Caro leitor,
Acompanhe o reflexivo artigo “Barreiras atitudinais: obstáculos à pessoa
com deficiência na escola” dos pesquisadores Francisco J. Lima e Fabiana
Tavares dos Santos Silva.
“As barreiras atitudinais são perpetuadas na e pela ação da escola e só
será por meio da educação que se poderá erradicar tais barreiras ou, pelo
menos, minimizar seus efeitos danosos.”
RESUMO
Este artigo apresenta algumas das barreiras atitudinais mais comumente
praticadas contra os alunos com deficiência na escola. Tais barreiras
interferem, e mesmo impossibilitam a educação desses alunos. Compreendem
posturas afetivas e sociais, traduzindo-se em discriminação e preconceito.
Apresentam-se nas escolas regulares, bem como nas especiais. As barreiras
atitudinais são perpetuadas na e pela ação da escola e só será por meio da
educação que se poderá erradicar tais barreiras ou, pelo menos, minimizar seus
efeitos danosos. Oferece-se um breve esboço de taxonomia das barreiras
atitudinais. Resgata-se a história de exclusão da pessoa com deficiência para
explicar a existência de barreiras atitudinais ainda hoje praticadas contra
essas pessoas, repudiando o uso dessa explicação como justificativa para a
manutenção de um modelo educacional segregador. Conclui-se que as barreiras
atitudinais marginalizam a pessoa com deficiência, deterioram-lhe a identidade
de pessoa humana e restringem-lhes as possibilidades de desenvolvimento e de
relação social. Por fim, convida-se a todos ao reconhecimento das barreiras
atitudinais, a fim de que, pela transformação individual, se alcance a
transformação do coletivo, tornando a sociedade excludente de hoje numa
sociedade inclusiva já!
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As pessoas com deficiência têm, desde sempre, convivido com a confusão
entre o que realmente são, pessoas humanas, e o que se pensa que elas são:
“deficientes”.
Corrobora para a perpetuação dessa “confusão” a visão social construída
historicamente em torno da deficiência como sinônimo de doença, de dependência,
de “indivíduos sem valor”, de sofrimento, de objeto de purgação dos males
cometidos por seus pais, entre outras. Tais visões estereotipadas sempre
marginalizaram as pessoas com deficiência e, por vezes, nutriram nelas a crença
descabida de que são incapazes.
Com efeito, “não é a distinção física ou sensorial que determina a
humanização ou desumanização do homem. Suas limitações ou ilimitações são
determinadas social e historicamente” (BIANCHETTI e FREIRE, 2004, p. 66).
Contrário ao sentido da inclusão, o modelo médico da deficiência conduz
as pessoas a confundir a deficiência com doença. De fato, algumas doenças podem
gerar deficiências; sendo estas, o resultado das doenças e não a doença em si.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (Programa de Ação Mundial para as
Pessoas com Deficiência, 1982) deficiência é toda perda ou anomalia de uma
estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica. Infelizmente, a
confusão que se faz entre a deficiência e a doença, bem como o próprio
preconceito que se tem da doença, tem servido para afastar as pessoas com
deficiência da sociedade. No imaginário social, a deficiência (principalmente a
mental) tem foros de doença, exigindo, portanto, cuidados clínicos e ações
terapêuticas (EDLER CARVALHO, 2000). Esse modelo clínico sempre serviu como
justificativa para ações segregadoras nos mais diversos ambientes e situações
sociais.
Na escola, microcélula da sociedade, essa realidade não se distancia do
contexto macro. Assim sendo, as leis que exigem a inclusão das pessoas com
deficiência não são suficientes para que a transformação ocorra ou para que
todos alcancem, de fato, a igualdade nas oportunidades e no próprio direito. Na
verdade, estamos no início de uma mudança que implica um esforço de modernização,
reestruturação social.
É relevante lembrar que, durante séculos, as pessoas com deficiência
foram chamadas de inválidas, de incapacitadas, defeituosas, deficientes e
excepcionais. Depois, pessoas deficientes; pessoas portadoras de deficiência;
pessoas com necessidades especiais e pessoas especiais. Mais recentemente,
passaram a ser denominadas de pessoas com deficiência (termo utilizado de 1990
até os dias de hoje) (SASSAKI, 2006).
Conferir o valor de “pessoas” àqueles que tinham e têm deficiência foi
uma ação muito relevante para a conquista da cidadania das pessoas com
deficiência. E isso só ocorreu, segundo Sassaki (2003), em torno de 1981,
quando a ONU “atribuiu” o valor de pessoas àqueles que tinham deficiência,
igualando-os em direito e dignidade à maioria dos membros de qualquer sociedade
ou país. No Brasil, conferiu-se, pela primeira vez, o título de Pessoa a um
indivíduo com deficiência na Constituição de 1988.
Não obstante, o status de pessoa, recentemente adquirido, não impediu as
pessoas com deficiência de continuarem a sofrer com as várias formas de
barreiras atitudinais, comunicacionais, de acessibilidade, entre outras.
De acordo com Sassaki (2003), em junho de 1994, com a Declaração de
Salamanca, preconizou-se a educação inclusiva. Contudo, nem isso, nem o fato de
se ter passado a reconhecer os indivíduos com deficiência como pessoas foram
suficientes para derrubar barreiras atitudinais, as quais dificultam e, mesmo
impedem, o ingresso e permanência de crianças com deficiência nas escolas.
Assim, e esteados no entendimento de que as barreiras atitudinais
alicerçam as demais, buscamos mostrar, neste artigo, como a manutenção de
estigmas e de ações de marginalização em relação às pessoas com deficiência
estão presentes no cotidiano da escola e como se enraízam no ambiente escolar.
As barreiras atitudinais na escola
É emergencial a promoção da Pedagogia contemplando a todos os sujeitos
sociais, e não de uma Pedagogia da pessoa com deficiência. Promover uma
Pedagogia da deficiência constitui uma das primeiras barreiras atitudinais
percebidas no âmbito da Educação.
As barreiras atitudinais não são únicas, elas surgem à medida que a
sociedade se transforma. Assim, novos contextos deparam-se com novas barreiras
que surgem de diferentes formas. No passado, contudo, as barreiras atitudinais
não eram vistas como tais.
Falar, pois, dos estigmas e da marginalização da pessoa com deficiência
é refletir sobre um processo socialmente construído desde a sociedade primitiva
até a contemporaneidade. Independentemente do período histórico, o homem tende
a tomar como centro de tudo seu próprio grupo de convivência; como
conseqüência, o outro é pensado, visto/sentido subjetivamente por meio de
valores, modelos, definições pessoais do que é a existência.
Segundo Rocha (1985, p. 8), no plano intelectual, isso pode ser visto
como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimento
de estranheza, medo, hostilidade, etc. O fato é que, no contato com alguém que
desestabiliza o que internalizamos como normalidade, são misturados fatores
intelectuais, racionais, emocionais e afetivos que, muitas vezes, geram imagens
e informações impróprias, disposições psíquicas ou afetivas em relação à
determinada pessoa ou grupo.
Do início da civilização à pós-modernidade, o que mudou é que “a seleção
natural tomou uma nova forma: de seleção natural física, passou a ser uma
seleção ‘natural’ social” (GLAT, 1995, p. 19). Sob essa lâmina, nega-se ao
outro até o mínimo de independência necessária para falar de si mesmo.
Assim, as pessoas que exercem a função de “cuidador” da pessoa com
deficiência, muitas vezes, a emudecem, decidindo por ela desde a mínima ação
mais rotineira (como o que vestir, a hora de dormir, etc.) até as mais
delicadas, por envolverem aspectos biológicos, sociais e afetivos (como o
acesso à escolarização, a vivência da sexualidade, etc.). E isso ocorre até
mesmo quando a pessoa com deficiência atinge a idade adulta. A justificativa
para essa ação consiste na afirmativa de que se está fazendo o melhor para a
pessoa com deficiência – um melhor que, na maioria dos casos, não lhe permite a
vivência como pessoa humana, mas como posse de alguém.
Na sociedade
primitiva, os homens selecionavam e eram selecionados pelos grupos quando
atendiam aos requisitos de força, agilidade, destreza, raciocínio rápido, etc.
As pessoas que apresentavam essas habilidades numa escala mais baixa sempre
eram deixadas para trás. Na sociedade atual, o processo é divergente? Ou mais,
na vida intra-escolar, o processo é distinto ou o olhar dos sujeitos
contemporâneos continua a categorizar os “bons” e os “fracos”? Essas são
questões polêmicas, pois nos remetem a vários movimentos ideológicos que
permeiam os eventos sociais, dos mais simples (como pedir uma informação a alguém)
aos mais elaborados (como conseguir exercer uma profissão, sem que as pessoas
com deficiência sejam avaliadas, apenas e tão somente, por sua deficiência).
Em cada época, para cada grupo social, as respostas seriam bem
divergentes. Hoje, buscamos tratar diferentemente as pessoas diferentes para
igualá-las em direito, ou seja, desejamos uma sociedade inclusiva.
Como alcançar a transformação social se há uma distância entre quem são
as pessoas com deficiência, as imagens que outros sujeitos sociais criam em
torno dessas pessoas e, para efeito de aceitação social, quem elas deveriam
ser? Vistas pela sociedade como desviantes, essas pessoas enfrentam
impedimentos muito mais difíceis de lidar do que a própria deficiência
sensorial, física ou intelectual.
Uma deficiência é, muitas vezes, detectável de imediato. Em decorrência
dessa percepção, as pessoas sem deficiência podem apresentar atitudes
traduzidas em curiosidade, crença na inferioridade, fragilidade e dependência
da pessoa com deficiência ou mesmo de repulsa a essa pessoa.
As barreiras atitudinais, porém, nem sempre são intencionais ou
percebidas. Por assim dizer, o maior problema das barreiras atitudinais está em
não as removermos, assim que são detectadas. Exemplos de algumas dessas
barreiras atitudinais são a utilização de rótulos, de adjetivações, de
substantivação da pessoa com deficiência como um todo deficiente, entre outras.
Também constituem barreiras atitudinais na escola (ou em outros espaços
sociais) aquelas que se apresentam na forma de:
·
Ignorância: desconhecer a potencialidade do aluno com deficiência.
·
Medo: ter receio de receber a um aluno com deficiência, ou mesmo a um
outro profissional da Educação que apresente alguma deficiência; temer em
“fazer ou dizer a coisa errada” em torno de alguém com uma deficiência.
·
Rejeição: recusar-se a interagir com a pessoa com deficiência, um aluno,
familiares deste ou outro operador da educação.
·
Percepção de menos-valia: avaliação depreciativa da capacidade,
sentimento de que o aluno com deficiência não poderá ou só poderá em parte.
·
Inferioridade: acreditar que o aluno com deficiência não acompanhará os
demais. Isso é incorrer num grave engano, pois todas as pessoas apresentam
ritmos de aprendizagem diferentes. Assim sendo, ninguém acompanha ninguém; cada
um faz seu percurso singularmente, mesmo a proposta docente sendo coletiva e
una.
·
Piedade: sentir-se pesaroso e ter atitudes protetoras em relação ao
aluno com deficiência. Estimular a classe a antecipar-se às pessoas com
deficiência, realizando as atividades por elas, atribuindo-lhes uma
pseudo-participação.
·
Adoração do herói: considerar um aluno como sendo “especial”,
“excepcional” ou “extraordinário”, simplesmente por superar uma deficiência ou
por fazer uma atividade escolar qualquer; elogiar, exageradamente a pessoa com
deficiência pela mínima ação realizada na escola, como se inusitada fosse sua
capacidade de viver e interagir com o grupo e o ambiente.
·
Exaltação do modelo: usar a imagem do estudante com deficiência como
modelo de persistência e coragem diante os demais.
·
Percepção de incapacidade intelectual: evitar a matrícula dos alunos com
deficiência na instituição escolar, não deixando que eles demonstrem suas
habilidades e competências. Achar que ter na sala de aula um aluno com
deficiência é um fato que atrapalhará o desenvolvimento de toda a turma.
·
Efeito de propagação (ou expansão): supor que a deficiência de um aluno
afeta negativamente outros sentidos, habilidades ou traços da personalidade.
Por exemplo, achar que a pessoa com deficiência auditiva tem também deficiência
intelectual.
·
Estereótipos: pensar no aluno com deficiência comparando-o com outros
com mesma deficiência, construindo generalizações positivas e/ou negativas
sobre as pessoas com deficiência.
·
Compensação: acreditar que os alunos com deficiência devem ser
compensados de alguma forma; minimizar a intensidade das atividades
pedagógicas; achar que os alunos com deficiência devem receber vantagens.
·
Negação: desconsiderar as deficiências do aluno como dificuldades na
aprendizagem.
·
Substantivação da deficiência: referir-se à falta de uma parte ou
sentido da pessoa como se a parte “faltante” fosse o todo. Ex: o deficiente
mental, o cego, o “perneta”, etc. Essa barreira faz com que o aluno com
deficiência perca sua identidade em detrimento da deficiência, fragilizando sua
auto-estima e o desejo de aprender e estar na escola.
·
Comparação: comparar os alunos com e sem deficiência, salientando aquilo
que o aluno com deficiência ainda não alcançou em relação ao aluno sem
deficiência, colocando este em posição superior ao primeiro. Na comparação, não
se privilegiam os ganhos dos alunos, mas ressaltam-se suas “falhas”, “faltas” e
“deficiências”.
·
Atitude de segregação: acreditar que os alunos com deficiência só
poderão conviver com os de sua mesma faixa etária até um dado momento e que,
para sua escolarização, elas deverão ser encaminhadas à escola especial, com
profissionais especializados.
·
Adjetivação: classificar a pessoa com deficiência como “lenta”,
“agressiva”, “dócil”, “difícil”, “aluno-problema”, “deficiente mental’”, etc.
Essa adjetivação deteriora a identidade dos alunos.
·
Particularização: afirmar, de maneira restritiva, que o aluno com
deficiência está progredindo à sua maneira, do seu jeito, etc.; achar que uma
pessoa com deficiência só aprenderá com outra com a mesma deficiência.
·
Baixa expectativa: acreditar que os alunos com deficiência devem
realizar apenas atividades mecânicas, exercícios repetitivos; prever que o
aluno com deficiência não conseguirá interagir numa sala regular. Muitos
professores passam toda a vida propondo exercícios de cópia, repetição. Isso
não ajuda o aluno a descobrir suas inteligências, competências e habilidades
múltiplas.
·
Generalização: generalizar aspectos positivos ou negativos de um aluno
com deficiência em relação a outro com a mesma deficiência, imaginando que
ambos terão os mesmos avanços, dificuldades e habilidades no processo
educacional.
·
Padronização: fazer comentários sobre o desenvolvimento dos alunos,
agrupando-os em torno da deficiência; conduzir os alunos com deficiência às
atividades mais simples, de baixa habilidade, ajustando os padrões ou, ainda,
esperar que um aluno com deficiência aprecie a oportunidade de apenas estar na
escola (achando que, para esse aluno, basta a integração quando, de fato, o que
lhe é devido é a inclusão).
·
Assistencialismo e superproteção: impedir que os alunos com deficiência
experimentem suas próprias estratégias de aprendizagem, temendo que eles
fracassem; não deixar que os alunos com deficiência explorem os espaços físicos
da escola, por medo que se machuquem; não avaliar o aluno pelo seu
desenvolvimento, receando que ele se sinta frustrado com alguma avaliação menos
positiva.
As barreiras atitudinais podem estar baseadas em preconceitos explícitos
ou a eles dar origem. como vimos, elas aparecem em nossa linguagem, tanto
quanto em nossas ações ou omissões.
Logo, muitas ações aparentemente sem importância nutrem, no dia-a-dia,
as barreiras atitudinais; por exemplo, quando se acredita que só as pessoas que
têm amigos, parentes ou mesmo alunos com deficiência é que devem buscar a
inclusão. (Essa idéia, além de fortalecer as barreiras de atitude, constitui um
conceito equivocado de inclusão, pois o ato de incluir não se refere apenas às
pessoas com deficiência, mas a todos os grupos vulneráveis, a todas as pessoas,
enfim, a toda a sociedade. O objetivo não é restringir, mas acolher a
singularidade de cada indivíduo. Daí é que muitos de nós já estão engajados no
processo de transformação social, mesmo porque desejamos uma sociedade mais
humana).
A suposição do
professor de que ter um aluno com deficiência é uma providência divina para que
ele possa praticar o bem e a ética constitui igualmente uma barreira
atitudinal. Nessa linha, alguns professores manifestam a crença de que a pior
coisa que pode acontecer a um estudante é nascer com deficiência. Na verdade,
uma das piores coisas que pode acontecer a um aluno é não ser visto como
sujeito social, pessoa humana que tem conhecimentos preexistentes,
expectativas, sonhos, desejos, etc.
As pessoas não são iguais, logo, as diferenças existentes entre as
várias manifestações de deficiência não podem ser niveladas de uma só maneira,
principalmente, por baixo. Desconsiderar a singularidade de cada aluno é uma
barreira atitudinal que interfere na aprendizagem do estudante.
Ao professor, cabe ficar alerta para que não estimule essas barreiras ou
as nutra com seu próprio exemplo, uma vez que muitas outras barreiras
atitudinais podem ser praticadas na escola. Para evitá-las, é mister que nos
atentemos para nosso comportamento e sentimentos em relação ao aluno com
deficiência. As barreiras atitudinais, por vezes, estão imbricadas de tal forma
que se confundem, confundindo ao professor. Mas isso não pode servir de
argumento para a manutenção tácita de preconceitos e discriminações entre os
alunos, contra os alunos, ou contra quem quer que seja.
Considerações finais
Identificar as barreiras atitudinais contribuirá para erradicar ou, ao
menos, minimizar o processo de exclusão social, pois, ao tomarmos consciência
do que fazemos, poderemos procurar meios para a transformação coletiva e
individual – desta dependerá a primeira. Portanto, a escola que se deseja
inclusiva deve trabalhar na perspectiva de envolver todos na transformação
constante do projeto político-pedagó gico e de cada pessoa como ser social e
atuante.
As barreiras atitudinais não são concretas, em essência, na sua
definição, no entanto, materializam- se nas atitudes de cada pessoa. Com
efeito, não há como explicitar todas as suas formas numa lei, mesmo porque não
se têm classificados todos os tipos de barreiras atitudinais. Esse é um desafio
para as pessoas que se preocupam com a educação, a sociedade e a inclusão.
Com efeito, a forma de exclusão manifestada nas falas de alguns profissionais
da saúde e da educação, bem como de alguns pais e de estudantes sem deficiência
(por exemplo, designando um aluno como “especial”, adjetivando-o como
“agressivo” e substantivando- o como o “down”, o “surdo”, o “retardado”, o
“doido”, etc.) leva, como vimos, o aluno com deficiência a uma situação de
segregação, sustentando o modelo de educação especial, fortalecendo o
preconceito e a marginalização da pessoa com deficiência no contexto escolar.
Para além dos ambientes das escolas regulares, públicas ou privadas,
também nos ambientes destinados aos alunos rotulados como “especiais” (nas
escolas especiais), encontramos muitos dos componentes que conservam as
barreiras atitudinais. Sustentando- se em bases científicas, filosóficas,
históricas e/ou populares, essas “escolas especiais” esteiam-se em preconceitos
e/ou barreiras atitudinais que, no entendimento dos defensores de tais “escolas
especiais”, são apenas ações em prol do “melhor para a pessoa com deficiência”.
Esse “melhor para a pessoa com deficiência” contudo, tem sido o
principal argumento usado para justificar ações que, em última instância, são
manifestações explícitas das muitas barreiras atitudinais que de tão danosas,
são abomináveis. Se as bases históricas, científicas e filosóficas servem para
explicar o porquê das barreiras atitudinais hoje vivenciadas, elas não podem,
contudo, servir de justificativa para a manutenção de tais barreiras.
O argumento de que “sempre foi assim” e “é difícil de mudar” é,
portanto, irrelevante e descabido quando se pretende de fato construir uma
escola para todos; não esta escola que está aí, mas uma outra escola,
justificável pela necessidade de reconhecermos que “TODOS” não permite exceção.
Já o temor desse reconhecimento e do que ele significa, certamente, explicam
o porquê de tanta resistência para transformar a escola excludente dos dias de
hoje em uma escola inclusiva para já. E explica simplesmente porque a ação de
explicar significa, nada mais nada menos que interpretar, explanar, dar motivo
dos próprios atos, tornar inteligível. Justificar consiste em argumentar,
provar a veracidade de algo, demonstrar a razão dos procedimentos. Logo, há um
intercâmbio entre essas duas ações no que se refere ao recurso da argumentação.
Assim, ao explicarmos uma barreira atitudinal, damos argumentos que elucidam
uma situação que originou determinado comportamento da sociedade em relação à
pessoa com deficiência. Entretanto, esse comportamento não deve se sustentar
(ser justificado) esteado em sua explicação.
Nesse sentido, afirmações do tipo “é compreensível que a sociedade haja
dessa forma”, “sempre foi assim…” ou “os alunos com deficiência não acompanham
o programa” maquiam uma atitude negativa diante da pessoa com deficiência.
Esse tipo de “justificativa”, portanto, nutre a inércia social, o
conformismo, o comodismo, os estereótipos, sustentando a existência das salas
especiais, que, geralmente, focalizam a deficiência em detrimento da essência
humana. Logo, não há justificativa racional, ética, moral ou científica para a
manutenção de alunos com deficiência em ambientes segregados, seja em escolas
especiais, seja em ambientes especiais na escola. No âmbito da educação
escolar, há diversas formas de exclusão – pelo obstáculo e impedimento ao
acesso e ingresso da pessoa com deficiência, pela expulsão das que ingressam e
são impossibilitadas de permanecer porque professores, gestores e pais
acreditam que elas devem estar naqueles ambientes especializados.
“Independentemente do lócus das barreiras, elas devem ser identificadas
para serem enfrentadas, não como obstáculos intransponíveis e sim como desafios
aos quais nos lançamos com firmeza, com brandura e muita determinação” (EDLER
CARVALHO, 2006, p. 128).
Destarte, convidamos a todos para investigar, nomear as diversas barreiras
atitudinais corporificadas na escola e na sociedade como um todo, a fim de
fazer entender que a inclusão precisa ser um objetivo de cada um. Assim sendo,
pensemos conjuntamente em como iniciar uma transformação individual para uma
transformação no coletivo.
A inclusão só será concretizada eficientemente quando cada um de nós
reconhecer as barreiras que nutrimos e buscar minimizá-las, erradicá-las. “A
inclusão é uma visão, uma estrada a ser viajada, mas uma estrada sem fim, com
todos os tipos de barreiras e obstáculos, alguns dos quais estão em nossas
mentes e em nossos corações” (MITTLER, 2003, p. 21).
REFERÊNCIAS
- BIANCHETTI, Lucidio e FREIRE, Ida Mara (orgs). Um olhar sobre a diferença: Interação, trabalho e cidadania. 6ª ed. São Paulo: Papirus, 2004.
- EDLER CARVALHO, Rosita. Removendo barreiras para a aprendizagem: educação inclusiva. 5ª ed. Porto alegre: Mediação, 2006.
- Educação Inclusiva: com os pingos nos “is”. 4ª ed. Porto Alegre: Mediação. 2006
- GLAT, Rosana. Questões atuais em educação – A integração social dos portadores de deficiências: uma reflexão. Rio de Janeiro: Livraria Sette Letras, 1995.
- MITTER, Peter. Educação inclusiva: Contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
- ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. 2. ed. São Paulo, 1985. 95 p.
- SASSAKI, Romeu K. Vida Independente: história, movimento, liderança, conceito, filosofia e fundamentos. São Paulo: RNR, 2003.
http://www.deficienteciente.com.br/
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