As motos e as cidades
Metade das vítimas de acidentes de trânsito no pronto-socorro do HC de São Paulo são motociclistas
DIAS ATRÁS , o Hospital das Clínicas de São Paulo, principal hospital público da cidade, revelou que metade das vítimas de acidentes de trânsito que chegam ao pronto-socorro da instituição são motociclistas. Em São Paulo, morrem três motoqueiros a cada dois dias.
Há muitas outras estatísticas que mostram o impressionante número de mortes e incapacitações físicas decorrentes desse tipo de transporte, que avança de forma alucinada no país.Não é meu objetivo chocar leitores com números dessa mortandade.
Nem condenar à extinção a indústria de motocicletas. O intuito é o de chamar a atenção para a necessidade urgente de busca de saídas para esse problema, que não depende apenas de leis federais. Prefeitos de grandes cidades precisam ter a mesma coragem revelada em São Paulo para limpar as ruas da poluição visual. Com a diferença de que esse tema exige muito mais pressa, porque se trata de poupar vidas.
Estive na China há três meses e surpreendi-me com a inexistência de motos no trânsito caótico de Pequim.
Elas são proibidas na capital chinesa e em várias outras metrópoles do país, como Xangai e Guangzhou. Só bicicletas e bicicletas elétricas podem circular nessas cidades, e jamais no meio dos veículos. Usam faixas exclusivas existentes em praticamente todos os grandes centros urbanos.
Em alguns, a proibição já dura oito anos, e isso não atrapalha a indústria, que se concentra em bicicletas e motonetas elétricas.Segundo os chineses, a proibição de motocicletas nos grandes centros -elas podem circular no interior- se deu por três razões: segurança, porque elas se envolvem em muitos acidentes com vítimas; por uma questão ambiental, porque poluem muito mais do que os carros; e para melhorar o trânsito dos veículos. No Brasil, haveria uma quarta razão, a redução da criminalidade no trânsito, já que muitos assaltos são feitos por duplas de motociclistas.
Os chineses consideram falsa a ideia de que as motos facilitam o trânsito e a locomoção das pessoas. Ao circular entre os veículos, dizem, elas provocam mais problemas do que soluções, porque dão origem a muitos acidentes e incidentes que param ou retardam o tráfego. O ideal seria segregá-las às faixas exclusivas, mas sua velocidade seria incompatível com a das bicicletas. A solução chinesa, então, foi proibir as motos e restringir o uso das faixas para bicicletas e ciclomotores elétricos, que andam a baixa velocidade, mas representam um meio de transporte importante.
No Brasil, caminhamos na direção oposta. O governo federal aprovou em julho o serviço de mototáxi no país. A lei permite que cada prefeito possa decidir sobre a liberação do serviço em sua cidade.
A ideia de que a bicicleta não se adapta a cidades como São Paulo ou Rio, que têm muitas subidas, também não se sustenta depois do surgimento das eficientes bicicletas elétricas chinesas. O governador do Rio, Sergio Cabral, circulou com uma dessas bicicletas em ruas próximas ao Maracanã recentemente, no Dia Mundial sem Carros (e Motos), e ficou encantado. Prometeu "tapete vermelho, casa, comida e roupa lavada" a quem instalar uma fábrica desses ciclomotores no Rio.
Alguém já pensou em proibir o uso de motos em cidades como São Paulo, Rio ou Belo Horizonte? Claro que não. Haveria uma "guerra civil" nas ruas. Isso, porém, não significa que a sociedade deva continuar apática ao problema. Medidas educativas, por exemplo, são bem-vindas. Mas é preciso muito mais do que isso. Mais arrojo e mais coragem. Para salvar vidas.
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