Ally e Ryan

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domingo, 14 de novembro de 2010

MINHA HISTÓRIA, KÊNIA RIO, 45

Depoimento de Kênia Rio, anã, ao jornal Folha de São Paulo, deste domingo:

GRANDE CAUSA
Muita gente acha que anão é coisa de conto de fadas Se fizeram adaptações para cadeirante e cego, por que não para anões?

RESUMO
A anã Kênia Rio mede 1,23 m e é presidente da Associação de Nanismo do Rio, que reúne mais de 300 anões. Ela faz palestras pelo país e já esteve até com o presidente Lula. Kênia fala da luta para vencer o preconceito e propõe um tratamento mais politicamente correto para os anões no país.

(...)Depoimento a

MARCELO BORTOLOTI
DO RIO

Meu pai era anão. Foi o primeiro da família com o problema, já que meus avós e tios eram altos. Quando se casou com uma mulher de estatura normal, teve três filhos, todos anões. Dizem que se o pai ou a mãe tem nanismo, há 50% de chance de o filho ter o mesmo problema.
A matemática nem sempre funciona. Infelizmente temos poucos médicos que estudam isto. Eu e meus dois irmãos nos casamos com pessoas de estatura alta. Os três filhos que tivemos nasceram com nanismo. Nossa família está na terceira geração.
Nem sempre é fácil para um anão lidar com sua deficiência. Só fui lidar melhor com isso adulta. Aos 22, grávida, fiquei apreensiva e torcia para que meu filho não fosse anão. Mas o medo também era imaturidade.
Hoje meu filho está aí, bem empregado e faz faculdade de direito. Se tivesse 20 filhos anões não teria problema nenhum. Sempre digo que ele precisa ser o melhor. Se ele for o melhor, ou chegar próximo disso, terá mais oportunidades de escolhas profissionais e de relacionamento.

CONQUISTAS AMOROSAS

A adolescência é a fase mais difícil. Você ouve muito "não". Eu estudei num colégio onde tinha amigas lindas e maravilhosas que namoravam e eu não. Esse não é só o meu caso, é o de milhões.
Logo cedo percebi que deveria ser uma pessoa mais inteligente porque a conquista se daria pelo lado intelectual, e não pela beleza. Eu nunca fui conquistada, conquistei.
Nunca foi amor à primeira vista. Você chegar para um homem de estatura alta e convencê-lo que é normal andar com uma anã é difícil. Às vezes ele até aceita, mas não basta. Meu marido, aliás, meus três maridos, porque fui casada três vezes, sofreram preconceitos terríveis.
O ser humano é cruel. Ele ridiculariza, faz piadas.
Às vezes me perguntam por que eu não quis me casar com uma pessoa baixa, com um anão. É porque na minha época eu não via. Hoje eu vejo mais anões pelas ruas.

ASSOCIAÇÃO DE ANÕES

Quando me formei em direito, não havia cotas para deficientes nas empresas. E ninguém queria trabalhar com uma anã. Fiz várias entrevistas e fui rejeitada de cara. Percebi que o que me restava era ser operária do direito. É o que faço há 21 anos.
Hoje tenho escritório próprio e dirijo a associação dos anões do Rio. Existe outra associação em São Paulo e uma está sendo criada no Ceará.
No Rio, eu promovo encontros para irmos em grupo ao cinema, fazemos festas juninas... Claro que a gente tem que evitar determinados ambientes, porque a sociedade não está preparada. Você não vai levar um grupo de anões para um baile funk.
A maior parte das pessoas ainda acha que todos os anões trabalham em circo. Mas muitos estão em grandes empresas. A associação recebe telefonemas de empresas bacanas querendo contratar.
Faço palestras pelo Brasil para desmistificar a questão. Só que existem coisas na televisão, como aquela história do "Pedala Robinho", do programa "Pânico na TV", em que o sujeito dá um tapa na cabeça do anão. Leva a coisa para a brincadeira e atrapalha o nosso trabalho.
Muitas crianças anãs começaram a receber tapas na cabeça no colégio depois disso. Até adultos sofrem. Se o cara está ali se vendendo por R$ 100, o problema é dele. Mas ele tem de ter consciência, e o produtor do programa também, que estão levando aquilo para muita gente.

ACESSIBILIDADE

Quando saímos em público, queremos também dizer para os arquitetos e projetistas que existem pessoas com dificuldade de alcançar a pia ou o mictório. Se fizeram adaptações em áreas públicas para cadeirantes, cegos e surdos, por que não para anões? Imagina você ficar duas horas no cinema com os pés pendurados na cadeira? Não há mobília adequada.

SAÚDE

Está nascendo muito anão. E as mães não sabem o que fazer. Os anões têm uma temperatura quente, acima do normal, não podem tomar anestesia geral, têm problemas de diabetes na gravidez, câimbras terríveis e outros problemas que os médicos desconhecem.
Meu sonho é que o Brasil seja um modelo para a questão da saúde dos anões. Estou trabalhando num projeto para montar uma equipe médica especializada.
Quando eu vou às palestras e digo que qualquer um pode ter filho anão, as pessoas ficam apavoradas. Já ouvi caso de uma mãe que, na ultrassonografia, quando o médico disse que ela teria um filho anão, ficou chocada e perguntou: "Como assim?". O médico respondeu: "Sabe aqueles anões de circo?". Até hoje chora quando conta isso. A ignorância vista por aí é muito grande.

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