela diversidade é um
passo muito importante para sermos justos e reconhecermos na prática a
dignidade de todas as pessoas.
Ao
incluir, tudo é repensado para considerar a todos, o que exige atingir níveis
mais altos de excelência na qualidade da educação oferecida, além de gerar
aprendizados importantes na interação que acontece entre as pessoas em sua
diversidade humana. A diversidade não pode, assim, ser obstáculo para a
qualidade, mas uma ponte para o sucesso das pessoas, das organizações e o
desenvolvimento da sociedade.
Como se
preparar para a inclusão senão incluindo? Todos devemos nos preparar,
evidentemente, mas a “perfeição” não pode ser desculpa para não incluir porque
jamais seremos “perfeitos” sem a participação do outro que está do lado de
fora. Assim, há muitas formas de discriminar e deixar as coisas como estão. Uma
delas é pedir para os excluídos aguardarem na exclusão enquanto buscamos a
perfeição dentro de nossas instituições…
Inclusão
– mais do que dentro e fora, uma transformação do todo
Organizações
inclusivas distribuem oportunidades com equidade, oferecem condições de
desenvolvimento para todos, reconhecem as pessoas e têm apreço pela diversidade
a ponto de considerá-la em suas escolhas, na tomada de decisões em relação a todos
os seus públicos e atividades.
Organizações
inclusivas ampliam nossa capacidade de realizar boas escolhas individuais e
coletivas, favorecendo o próprio desenvolvimento, o desenvolvimento da
organização e o desenvolvimento da sociedade onde vivemos.
Incluir é
ação, é disposição para o encontro, para a mudança. É gesto concreto de
inclusão de pessoas e das perspectivas que elas trazem consigo.
Incluir é
movimento de mão-dupla: na direção do outro e de abertura para que o outro se
achegue.
Incluir é
gesto que considera a existência do outro, reconhece que há outras perspectivas
além da sua ou do padrão dominante, com sua versão única de verdade, beleza,
normalidade etc.. Incluir é atividade na qual todos se transformam. E sem que
ninguém desapareça!
Se alguém
deixa de existir, o que acontece é um extermínio e não inclusão.
Se para
estar incluído for necessário sumir com alguma característica essencial, não é
inclusão verdadeira. Ela deve considerar as pessoas para gerar interações
verdadeiras e não desconsiderá-las ou desprezar algum aspecto ou
característica.
Incluir é
agir para que o outro exista e não um movimento para tornar o outro semelhante
a si ou o movimento de negar-se para que só o outro exista.
Desaparecer
com o outro, com suas características e perspectivas, é gesto de colonizar, de
invadir, de assediar e não de incluir transformando-se e transformando o
ambiente.
Incluir é
gesto que exige a disposição de todos os envolvidos para o encontro, o diálogo,
a troca, o enriquecimento mútuo, algo que acontece no processo de considerar e
acolher outras possibilidades de ser, de saber, de fazer, de exercer o poder
(todos têm poder!).
Ninguém
inclui ninguém! Não há alguém que inclui ativamente e alguém que é incluído
passivamente.
Incluir
supõe interagir, disposição de todos e não de um. Inclusão é relação, interação
e é na qualidade das relações que a diversidade ganha seu maior sentido e
potencializa sua riqueza.
Ser
inclusivo é dispor-se ao novo, ao inusitado, à transformação.
Inclusão,
como interação de qualidade, destrói a ideia de fora e dentro que o termo
sugere para dar-se conta de que há um todo transformado pela postura e pelas
práticas inclusivas.
Juntar ou
juntar-se às pessoas pode ser apenas formar uma aglomeração estática.
Interações são transformadoras. Transformam as pessoas e os ambientes.
Incluir é
fonte de renovação, de vitalidade, antídoto contra a mesmice. Não se fica o
mesmo quando se inclui.
Ninguém
inclui o que é igual, o mesmo, mas o que é outro, o que é diferente de si, o
que tem algo a acrescentar àquilo que se é, que se sabe, que se pode ou que se
faz.
Incluir é
gesto que implica em diferenciar-se e em diferenciar para que haja um encontro
verdadeiro de perspectivas, interesses, experiências, necessidades e
contribuições singulares.
Quem tem
medo da diferença e se sente ameaçado por ela, não se dispõe ao encontro, à
transformação, à afirmação do que se é e do que o outro é para construir algo
novo, um novo lugar, um ponto de chegada que não é o mesmo, mas outro.
Inclusão
é resultado do gesto de incluir que faz com que todos se sintam acolhidos em
suas singularidades para contribuir com o todo na realização da missão do grupo
e da instituição.
Inclusão
surge na interação e a fortalece, ampliando as possibilidades de cooperação
entre as pessoas, de resolver conflitos e de chegar a um bom termo em relação
aos desafios.
Inclusão
acontece na construção de ambientes promotores de justiça, de interações
colaborativas, da criatividade e de soluções inovadoras para os desafios que
afetam uma comunidade ou toda uma sociedade.
Inclusão
diz respeito à criação de um ambiente no qual cada um tenha a oportunidade de
participar plenamente na criação do sucesso da relação, da missão escolhida, do
desafio enfrentado, e no qual todos são valorizados em suas diferentes
habilidades, conhecimentos e atitudes.
Inclusão
pode formar algo parecido com mosaicos e eles são importantes do ponto de vista
da geração de relações justas, equânimes, com oportunidades iguais para todos.
Mas a composição de mosaicos pode significar inclusão incompleta por três
motivos:
·
O que fez
com que alguns ficassem do lado de fora? Sem postura crítica, não há como rever
atitudes e práticas. Processos de exclusão podem continuar e gerar inclusões
injustas.
·
Mosaicos
são estáticos. A adição de valor da diversidade, assim, é apenas potencial. Sem
gestão, não há solução! Apenas contemplar a diversidade e compor grupos
diversos pode não gerar riqueza além da riqueza já presente. A interação é
fundamental.
·
Inclusão
precisa de gestão. Sem gestão, pode acontecer o “efeito picles”: todos ficam
rapidamente parecidos, com o mesmo jeito, a mesma postura, as mesmas ideias,
aparentemente ou não, como estratégia de sobrevivência, por conveniência ou
convicção de que há apenas um padrão, o dominante, é o que deve prevalecer.
A gestão
da diversidade deve tornar nosso ambiente de trabalho mais dinâmico, favorecer
interações criativas, trocas, aprendizados conjuntos. Gestão necessita de
intervenção na realidade e não apenas contemplação dessa realidade.
Podemos
pensar na imagem dos caleidoscópios para mostrar essa inclusão dinâmica, com
foco na qualidade das relações que acontece para além de se estar presente num
espaço, num grupo ou equipe.
São
identidades, singularidades, experiências, histórias de vida, perspectivas,
possibilidades, diferenças e semelhanças que se arranjam e se reinventam em
múltiplas composições para gerar, com interações dinâmicas, criatividade,
inovação, excelência a serviço da sustentabilidade dos negócios e da sociedade.
Como não
somos peças de um mosaico ou de um caleidoscópio, cabe lembrar que nós humanos
podemos levar o outro dentro da gente quando interagimos. Não há um dono da
verdade, um marcador identitário ou característica nossa que fique ilesa à
interação quando é inclusiva, respeitosa, com apreço pela diversidade e suas
possibilidades.
Na troca,
nos enriquecemos mutuamente. Não são “verdades” que permanecem intocáveis, mas
que geram algo novo, que enriquecem nossa vida individual e institucional.
Eu não
preciso ser o outro para compreendê-lo, considerar suas perspectivas e
necessidades no planejamento das atividades, mas eu posso considerar o outro
porque há respeito, consideração, gosto pela diversidade. Exige gestão!
O mix
formado neste processo inclusivo não some com as diferenças, mas acrescenta,
amplia, transforma em algo novo que considera tudo e atinge novos patamares,
novas realidades. Estamos falando de interações criativas com a incorporação de
novos horizontes plurais, mais ricos, ampliando nossa visão e nossa capacidade
de dar respostas aos desafios do nosso tempo e lugar.
Podemos
aprender uns com os outros para sermos mais e fazermos mais, mas para isso
precisamos enxergar os outros, dar valor aos outros, sentir falta dos outros,
dessa ampliação de horizontes que representam. Não basta, portanto, dizer não à
discriminação. É preciso dizer sim à diversidade por meio de práticas que
supõem inclusão e gestão da diversidade.
*Sócio-diretor da Txai, educador
e atua na área social desde 1978, sobretudo com direitos humanos. É coordenador
acadêmico dos cursos de responsabilidade social na FGV/SP (Curso Princípios e
Práticas de Responsabilidade Social Empresarial e Curso Princípios de Gestão
para Organizações do 3º. Setor) e professor convidado da UNICAMP (Instituto de
Economia – Especialização em Gestão da Sustentabilidade e Responsabilidade
Corporativa). Foi professor do Instituto Palas Athena no projeto “Valores que
não têm Preço” e um dos responsáveis pela implantação e realização do curso de
responsabilidade social da ESPM em 2002. É autor do livro “Diversos Somos
Todos” sobre valorização, promoção e gestão da diversidade nas organizações –
Editora de Cultura/2008. Foi membro do UNICEF, diretor da Fundação Projeto
Travessia, Diretor da Fundação BankBoston, diretor da Secretaria do Menor do
Estado de São Paulo e um dos fundadores do Movimento Nacional de Meninos e
Meninas de Rua em 1985. Foi indicado ao Prêmio Nacional de Direitos Humanos em
2002 por sua atuação na área da infância e adolescência. Recebeu o Prêmio
África-Brasil em 2007 pela realização de ações afirmativas no campo das
relações raciais e diversidade.
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