Ally e Ryan

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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Onde está a Deficiência?

Descrição da imagem: uma foto em formato retangular, onde apareço (sentado na cadeira de rodas)  ao lado da minha esposa, numa sala ampla com um sofá ao fundo, uma mesa atrás e outra na frente, estamos sorrindo


05/10/2012 - Claudia Sanchez.
Este artigo busca aportar elementos de reflexão em torno do tema da diversidade, da deficiência e da inclusão desde a ótica da atuação na sociedade das pessoas em situação de deficiência, de forma que contribuam na geração de ações para melhorar sua qualidade de vida, sempre e quando isso seja permitido pelo entorno, pelo meio ambiente. Para seu desenvolvimento, o artigo parte do conceito de pessoa em situação de deficiência, destaca a transcendência dos fatores ambientais e estabelece relações com a ideia de diversidade.
Pessoa em Situação de Deficiência.
Quando se fala da pessoa em situação de deficiência, está aí envolvida a relação entre a pessoa e o meio; e, como em qualquer relação, a responsabilidade por possibilitar o seu estabelecimento é tanto da pessoa como do entorno físico ou natural, tanto aquele construído pelo homem - as cidades - ou o ambiente social, também edificado pelo ser humano, que inclui as atitudes, as convicções pessoais e sociais e, finalmente, políticas e leis. Em suma, o espaço no qual uma pessoa desenvolve sua vida.
A concepção que atribui a responsabilidade da construção da deficiência à sociedade, o modelo social da deficiência, foi alcançado depois de muitos anos, como superação do modelo individual da deficiência, que colocava a condição deficiente apenas na pessoa, como uma característica intrínseca do indivíduo. A noção do efeito causado pelo entorno na edificação da deficiência e por consequência, na atuação de todas as pessoas – inclusive, da pessoa em situação de deficiência na sociedade - evoluiu bastante nas últimas décadas. Até porque as barreiras e os obstáculos ambientais e culturais não são permanentes; podem e devem ser alterados, sempre e quando os diversos segmentos da sociedade aceitem sua própria responsabilidade e a necessidade da mudança.
A Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF), utiliza o termo deficiência “para denominar um fenômeno multidimensional, resultado da interação das pessoas com seu entorno físico e social”. A existência dessa interação, como ação que se exerce de forma recíproca entre dois agentes, faz com que o próprio conceito de deficiência incorpore, de forma mais explícita ou mais implícita, a dimensão social como sendo chave, tornando incabível, então, admitir as situações de deficiência sem levar em consideração tal dimensão.
A deficiência se entende como geradora de processos, em virtude dos quais não chegam a ser adquiridos, se deterioram ou desaparecem determinados vínculos ou relações que as pessoas mantém e que lhes permite dar resposta a suas necessidades, desenvolver-se pessoalmente, participar da comunidade e obter e manter uma qualidade de vida satisfatória. Ou seja, a deficiência como uma construção entre o indivíduo e a sociedade, suscetível de ser superada, sempre e quando os processos sociais assim o permitam.
Em oposição aos enfoques da deficiência em termos de normalidade/anormalidade, estudados por diversos autores, o sociólogo Guillermo Páramo Rocha afirma que “a diversidade trata de uma dimensão fundamental que promove a assimilação das pessoas na sociedade de acordo com as condições de cada um, independentemente das peculiaridades diversas que caracterizam os indivíduos”.
Definições da CIF.
As definições estabelecidas pela CIF, no contexto da saúde, são as seguintes:
·         Funções corporais: as funções fisiológicas dos sistemas corporais (incluindo as funções psicológicas).
·         Estruturas corporais: as partes anatômicas do corpo, tais como os órgãos, os membros e seus componentes.
·         Deficiências: os problemas nas funções ou nas estruturas corporais, tais como um desvio significativo ou uma perda.
·         Atividade: a realização de uma tarefa ou ação por parte de um indivíduo.
·         Participação: o ato de envolver-se em uma situação vital.
·         Limitações na atividade: as dificuldades que um indivíduo pode experimentar no desempenho/realização de atividades.
·         Restrições na participação: os problemas que um indivíduo pode experimentar para envolver-se em uma situação vital.
·         Fatores ambientais: o ambiente físico, social e atitudinal no qual as pessoas vivem.
·         Fatores contextuais: a essência integral tanto da vida de um indivíduo como do seu estilo de vida.
Estão aqui incluídos os fatores ambientais e pessoais que podem ter efeitos na pessoa, na condição de sua saúde e nos estados ‘relacionados com a saúde’ dessa mesma pessoa. Nossa cultura tende a estigmatizar o diferente, a marginalizá-lo, a excluí-lo, ao invés de valorizá-lo, aceitá-lo e assimilá-lo como valor que tem a qualidade de enriquecer os grupos humanos. É a partir de sua diversidade que os membros de uma sociedade podem fazer sua contribuição à comunidade para construir uma sociedade inclusiva.
A falta de resposta às necessidades das pessoas em situação de deficiência faz com que a exclusão se torne social e economicamente intolerável, particularmente em países em vias de desenvolvimento, com o desperdício de talentos, de habilidades potenciais e deixando de lado uma porcentagem considerável de cidadãos com possibilidades reais de participar ativamente na sociedade.
O contrário disso, a resposta a essas necessidades, permitiria chegar a uma sociedade inclusiva, ou sociedade para TODOS, conforme o enfoque da Resolução 45/91 da Organização das Nações Unidas (ONU), assinada durante sua Assembleia Geral em dezembro de 1990.
A CIF, aprovada em 2001 e desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), foi e segue sendo fundamental para a compreensão dos conceitos de funcionalidade e deficiência:
·         ao apresentar a deficiência como um processo interativo e evolutivo, na qual é necessário levar em conta a condição de saúde e os fatores contextuais, tanto ambientais como pessoais, que podem resultar limitantes para a realização de atividades e para a participação/funcionalidade das pessoas no meio social;
·         ao defender que tanto o entorno físico como o social são fatores decisivos na deficiência e as imperfeições de projetos são causa de limitações e redução de oportunidades.
A prevalência de limitações permanentes nas funções ou nas estruturas corporais, bem como a perda de habilidades em decorrência do envelhecimento, que se evidenciam nas estatísticas leva a considerar a importância e a responsabilidade que têm os urbanistas, projetistas e construtores do meio físico na busca de propostas, alternativas e soluções de edificações seguras, cômodas e confortáveis, que garantam uma melhor qualidade de vida à população em geral e permitam uma real inclusão aos grupos vulneráveis marginalizados como consequência de projetos excludentes.
Funcionalidade humana e entorno.
A funcionalidade humana é concebida pela CIF em três dimensões: biológica, psicológica e social. O termo FUNCIONALIDADE abrange funções e estruturas corporais, atividades e participação, e indica os fatores positivos da interação entre um indivíduo e seus diversos fatores contextuais.
É a restrição de tal inter-relação que impõe limites ao desempenho e à possibilidade das pessoas em situação de deficiência de se expressar produtivamente e de atingir uma melhor qualidade de vida. Quando não existe a adequada relação entre a condição de deficiência e os fatores ambientais e pessoais, surge a exclusão devido ao entorno, entorno que impede a participação ou o acesso.
A exclusão devida ao entorno - ou meio ambiente excludente - tem gerado respostas dos arquitetos, as quais têm evoluído desde a eliminação de barreiras até a concepção de novos paradigmas de projeto, como o da acessibilidade, que permite, em qualquer espaço interno ou externo, o fácil deslocamento da população em geral e o uso de forma confiável e livre de riscos dos serviços ali instalados, permitindo que as pessoas se aproximem, entrem, usem e saiam desses ambientes em condições de segurança e com a maior autonomia e conforto possíveis.
Esse meio ambiente acessível inclui, além das edificações e dos espaços urbanos públicos e privados, as relações interpessoais e as atitudes individuais e coletivas. Os fatores que fazem um ambiente ser produtor de exclusão são criados pelo ser humano - ou seja, parte da nossa cultura – sendo, portanto, reversíveis ou modificáveis. E, na medida em que o entorno excludente evolua para um entorno inclusivo, esse se torna gerador de qualidade de vida, ‘habilitador’ para as pessoas em situação de deficiência.
Também o conceito de qualidade de vida passa a se estruturar e a se fortalecer num contexto cada vez mais consciente da importância do entorno na vida das pessoas. Possivelmente, na atualidade, o entendimento da inclusão se encontra na confluência das ideias da não exclusão e aquela da acessibilidade universal (ou desenho universal, desenho inclusivo, desenho para todos), que tem como objetivo beneficiar a todos, tornando o meio ambiente mais franqueado para o maior número de pessoas e situações, entendendo e respeitando a diversidade de identidades, necessidades e capacidades de todos e de cada um.
Tanto a CIF como o desenho universal, ou acessibilidade universal, reconhecem que o meio ambiente físico possui a responsabilidade no desempenho dos seres humanos e admitem que as pessoas sem deficiência também sofrem as consequências e restrições de um entorno excludente.
O caminho na direção de uma sociedade na qual todos tenhamos as mesmas possibilidades deve começar por assumir o fato de que somos todos diferentes – maravilhosamente diferentes. Baixos. Altos. Fracos. Fortes. Corpulentos. Jovens. Velhos. E não importa se estás apaixonado, engessado ou se tens uma deficiência. Que tal se o design e a arquitetura fossem tão variados e excitantes como as pessoas para quem foram pensados?
Sociedade inclusiva e Ética da Diversidade.
A partir do princípio da inclusão se pretende um mundo e uma sociedade onde todas as pessoas tenham lugar e os mesmos direitos. No entanto, essa sociedade não é formada por seres uniformes, moldados por um mesmo padrão.
Atuar no âmbito da inclusão exige o compromisso com a chamada "ética da diversidade", que parte da premissa do direito à diferença, na qual todos os indivíduos e coletivos possuem atributos distintos e, assim, podem aportar seus valores para a construção dessa sociedade inclusiva que se almeja, aproveitando ao máximo as capacidades dos grupos heterogêneos: com esse objetivo, cada uma das pessoas é valorizada pelo que é e por suas potencialidades, independente de sua idade, sexo, raça, etnia, habilidade, etc.
Em uma sociedade inclusiva, as relações que as pessoas mantêm – e que lhes permite dar resposta às suas necessidades, desenvolver-se pessoalmente, participar na comunidade, obter e manter uma qualidade de vida satisfatória – estão determinadas pela capacidade ou possibilidade de exercer seus direitos e, em particular, seus direitos sociais, tais como o direito ao trabalho, à moradia, à cultura, à educação, à saúde, entre outros.
O conceito de qualidade de vida, como resultante da interação da pessoa com os fatores ambientais, leva em consideração os aspectos subjetivos, valores, preferências e satisfação num contexto social, econômico e político. A qualidade de vida deve estar baseada no conceito de acessibilidade e desenho universal como condição que deve atingir o entorno, os processos, os bens, os produtos e os serviços, assim como os objetos ou instrumentos, ferramentas e dispositivos para serem compreensíveis e utilizáveis por todas as pessoas em condições de segurança e conforto, da forma mais autônoma possível.
O que se busca é um mundo e uma sociedade onde todas as pessoas tenham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Um mundo e uma sociedade onde se respeitem as diferenças e se ofereçam oportunidades de participação e construção inclusivas, que permitam a expressão e o livre desenvolvimento das potencialidades sem nenhum tipo de restrições pessoais nem ambientais para que seja possível atingir uma plena funcionalidade humana.


Bibliografia.
·         CASADO, D. (1991): Panorámica de la discapacidad. Barcelona, INTRESS.
·         CASADO, D. (1995): Ante la discapacidad. Glosas iberoamericanas. Buenos Aires, Lumen. UNIVERSIDAD NACIONAL. Maestría Discapacidad e Inclusión Social. Discapacidad e Inclusión Social. Reflexiones desde la Universidad Nacional de Colombia. Febrero de 2005.
·         FANTOVA, F. (1990): Evaluación de programas de intervención en el tiempo libre con personas con minusvalía en el Reino Unido, Italia y Francia. Elementos para un marco teórico y descripción sistemática de una selección de programas.
·         - Exclusión e inclusión social: una aproximación desde el ámbito de la discapacidad. Tercer Congreso Internacional de Discapacidad. Inclusión: oportunidades para todo. 2006.
·         NACIONES UNIDAS (1988): Programa de acción mundial para las personas con discapacidad.
·         Madrid, RPPAPM (Real Patronato de Prevención y de Atención a Personas con Minusvalía).
·         OMS (Organización Mundial de la Salud) (1983): Clasificación internacional de deficiencias discapacidades y minusvalías. Madrid, INSERSO. OMS – OPS. Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales de España., 2001. Clasificación Internacional del Funcionamiento, de la Discapacidad y de la Salud.
Do livro: Celebrando a Diversidade. Pessoas com Deficiência e Direito à Inclusão.
Edição 2010.
Organização: Flavia Boni Licht e Nubia Silveira.
Apoio: Planeta Educação - em especial, Elisete Oliveira Santos Baruel e Érika de Souza Bueno.
Capítulo III - Onde está a Deficiência?
Claudia Sanchez (Bogotá).
- arquiteta, presidente do Comitê Técnico sobre Acessibilidade das Pessoas ao Meio Físico do Instituto Colombiano de Normas Técnicas; integrante da equipe de consultores internacionais da AyA Arquitetura e Acessibilidade.

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