Ally e Ryan

Ally e Ryan

terça-feira, 25 de maio de 2010

Texto do Jairo Marques, hoje na Folha de São Paulo


JAIRO MARQUES

Deixa que eu te empurro!

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Às vezes, queremos nos virar sozinhos. Sacam aquelas voltinhas que todo mundo dá pra espairecer?
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É ASSIM MESMO que rola, com a conjugação verbal torta que nem meu pé direito: Tira a mão daí e deixa que eu te empurro! Cadeirante solto na rua é frequentemente alvo da intensa solidariedade do brasileiro, mesmo que, em alguns momentos, a gente não precise ou não queira uma ajudinha.

Não, não somos um povo ingrato e revoltado que não reconhece a boa vontade alheia. É que, em algumas situações, queremos nos virar sozinhos. Sacam aquelas voltinhas que todo mundo dá pra espairecer as ideias? Então, cadeirante também quer dar suas rodadinhas para pensar na vida, na morte da bezerra, ou mesmo pra esticar os músculos.

Há também momentos em que a recusa da ajuda se dá por pânico de tomar um capote na rua. Cadeira de rodas não é igual a carrinho de supermercado. Caso o condutor seja barbeiro e vá conduzindo de qualquer jeito pelas calçadas esburacadas das cidades, os paraplégicos -com os membros inferiores afetados- correm o risco de ficar tetraplégicos -com comprometimento de braços, tronco e pernas. Se eles forem tetras...

O mais comum, porém, é o deficiente que usa a cadeira nem ter tempo de dizer que não precisa de ajuda. Quando vê, já está sendo empurrado mesmo querendo ficar parado. Aí é segurar firme na mão de nossa senhora da bicicletinha. No caso dos cegos, quando percebem, já os fizeram atravessar a rua, talvez, sem que eles precisem.

Sou tão escolado com os empurradores muito solidários que, quando identifico um, tento mudar de rumo. Esses, além de insistirem ao máximo, sempre puxam aquele papo: "Que vida dura, heim? Foi acidente? Caiu do berço? É doença, né?".

A solução também não é abandonar os cadeirantes soltando os bofes para fora pra conseguir vencer uma rampa íngreme ou deixar os deficientes visuais trombarem numa caçamba de lixo mal colocada. A mãozinha, diversas vezes, é muito bem-vinda. E pode acreditar: se precisarmos dela, vamos pedir.

O que funciona melhor são frases do tipo: "Você precisa de ajuda? Como devo fazer?". E deixe claro, quando aceita a oferta, até onde o cadeirante será empurrado, até que rua o cego será conduzido e até que esquina será levada a sacola do idoso que usa bengalas.

Também não vale só dar um soprinho de ajuda, para pagar promessa de fim de ano, e abandonar o cadeirante num passeio sem guia rebaixada, o cego num cruzamento perigoso.

No ano passado, juntei lá meus 200 réis e fui a Nova York. Lá, mesmo nas ruas lotadas em pleno verão, não me empurraram nenhuma vez sem um pedido explícito meu. E só uma vez ouvi: "Do you need some help?". E era uma situação que eu, flagrantemente, não resolveria com a cadeira.
Não acho que o sistema de lá seja melhor ou que os americanos lidem de forma mais avançada com as diferenças. É muito bom viver num país como o Brasil, com tanta gente disposta a fazer pequenas ações cotidianas pelo bem-estar do outro.

Mas, para uma convivência mais harmoniosa, legal seria encarar aqueles que parecem mais frágeis fisicamente como pessoas assim como você, que, vez ou outra, precisam de uma mãozinha, mas que também têm momentos de caminhar -ou rodar- livres como o vento.

http://assimcomovoce.folha.blog.uol.com.br

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